27 de fev. de 2003

Mistura sua laia ou foge da raia

Ontem em mais uma conversa sobre cotas me veio uma música à cabeça. Uma música dos anos 80 do grupo Ultraje a Rigor. É bem ilustrativa.

Nós Vamos Invadir sua Praia
(Roger Rocha Moreira)

Daqui do morro dá pra ver tão legal
O que acontece aí no seu litoral
Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais
Do alto da cidade até a beira do cais
Mais do que um bom bronzeado
Nós queremos estar do seu lado

Nós 'tamo' entrando sem óleo nem creme
Precisando a gente se espreme
Trazendo a farofa e a galinha
Levando também a vitrolinha

Separa um lugar nessa areia
Nós vamos chacoalhar a sua aldeia

Mistura sua laia
Ou foge da raia
Sai da tocaia
Pula na baia
Agora nós vamos invadir sua praia

Agora se você vai se incomodar
Então é melhor se mudar
Não adianta nem nos desprezar
Se a gente acostumar a gente vai ficar
A gente tá querendo variar
E a sua praia vem bem a calhar

Não precisa ficar nervoso
Pode ser que você ache gostoso
Ficar em companhia tão saudável
Pode até lhe ser bastante recomendável
A gente pode te cutucar
Não tenha medo, não vai machucar
A Mídia na França:
Mudanças estruturais nos centros acadêmicos de mídia francesa põe em cheque uma tradição nascida com a Revolução Francesa

Este é daqueles looongos posts, mas de extrema relevância para todos ligados ao jornalismo, mas só para ter uma idéia do teor, segue: "Qual é o papel do jornalista? Essa pergunta nunca é feita porque a questão não se coloca: o jornalista está ali para se adaptar à demanda do mercado. Qual é o papel do CFJ? Não perguntar já é responder: ele está ali para se adaptar às necessidades das empresas.". LEIAM, É FUNDAMENTAL OU IMPRIMAM.

Um conformismo conveniente
Nascida durante a Resistência e considerada uma referência por seus compromissos com a ética e a dignidade, a principal escola de comunicação da França – o Centro de Formação de Jornalistas – foi tomada pelo rei-dinheiro e pela lógica do mercado

François Ruffin*
Na França, há uma curiosidade no jornalismo: seus membros pertencem a uma das chamadas profissões “abertas”, que não exigem diploma para seu exercício1. E, na realidade, apenas 12% dos possuidores de uma carteira de jornalista estudaram num dos nove estabelecimentos credenciados: os Institutos Universitários, de Bordeaux e Tours, o Centro Universitário de Jornalismo, de Strasbourg, a Escola de Jornalismo e Comunicação, de Marselha, a Escola Superior de Jornalismo, de Lille, a Escola de Jornalismo, de Toulouse e, em Paris, o Centro de Formação de Jornalistas, a Celsa2 e o Instituto Prático do Jornalismo.

Essa frágil proporção esconde uma importante clivagem: de um lado, uma imprensa regional e uma imprensa especializada que procuram, maciçamente, profissionais sem diploma. De outro, os veículos mais famosos (a Agência France Presse, a France Inter, a emissora France 2 etc.), que consideram a passagem por uma faculdade “uma etapa quase indispensável”: “Encontrar um jovem e bom repórter que se tenha formado na base da experiência parece, atualmente, cada vez mais improvável nos grandes meios de comunicação nacionais3.” O que é uma evolução notável na profissão: onde se entrava pela porta dos fundos graças a um pistolão, hoje é exigido um título acadêmico.


A “elite” jornalística do CFJ
Mas nem todas as escolas levam a Roma. Se, por um lado, algumas faculdades (os dois Institutos Universitários, o Centro Universitário de Jornalismo, a Escola de Jornalismo e Comunicação e a Celsa) proporcionam o acesso a contratos de trabalho por tempo determinado nos veículos audiovisuais do interior, assim como as revistas, a “grande” imprensa tem preferência por dois estabelecimentos privados: a Escola Superior de Jornalismo, de Lille, e, principalmente, o Centro de Formação de Jornalistas (CFJ), de Paris, mencionado, às vezes, como a “ENA do jornalismo4”. O guia L’Etudiant, por exemplo, afirma: “O CFJ é para o jornalismo o que a Faculdade de Ciências Políticas é para a administração: uma escola de excelência5.”

Fundado em 1946, no centro de Paris, por jovens egressos da Resistência contra o invasor nazista, “o CFJ criaria uma estrutura permanente para o jornalismo francês6”. E formaria uma “elite”. Basta uma rápida consulta ao Anuário de ex-alunos: apenas dois mil jornalistas saíram do CFJ entre 1947 e 2002. Uma gota d’água em meio ao oceano de seus 32.768 colegas formados no mesmo período. Mas são aqueles dois mil que contam, nos veículos que contam: uns vinte no Figaro, na revista L’Express e na rádio Europe 1, uns trinta na emissora TF 1, quarenta no Libération, cinqüenta na emissora France 2, 65 no Monde e mais de cem na Agência France Presse (AFP)! Isso, enquanto a totalidade dos jornais regionais não emprega senão 68 ex-alunos do CFJ... Acrescente-se que, nas empresas em que trabalham, raramente esses diplomados ficam restritos à base da pirâmide: o citado Anuário constitui um autêntico catálogo dos jornalistas mais famosos da imprensa francesa (Franz-Olivier Giesbert, Laurent Joffrin, Pierre Lescure...), “diretores de redação” e outros chefes que tomaram o elevador da “ascensão social” e “ocupam posições de prestígio na hierarquia interna7”. Nada de espantoso, portanto, no fato de que os dois jornalistas mais influentes da França, os dois apresentadores mais credenciados do noticiário de televisão das oito horas da noite – Patrick Poivre d’Arvor, na TF 1, e David Pujadas, na France 2 – sejam egressos do CFJ...


Vazio intelectual e um discurso liberal
Semeando jornalistas bem cotados, que ocupam cargos de influência em meios de comunicação influentes, o CFJ determina, pelo menos em parte, o que é e o que deverá ser o papel da mídia. Foi edificada uma certa concepção da profissão que seus alunos espalham, progressivamente, pelas redações. De início, os professores louvavam as virtudes dos fatos em oposição aos comentários, com uma exigência da apuração do fato e da confiabilidade da fonte. Ao tipo de repórter aventureiro, como Joseph Kessel, ou ao redator talentoso, como Albert Camus, o CFJ contrapôs um modelo: o do profissional rigoroso, com um texto sem firulas (“claro, correto, conciso, completo”), que confirma com seriedade a informação de suas fontes. Numa profissão imersa na corrupção, os professores exortavam a honestidade intelectual e pecuniária, “em defesa dos valores morais e contra a lógica do lucro”. Esse esforços contavam com a simpatia da linha ascética de um Hubert Beuve-Méry8 e uma pesquisadora chegou a notar que, naquela época, na década de 50, “os redatores do jornal Le Monde compartilhavam das opiniões e da postura do CFJ9”.

A partir dessa época, no entanto, o jornalismo tornou-se bem menos cidadão do que lucrativo. Levas de intelectuais deixaram-se influenciar pela conquista de audiência junto à opinião pública e pela busca do lucro. A atual orientação do CFJ traduz claramente essa inversão ideológica, tanto através de sua pedagogia, quanto através de seu vazio intelectual e seu discurso liberal.

O “módulo CFJ”
“Um flash são cinco, seis, sete sílabas, tac-tac-tac. Nunca passa de quarenta segundos.” Nesse tipo de ensino, predominam a forma e a formatação, com receitas que se seguem e se assemelham: “Sempre que possível, evitem as orações subordinadas, as frases com mais de quatorze palavras.” “Dois minutos e quinze segundos para uma reportagem é uma enormidade para a televisão, é demais... Há um problema de tempo.” “Avaliem só uma intervenção com uma consoante gutural de quinze segundos...” A questão do sentido não deve ser avaliada. E quando um estudante propõe essa avaliação, o professor a descarta rapidamente, como se vê por este diálogo:

– Mas, num minuto não dá para dizer nada!...
– Bem-vindo ao mundo da televisão!... – responde, divertido, o professor que também é editor-assistente da LCI10.

Por ocasião da volta às aulas, o professor responsável pela matéria de “Jornalismo Impresso” teoriza sobre alguns objetivos normativos: “É possível que se diga que existem, na nossa profissão, alguns jornais ou jornalistas que não se enquadram na linha. Aqui, nós pediremos que essa linha seja seguida, se é que se pode dizer assim, que seja adotada como uma norma.” Uma semana mais tarde, irritado e exasperado com o excesso de “desvios” de seus estudantes, desabafaria: “Tudo bem, tudo bem! O fato é que existe um ‘módulo CFJ’ e é a ele que vocês devem se ater.”



Ordens e conselhos
E esse módulo impõe, acima de tudo, o acompanhamento do noticiário. Porque “o que fazemos é a notícia, e mais notícia, sempre a notícia”. E os aprendizes de jornalismo são orientados para o caminho adequado na busca da notícia, seja por ordens (“Se é boa, é boa, caso contrário não se justifica”), seja por conselhos fraternais:

Uma estudante: – Para quarta-feira, com a saída do filme sobre os trabalhadores da fábrica da Michelin, nós gostaríamos de voltar a discutir a condição operária...

O professor, também editor de um jornal: – Isso aí é mais um tema para revista, não é notícia. É melhor esperar para ver se surge outra coisa como notícia, algum tipo de notícia mais atual...

E notícia é o que o professor acaba descobrindo no jornal Le Parisien: “Estou vendo aqui que, na quarta-feira, há o jogo entre o Paris Saint-Germain e o Olympique de Marselha. Isso deve dar pelo menos uma página.” Os estudantes passam então a produzir as matérias com títulos como “De olho no OM (Olympique)”, “Fernandez (técnico de futebol) põe fim ao drama”, passando a “PSG-OM, o jogo que agita a cidade”, “Um cheiro de enxofre”, “Vai haver briga”, “Uma rivalidade histórica”, “O PSG com a bola cheia”... Sete artigos para um jogo que terminou zero-a-zero e com uma modesta saraivada de pedras.

O público “não está nem aí”...
Na realidade, o dogma da notícia esconde uma opção economista: pede-se ao jornalista que se isole da realidade, que renuncie a seus valores, caso os tenha, em proveito de uma hierarquia de informação que atinja um público maior. “Será que se deveria ligar o aquecimento central? Com o frio que fez hoje de manhã, essa é a pergunta que as pessoas estão fazendo. Isso é uma reportagem sobre uma notícia, isso envolve 60 milhões de franceses”, garante o professor responsável pela matéria “Jornalismo de Televisão”. Esqueçam-se as notícias com conseqüências diplomáticas ou sociais, pois o que prevalece agora é o interesse imediato pela audiência do programa, o que significa que o assunto é rebatizado de “notícia”.

Durante uma aula sobre televisão, por exemplo, Stéphane diz que gostaria de fazer uma reportagem sobre o comércio justo. O professor hesita:

– Eu preferiria, por exemplo, algo como: “O que tomam os franceses como aperitivo?”
– Mas isso não tem nada a ver...
– Tudo bem, mas será visto por oito milhões de telespectadores. Ao passo que essa sua campanha, sobre a “ética do consumo”, é desconhecida do público.
– Mas é justamente isso que eu quero. Interessar as pessoas, fazer com que descubram...
– É... (E puxa a pálpebra.) Não estão nem aí... As pessoas estão pouco ligando.

A imitação como forma de ensino
O objetivo deliberado desse tipo de ensino é imitar os grandes veículos de comunicação. É o que confirma um professor por ocasião do lançamento da publicação semanal da escola: “Nos anos anteriores, produzimos publicações completamente sincronizadas com os concorrentes. Cobríamos as mesmas notícias que as revistas L’Express ou Le Point. Não demos nenhuma barriga. Espero que nosso produto deste ano tenha o mesmo desempenho.” Curiosa definição de “desempenho”: conseguir fazer o mesmo “produto” que os jornalistas profissionais.

Existe, na televisão, um ritual que comprova essa preocupação constante: para preparar o noticiário (interno) das 18 horas, o professor responsável pela edição assiste às emissões das 13 horas da TF 1 e da France 2, fica de olho na I-télévision e na LCI11, separa os vários assuntos abordados, memoriza a ordem em que foram apresentados – será isso que os alunos terão que reproduzir fielmente no horário noturno: a morte de uma patinadora de esqui, o bacilo do carvão em Washington, os bombardeios norte-americanos no Afeganistão, as abóboras do Halloween... A cópia é tão perfeita que até os tempos são respeitados: “Sete minutos sobre a morte de Régine Cavagnoud, para um jornal de 20 minutos, está bom. PPDA (Patrick Poivre d’Arvor) reduzirá isso para um terço, mais ou menos, no jornal da noite.”

Outro óbito: Gilbert Bécaud, na véspera do fechamento do semanário. “Devem ser feitas quatro páginas”, é a ordem imediata do professor-editor. Mas, no dia seguinte, é tomado pela dúvida: “Os jornais diários deram na capa, mas não ocupou assim tanto espaço. Talvez tenhamos feito demais. Podemos discutir...” Mas os semanários o acabam reconfortando: “Vocês viram? Paris-Match deu a capa e uma matéria de quatro páginas. Portanto, estamos bem.” No Instituto Prático de Jornalismo, em Paris, os alunos copiam o Nouvel Observateur quase integralmente: paginação, estilo, títulos, assuntos...

O apetite pela produtividade
Como seria possível conceber uma “grande escola”, ainda por cima “de jornalismo”, sem uma biblioteca? Pois o CFJ é a prova de que isso é possível: a exemplo da busca de livros, existe uma “Documentação” – bastante modesta – com algumas revistas, um Quid, alguns dicionários, um manual de pontuação... No máximo, uma centena de obras de consulta e referência.

Essa indigência não decorre de previsão alguma; corresponde ao programa daquele estabelecimento, embora jamais seja formulada nesses termos: já que, para fazer jornalismo, não se exige saber algum, para que serviriam, então, esses instrumentos do saber? Na Escola Superior de Jornalismo de Lille, aliás, sobrevive um imenso acervo... raramente consultado, segundo o responsável pela documentação: “Quando entram para a faculdade de jornalismo, os estudantes praticamente param de ler livros (...), como se devessem, a partir de então, adquirir e interiorizar os reflexos daquilo que existe nas redações12.”

Os alunos já nem chegam a ler os ensaios que devem criticar. Benoît, por exemplo, devia fazer um trabalho sobre a guerra da Argélia. “Continue sua matéria sobre o livro de Jacques Duquesne”, aconselhou-a uma professora, jornalista do programa “France Culture”. “Mas eu nem abri o livro!...”, respondeu Benoît. “Não é preciso. Estamos com pressa. Basta você ler uma crítica do Monde.” A mesma professora repetiria essa mesma recomendação em relação a um filme de Claude Lanzmann (não projetado) e um estudo sobre os working poor. Não se trata de incompetência por parte dessa profissional: ela apenas incorporou o ritmo de seu trabalho, seu apetite pela produtividade e adotou os artifícios necessários. Isso porque, longe de prejudicar o jornalista, o desconhecimento dos assuntos constitui um trunfo: qualquer tipo de conhecimento inconveniente pode perturbar a síntese; a complexidade tomaria conta do apresentador, que poderia ultrapassar o tempo de um minuto e até – o limite absoluto – um minuto e 15 segundos...

O culto do “menos-pensar”
Com quatro seminários realizados em dois anos, perdida em meio ao no man’s land das chamadas, aos flashes e às entradas em tempo real, a cultura geral limita-se a vegetar à margem da prática. Ainda mais inquietante é a ausência de reflexão na prática. Isso é flagrante nas microcalçadas do programa “Loft Story13” ou nas “infodiversões” de programas como o “Salão do Chocolate”. Mas também ocorre quando se trata de assuntos mais políticos. Os alunos escrevem incessantemente, durante três meses, “artigos” sobre as peripécias envolvendo questões como as aposentadorias, o PARE14, a redução da carga horária para 35 horas... sem ir além do noticiário recebido da Agência France Presse, sem saber coisa alguma sobre a Unedic15 ou sobre a gestão paritária, sem comparar “capitalização” e “distribuição”. Redigem seis páginas, para uma publicação semanal, sobre o “euro, romance de um nascimento”, sem o mínimo questionamento dos critérios estabelecidos pelo Tratado de Maastricht, suas conseqüências sociais, a soberania nacional etc. A nova moeda única é descrita, por exemplo, como “inovadora e, principalmente, necessária”: “Na realidade, difícil eram as relações comerciais no tempo do Mercado Comum (...), quando a flutuação das moedas podia fazer variarem, a qualquer momento, os preços de um país para o outro.” Essa avaliação não decorre tanto de uma opção quanto de uma não-opção. De uma não-reflexão que naturaliza os mecanismos históricos, financeiros e sociais. Que apresenta como necessário e positivo aquilo que existe. Que partilha docilmente do que é consensual.

É essa opção por baixo, esse “culto do menos-pensar”, que denuncia um aluno: “O que há é uma desesperadora falta de perguntas, de questionamentos de fundo, o que induz a um conformismo. Na escola, isso é desolador.” O CFJ não só não incentiva esses questionamentos de fundo, como os desencoraja. Mas a maioria dos estudantes também não os procura. Nunca há discussões entre eles, nunca há debates. Nada sobre o liberalismo, a ecologia, o papel do Estado, o fechamento da fábrica da Michelin... Nada. Ou melhor, em torno do filme Le Fabuleux destin d’Amélie Poulain – a favor ou contra? Fascistóide ou saudosista? – chegou-se a fazer uma breve discussão.


Aperfeiçoamento para quê?
Um discurso público anêmico, um pensamento vazio... num lugar em que se formam os (presumíveis) agitadores da democracia. Como explicar esse aparente paradoxo? A culpa é dos tempos, sem dúvida, do desencanto. Esses jovens cresceram durante a crise, pertencem a uma geração pragmática, sem utopias nem ilusões. “É isso aí, o espírito dos tempos”, dizia Cornelius Castoriadis. “Tudo conspira na mesma direção, pelos mesmos resultados, ou seja, pela indignificância16.”

Acrescente-se a isso uma enorme homogeneidade social. Como discutir a tortura na Argélia, o Tribunal Penal Internacional ou a intervenção norte-americana no Afeganistão, se todos os alunos pensam o mesmo? Se todos eles são progressistas, todos modernos, todos de centro-esquerda? Quase todos simpatizantes de Bertrand Delanoë17, esse “Lawrence da Arábia que conquistou Paris”, esse “político imaginativo”, “um pouco visionário”, “paladino destemido” que “vai até o fundo” e nunca “banca a vedete18”?

Trata-se de jovens de classe média alta, que vivem uma juventude insípida e/ou feliz e não foram vítimas de quaisquer injustiças. Não têm, praticamente, qualquer tipo de raiva do mundo, salvo por alguns detalhes. Para que diabos serve o aperfeiçoamento de instrumentos teóricos que denunciem os sistemas escolar, financeiro e judiciário existentes – que até hoje os atendeu tão bem?

Evidências da lógica liberal
O Centro de Formação de Jornalistas não parece o berço de uma reflexão subversiva sobre o mundo – e, muito menos, sobre o jornalismo. Jamais aquela faculdade recebe um lingüista, que poderia tornar as noções de “fato” e “notícia” menos naturais. Assim como não recebe um sociólogo, que poderia demonstrar os preconceitos e pressupostos da mídia. Nem mesmo um especialista na história da imprensa, que poderia relatar as lutas dos jornalistas pela informação. Jamais são mencionados Jules Vallès, Jean Jaurès ou Octave Mirabeau, nem quaisquer grandes nomes do jornalismo que “puseram a caneta na ferida” e para quem fazer uma reportagem implicava um compromisso ético. Quanto aos repórteres heréticos ou dissidentes – como Daniel Mermet, Denis Robert, Pierre Carles e outros –, jamais são apresentados como contramodelos, como uma janela que se abre.

Haveria o risco de que esses iconoclastas introduzissem uma distância crítica. Quando os professores-formadores se esforçam, ao invés disso, por inculcar certezas aos estudantes: é evidente que temos que produzir rapidamente; é evidente que temos que atrair a audiência; é evidente que temos que divulgar a loteria, a previsão do tempo, a cotação da Bolsa de Valores... E quanto mais se analisam essas evidências, mais evidentes elas se tornam. Objeto de pouca crítica, esse tipo de produção – que abrange os principais veículos de informação – parece natural. E, portanto, impossível de ser contestado em nome de uma causa (ignorada), de uma forma (desconhecida) ou de um conteúdo (não formulado).

Quando caem as máscaras...
Longe os espíritos, os raros discursos reforçam esse hermetismo: só é legítima a palavra que legitima. E essa é a palavra dos convidados assíduos: a dos editores de Paris-Match, de La Croix, do canal France 2, do Parisien; a dos donos do Canal Plus, da RTL, do jornal Ouest-France; a dos diretores de Télérama, do Express, do Monde, da TF 1 ou do jornal L’Équipe... Um troca-troca de dirigentes pouco afeitos a rebeliões – eles, que conquistaram um confortável lugar no pináculo do “quarto poder”.

Suas idéias não questionam a ordem mercantil vigente, mas a justificam: “O único critério é o resultado, é a audiência ou a venda.” “Meu patrão dizia: ‘Minha função, na imprensa, é a de detergente, e eu o assumo’.” “Nós não vendemos produtos, vendemos audiência.” “Nossa universo é o da informação, e portanto, o da mercadoria.” “Cada título de nossa editora deve ter um lucro de 10 a 15%.” “A lógica da mídia é a mesma que a do dono de um grande supermercado.” “O Monde é uma marca, e uma marca de peso.” Essas pequenas jóias fazem parte de uma antologia colhida aleatoriamente por ocasião do seminário “A mídia em seu ambiente”. O tema, praticamente exclusivo, foi o dinheiro. Em mão única: o dinheiro faz a felicidade dos jornalistas. A lenta invasão da imprensa pelo dinheiro? Uma fatalidade benéfica e nenhum professor incentivaria a crítica a essa tendência. Pelo contrário: todos se encantam com ela, numa unanimidade admirável.

Descobrir esse ponto de vista, o da cúpula, representa uma revelação esclarecedora. Principalmente quando caem as máscaras, sob o pretexto de que “estamos entre nós”, que “isto fica em família”, que “podemos falar abertamente” – quando o comércio da notícia deixa de se camuflar “sob o manto da cultura, do espírito, da virtude e da sabedoria19”.

Adaptando-se à demanda e às necessidades
Pois é de um modelo que se trata. Caberá aos estudantes, em seguida, escalar a hierarquia dos grandes jornais. Caberá a eles assemelhar-se a esses chefes-diretores. Caberá a eles adotar essa linguagem, com um pano de fundo de golpes de marketing, de rentabilidade, de índices de audiência. Trata-se de um processo de perda da virgindade que o Centro de Formação de Jornalistas oferece a título de formação: “Como vocês são ingênuos!”, desabafa um professor. “A comunicação é uma indústria. Vende-se papel como se vendem legumes.” E trata-se de garantir que esses jovens percam seus pudores e pensem em suas carreiras: “Pediram-me que preparasse vocês para o dia em que serão responsáveis pelo orçamento de uma redação”, anuncia o ex-diretor do jornal La Tribune. “E é isso que lhes desejo, evidentemente.”

Qual é o papel do jornalista? Essa pergunta nunca é feita porque a questão não se coloca: o jornalista está ali para se adaptar à demanda do mercado. Qual é o papel do CFJ? Não perguntar já é responder: ele está ali para se adaptar às necessidades das empresas.

Aliás, os chefes se orgulham disso. Segundo eles, o Centro se faz adequado às “necessidades dos contratantes”, encontra “uma solução para a oferta e a demanda inadequadas”, sabe “responder às evoluções do mercado20”, “adapta o ensino, de forma permanente, às necessidades da profissão e da mídia21”, “estabelece uma relação com um ambiente-mídia em evolução constante22”, para “entregar os estudantes prontos para o batente23”, “polivalentes e preparados para assumir suas funções de imediato24”.


Uma escola voltada para o management
Durante as décadas de 80 e 90, esse economicismo impregnou, progressivamente, todos os cursos de formação de jornalistas. Mas isso é mais flagrante no CFJ, que foi mais longe e mais rápido em seu ajuste ao mercado. Uma reviravolta liberal que as circunstâncias históricas explicam.

Por ocasião de sua fundação, o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Jornalistas (Centre de formation et perfectionnement des journalistes – CFPJ25) era administrado de forma paritária – metade por sindicalistas e metade por patrões. Na primavera de 1998, deu entrada a um pedido de concordata que foi seguido por uma privatização de fato: um grupo de editoras – RMC, La Vie du Rail, Bayard Presse, France 2, France 3, Le Nouvel Observateur, Hachette etc. – decidiu se unir para “salvar” o CFPJ. Na época, os empresários já detinham um amplo controle da estrutura. Principalmente através da contratação, para suas equipes, de alunos recém-diplomados. A partir de então, passariam a decidir de forma direta, pois a TF 1, a Havas, a agência Capa, o Monde, o Midi libre.

Esse episódio da falência permitiu uma ruptura na trajetória do Centro: os guardiães do templo foram demitidos e os arquivos, eliminados. Assim, as tradições, bem como seus depositários, deixaram de frear a ascensão do dinheiro-rei. Essa reviravolta é perceptível na pedagogia, onde um know-how tecnicista eclipsou o conhecimento humanista; também no próprio local físico, onde a biblioteca foi apagada das paredes; e também na vertiginosa alta das matrículas, multiplicadas por 2,3 em cinco anos. E até no vocabulário: na entrada, a placa que mencionava a escola fala, agora, de “acesso à empresa”. A atual diretora do Centro proclama, sem esconder ambições de potentado: “Atualmente, estamos estudando como fazer para redirecionar a casa-mãe – que, entre nós, chamamos de holding – inteiramente para o management.” E avisa: “Desejamos, naturalmente, que a SA se torne enorme. Queremos uma coisa pesada, importante, queremos ser o número um.”

O comércio das palavras
Tal como num espelho de ampliação, descobre-se no CFJ um reflexo da mídia, de seus reflexos, de seus sacrifícios. Assim como os jornais cotados na Bolsa de Valores e as principais empresas dos grupos industriais, este estabelecimento de elite foi engolido pelo liberalismo reinante. Em suas salas, ensina-se um jornalismo vulgar, convencional e conveniente, sem riscos e sem revoltas, despido de esperança, porém lucrativo – e que esmaga as redações com seu peso.

“É terrível!”, reclama um aluno. “Nesta escola ninguém se sente relaxado.” Divertida, a responsável pelo primeiro ano replica: “E felizmente! Vocês não estão aqui para relaxar. Seria péssimo para vocês mesmos, se relaxassem. Porque mais tarde, quando vocês estiverem trabalhando nas empresas, então vocês terão que se conformar.” Um progresso louvável, esse: os jovens chegam às redações já se dando por vencidos. Eis aí uma forma de poupá-los de futuras ilusões, evitando a seus empregadores conflitos, rebeliões e baforadas de utopia. Eis que estão prontos para uma eternidade de matérias pagas, pois já renunciaram por antecipação. Eis que estão maduros para matérias com chamada de capa sobre o sexo no verão, o salário dos executivos, o mercado imobiliário, a lista dos melhores colégios, a classificação dos melhores vinhos franceses – eles que, mercadores de frases cínicas, conformados antes dos primeiros passos, passarão a viver do comércio das palavras.

(Trad.: Jô Amado)

* Jornalista, formado no CFJ, autor de Les Petits soldats du journalisme, a ser lançado em fevereiro pela editora Arènes, Paris.

1 - No Brasil, o decreto 83.284, de 13 de março de 1979 – a chamada “Lei Sarney” – tornou obrigatório o diploma para o exercício da profissão de jornalista.
2 - N.T.: A Celsa é a Faculdade de Ensino Superior das Ciências da Informação e da Comunicação, da Universidade de Paris IV – Sorbonne.
3 - Ler, de Dominique Marchetti, Contribution à une sociologie des évolutions du champ journalistique dans les années 80 et 90, tese apresentada na École des Hautes Etudes de Sciences Sociales em 1998, Paris, p. 198. Entre 1990 e 1998, a proporção de diplomados numa faculdade credenciada a entrarem para a profissão passou de 8,7% para 43,8% nas agências de notícias, de 10% para 31,8% nos grandes diários nacionais, de 40% para 57,1% nas rádios nacionais e, genericamente, de 16,2% para 39,8% nos restantes veículos jornalísticos. Ler também Devenir journaliste, ed. La documentation française, Paris, 2001.
4 - N.T.: A ENA (Escola Nacional de Administração) é considerada uma das quatro “grandes escolas” francesas.
5 - “Pour devenir journaliste”, L’Etudiant, p. 133.
6 - Ler, de Ana Helena Rossi, La professionnalisation des journalistes: les fondements rationnels et sociaux du journalisme, trabalho de tese apresentado na École des Hautes Etudes de Sciences Sociales, Paris, 1999, p. 162.
7 - Ler, de Dominique Marchetti, Contribution à une sociologie des évolutions du champ journalistique dans les années 80 et 90, p. 238.
8 - Fundador do diário Le Monde, em 1944. e do Monde diplomatique, em 1954.
9 - Ana Helena Rossi in La professionnalisation des journalistes: les fondements rationnels et sociaux du journalisme, p. 168.
10 - N.T.: LCI é um canal exclusivamente voltado para o noticiário, a exemplo da CNN norte-americana. É vinculado à emissora pública TF 1.
11 - N.T.: O I-télévision, como a LCI, é um canal por satélite, voltado para o noticiário. É vinculado ao Canal Plus.
12 - CJacques Le Bohec em Les mythes professionnels des journalistes, p. 308.
13 - N.T.: Equivalente, na França, ao programa “Big Brother”, no Brasil.
14 - N.T.: O PARE, criado durante o governo de Lionel Jospin (PS), é um plano governamental que tem por objetivo facilitar a volta ao emprego de trabalhadores desempregados. A cada seis meses, o trabalhador desempregado deve procurar uma agência de empregos do governo e relatar suas iniciativas e suas dificuldades em obter um novo posto de trabalho.
15 - N.T.: Unedic: União nacional das agências de desemprego.
16 - Cornelius Castoriadis, numa entrevista a Daniel Mermet para o programa “France Inter”, em novembro de 1996.
17 - N.T.: Prefeito de Paris, eleito pelo Partido Socialista.
18 - Combat, 19 de março de 2001, jornal diário publicado pelo CFJ durante o período das eleições municipais.
19 - Ler, de Jacques Bouveresse, Schmock ou le triomphe du journalisme, ed. Seuil, 2001, p. 118.
20 - CFJ, Notre Journal, nºs 53 e 54.
21 - Encarte publicado em Le Figaro, 5 de setembro de 2002.
22 - Ibid.
23 - Artigo de Jean-Marie Charon no jornal Imprimatur, do Instituto Universitário de Bordeaux, sobre o objetivo de todas as escolas de jornalismo, setembro de 2001.
24 - Guia L’Etudiant, “Pour devenir journalistes”, Paris, 1998, p. 118.
25 - Além da faculdade (CFJ), o CFPJ abrangia várias outras instâncias de aperfeiçoamento.

24 de fev. de 2003

Análise: O elo perdido da crise no Iraque
Paulo S. Wrobel*

Muito se tem escrito e debatido a respeito dos reais motivos que levam o governo Bush a uma empreitada imprevisível e arriscada no Iraque.

Acima de tudo, dois fatores se destacam: o petróleo e o trauma do 11 de setembro.

Há os que argumentam que o petróleo não é o principal fator na obsessão de Bush em se livrar de Saddam Hussein. Outros estão convencidos de que a iminente Segunda Guerra do Golfo é mais um exemplo de agressão imperial.

Parece óbvio que a trajetória pessoal do presidente Bush e de seus aliados mais próximos – a poderosíssima indústria do petróleo do Estado do Texas – reforça o argumento dos que enfatizam a importância do petróleo no cálculo estratégico americano. Este pode ser um fator muito relevante, mas certamente não é o principal.

Trauma

O segundo argumento diz respeito ao trauma do 11 de setembro. Esta hipótese parte do princípio de que o ataque a Nova York e Washington transformou radicalmente o cenário da política externa americana.

Assim, sob a influência de um time de assessores linha dura, os Estados Unidos procuram no Iraque o sucesso que não alcançaram no Afeganistão - a captura e destruição de um dos 'líderes do mal'.

Embora este argumento também seja relevante, sugiro que há um elo perdido não desvendado por estas duas linhas de raciocínio.

Tanto o petróleo como o trauma do 11 de setembro são, sem dúvida, parte integrante da obsessão de Washington.

Vingança

No entanto, acrescentaria ainda outros fatores plausíveis, como a necessidade de controlar o acesso às armas de destruição em massa, a vingança pessoal - Bush filho completaria o trabalho iniciado por Bush pai -, a frustração do sistema de inteligência e informação com o sucesso dos ataques fundamentalistas ao coração do poder, a aliança incondicional com Israel e o enfraquecimento do mundo árabe.

Todos estes são, sem dúvida, elementos que contribuem ao cálculo americano. Mas insisto que falta um elo perdido.

A este elo perdido denomino a mentalidade da grande corporação americana no poder. O que distingue os homens de Bush não é necessariamente o interesse da indústria petrolífera, mas a mentalidade da grande corporação.

Se lembramos da política econômica do governo republicano (do corte de impostos para os muito ricos ao objetivo último de desmantelamento da herança "rooseveltiana"), fica claro que estamos diante do governo mais pró-negócios da história americana recente.

O nó da questão

Também acredito que, em qualquer decisão importante de política externa, é preciso reconhecer a importância da formação dos assim chamados mapas mentais dos principais formuladores de políticas públicas - o que e como pensam, como articulam a sua visão de mundo, e de que maneira distinguem amigos e inimigos.

Aqui, a meu ver, reside o nó górdio da questão. A mentalidade da grande corporação penetrou, como nunca, os espaços mais decisivos de formulação da política pública americana.

Logo, o que predomina é a competição, o salve-se quem puder, o jogo de soma zero, a falta de moderação e compromisso. Enfim, o sucesso a qualquer preço.

Mais do que qualquer outra característica, é esta que modula a estratégia externa do atual governo republicano dos Estados Unidos.

Mercado

Por definição, o mundo da grande corporação é dominado pelas regras do mercado em estado puro, em que o cálculo estratégico é baseado apenas na otimização dos resultados e na destruição da concorrência.

Ademais, a grande corporação sabe identificar e respeitar o sucesso alheio, pois esta é a moeda de troca do mundo dos negócios.

Do ponto de vista dessa mentalidade, o 11 de setembro foi, indiscutivelmente, um grande sucesso, ao empregar a boa e velha tática militar da surpresa, causando o maior dano possível a um inimigo infinitamente mais poderoso.

Dentro do mesmo raciocínio, Saddam também é um sucesso, pois sobreviveu a uma derrota humilhante, 12 anos de estrangulamento econômico, 17 resoluções do Conselho de Segurança e oito anos de inspeções intrusivas.

Aqui, chegamos ao ponto crucial da hipótese. Ao identificar e reconhecer o sucesso do inimigo, o mapa mental da grande corporação exige a sua destruição, visto que não aceita a mediação nem o compromisso.

O único recurso que resta, então, é o das armas, o uso da força substituindo a aniquilação da concorrência.

O consolo, e a última chance de paz, é que, com exceções, parece que o resto do mundo ainda não se convenceu de que o recurso às armas é a única via possível.
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(*) Paulo S. Wrobel é analista de relações internacionais e ex-diretor do Programa Brasil no Diálogo Interamericano em Washington D.C.
Cotas para o racismo

Todos concordam que o negro foi alforriado para continuar serviçal. De que os séculos de opressão racial continuaram apóas a libertação de suas algemas pelo simples fato de que estas deixaram de ser materiais e passaram a ser não-palpáveis. Tudo pelo liberalismo.

Agora vemos a atual situação do negro na sociedade brasileira. Poucos, muitos poucos negros conseguem se libertar deste ranço histórico. A sua grande maioria continuar a sobreviver nas ruas e favelas e condenadas a ser pária de nossa sociedade tupiniquim.

Por isso que aplaudo as ações afirmativas como a da política de cotas para estudantes negros e pardos na UERJ. É a melhor forma de garantirmos o pleno exercício da democracia, de direitos universais e o, principalmente, de possuirmos uma rede de ensino capilarizada com todos os extratos sociais deste imenso país.

O quê digo não é apenas retórica é fato e amplamente reconhecido no mundo. O MIT, a Universidade de Stanford, junto com a IBM, com a DuPont, a Academia de Nacional de Ciências dos EUA, a Academia de Nacional de Engenharia dos EUA e o Conselho Nacional para Acões em pró das Minorias em Engenharia assinaram um acordo em solidariedade com a Universidade de Michigan que vem sendo processada pela sua política de cotas.

Pois bem, estes centros universitários com reconhecimento mundial declaram que os objetivos e missão institucional de uma universidade não podem ser focados apenas em critérios regulares como pontos de uma prova. Prosseguem dizendo que raça, origem e etnia, além de outras considerações, são, ás vezes, mais importantes para o corpo da universidade por proporcionarem um maior escopo social e cultural onde, individualmente todos ganhariam.

A bem da verdade, nossa elite estava acostumada a gastar no último ano secundário de seus filhos a ninharia de R$ 1500 por mês para garantir o ingresso nas faculdades públicas. São colégios como PH, Impacto que lucram com estes vestibulares. O engraçado é ver a defesa contra as cotas ser baseada na qualidade do ensino a ser ministrada nestas turmas de cotas. Como se o funil de entrada garantisse alguma coisa de bom. O indíce de abandono dos alunos em faculdades públicas é enorme, e muito se deve a filhos da elite que não dão a mínima nos cursos universitários.

Imaginem numa faculdade de comunicação os riquinhos da dourada zona sul carioca sentados e discutindo Bordieu, Thompson ou Adorno. Hoje as discussões são estéreis, estes herdeiros nada discutem e cagam solenemente para as aulas. Têm interesse em saber quando são as provas (afinal querem o diploma), mas não sobre a matéria. Sabem que de uma forma ou de outra conseguirão um emprego. Já, os alunos ingressos pelas cotas procurarão o conhecimento que lhes foi negado ou dificultado, perseguirão seus objetivos com mais vigor afinal lutaram para conseguir estas cotas e terão que lutar para provarem serem merecedores destas vagas.

E é esta a grande diferença que vejo no Brasil, uma parte acomodada e com medo, e outra parte querendo participar sem tirar nada de ninguém, mas pedindo um lugar ao sol.

O link para informação sobre esta matéria está aqui.

21 de fev. de 2003

Beth Carmona assume sob a égide de Luiz Gushiken


Eis o discurso de posse do Ministro hoje na TVE/REDEBRASIL

"Exma. Sra. Aspásia Camargo, presidente do Conselho de Administração da Acerp - Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto.

Exmo. Sr. Fernando Barbosa Lima, ex-presidente da Acerp,

Exma. Sra. Elysabeth Carmona, presidente da Acerp


Demais autoridades presentes, Funcionários da TVE Rede Brasil e das Rádios MEC

Senhoras e senhores,

Estar presente à posse da nova presidente da TVE e das rádios MEC é, para mim, motivo de satisfação especial, pela importância que uma instituição como esta tem na vida do País e pela importância que ela assumirá no atual governo.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem a dimensão exata do significado da palavra público e da palavra educação.



São duas áreas no País que sempre careceram, entre outras coisas, de atenção e até de respeito por parte dos governantes.

Então, vejam: esta é uma rede pública de televisão educativa. Se é pública, merece todo nosso respeito e atenção, se é educativa, , além disso, merece toda preocupação em torno dos profundos significados que este conceito contém.

E não é a minha presença aqui que dá o testemunho desse respeito e dessa atenção. O que dá o testemunho do respeito e da atenção que o novo governo brasileiro tem pelo público e pelo caráter educativo da TVE e das rádios MEC é a presença da Beth Carmona como a nova presidente desta casa.

Ela está aqui por causa de sua trajetória, de sua longa experiência dedicada à compreensão e, mais do que isto, à construção do que pode haver de melhor em uma televisão educativa.

A história de vida de Beth Carmona é uma prova incontestável de quanto representa, para nós do governo, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto.



Trazer Beth Carmona para esta Casa não foi uma tarefa fácil. Ela tinha outros compromissos, outros projetos.

Mas, aqui está, nos transmitindo confiança com seu jeito simples e eficiente, com sua competência e com seu entusiasmo.

O nome de Beth Carmona foi uma escolha pessoal do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O que o presidente quis com a escolha foi mostrar a importância de uma instituição sintonizada com o nosso projeto de mudança.

Beth Carmona e sua equipe, incluindo aí todos os funcionários da Acerp, têm o desafio de implantar aqui um modelo que reflita todo o significado histórico da transformação iniciada no Brasil.



Mudança que aponta para a construção de um novo País, um País cidadão.

Vamos caminhar para a montagem de uma grade de programação que reflita o total significado da palavra educação e cidadania.

Vamos reconstruir uma rede que reflita o real significado da palavra pública.

Por várias vezes a Beth Carmona disse que "televisão e Rádio se fazem em equipe”. Eu peço licença para completar a frase dela. Um governo também se faz em equipe. Mais do que isso, um País se faz em equipe.

Não é o trabalho de uma pessoa ou de um grupo de pessoas que vai construir esse novo Brasil. É o trabalho de todos nós.



Não por acidente, o nosso Presidente sempre tem reafirmado o quanto é importante a ação interministerial baseado no princípio da consulta participativa, como forma de potencializar nossas capacidades, as quais deixadas a sorte do puro voluntarismo individualista se tornam ineficientes.

E quero encerrar lembrando que, se esta é uma rede pública, ela existe para servir ao público, ao cidadão, à sociedade. E a forma mais elevada de servir é a busca pela excelência no trabalho que cada um de nós realiza.

Se um carpinteiro faz uma boa cadeira, quem usufrui dessa excelência do trabalho profissional é quem se assenta na cadeira.

Se um jornalista faz um excelente trabalho, quem usufrui desse bom trabalho é o cidadão que recebe a notícia em sua casa.



Eu acredito na TVE e sei que aqui existem muitas e muitas dificuldades. Para enfrentar estes desafios, conto com a reconhecida dedicação dos funcionários da TVE, que junto com os novos diretores saberão construir a nova TVE.

Quero afirmar que dificuldades não me atemorizam e acredito que nem à Beth e à sua equipe. Elas só mostram o tamanho dos nossos desafios, que enfrentados com espírito de servitude, haverá de beneficiar o povo brasileiro.

Muito obrigado"

Luiz Gushiken - Ministro Chefe da Secretaria de de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica

Leia mais sobre a nova diretora presidente da ACERP

19 de fev. de 2003

O fosso transatlântico de mídia
Paul Krugman

Tem havido muita especulação sobre por que a Europa e os Estados Unidos subitamente passaram a se estranhar. Mas não tenho visto discussão de um ponto óbvio: temos visões diferentes em parte porque vemos notícias diferentes. As enormes manifestações de sábado confirmaram pesquisas que mostram uma profunda desconfiança no governo Bush e ceticismo sobre a guerra contra o Iraque em todas as principais nações européias, qualquer que seja a posição do governo local.

Então por que os outros países não vêem o mundo como vemos? A cobertura jornalística é uma boa parte da resposta. As diferenças entre as formas de reportar notícias de europeus e americanos é uma demonstração disso. Pelo menos, se comparada com suas congêneres estrangeiras, a “mídia liberal” dos EUA é marcadamente conservadora — e neste caso, belicosa.

Não estou falando da mídia impressa. Há diferenças, mas os jornais mais importantes de EUA e Grã-Bretanha pelo menos parecem estar falando da mesma realidade. A maioria das pessoas, no entanto, recebe as notícias pela TV, e aí as diferenças são imensas. A cobertura das marchas de sábado foi um lembrete da extensão em que os canais por assinatura nos EUA parecem estar falando de um planeta diferente do retratado pela imprensa estrangeira.

O que alguém acompanhando as TVs por assinatura teria visto? No sábado, os âncoras da Fox descreveram os protestos em Nova York como as “manifestações de sempre”. A CNN, no dia seguinte de manhã, pôs como manchete no site da rede na internet: “Protestos antiguerra deleitam Iraque”, com fotos mostrando marchas em Bagdá, e não em Londres ou Nova York.

Por meses, as duas maiores TVs por assinatura dos EUA têm agido como se a decisão sobre a invasão do Iraque já tivesse sido tomada, e assumiram como tarefa preparar o público americano para a iminente guerra.

Por isso não é de surpreender-se que o público esteja meio confuso sobre a distinção entre o regime iraquiano e a rede terrorista al-Qaeda. Pesquisas mostram que a maioria dos americanos acha que alguns ou todos os seqüestradores de 11 de setembro eram iraquianos, enquanto muitos acreditam que Saddam Hussein esteve por trás dos atentados, algo que Bush nunca disse. E como muitos americanos acreditam que a necessidade de guerra contra o Iraque é óbvia, acham que os europeus que não concordam são covardes.

Os europeus, que não vêem as mesmas coisas na TV, estão muito mais inclinados a se perguntar por que o Iraque — e não a Coréia do Norte, ou a al-Qaeda — se tornou alvo americano. É por isso que tantos deles questionam os nossos motivos, suspeitando que é tudo por petróleo.

Há duas possíveis explicações. Uma é que a imprensa européia tenha um preconceito antiamericano que a leve a distorcer as notícias. A outra é que alguns órgãos da mídia americana — trabalhando num ambiente em que qualquer questionamento da política externa é tachado de impatriótico — assumiram como tarefa vender a guerra e não apresentar uma mistura de informações que poderia pôr em cheque sua justificativa.
PAUL KRUGMAN é colunista do New York Times

Publicado no O Globo em 19 de fevereiro de 2003
SE ACM FOSSE MULHER
Da Folha de SP / Gilberto Dimenstein (*)

Transformada em escândalo por causa da descoberta dos grampos telefônicos, a relação extraconjugal do senador Antônio Carlos Magalhães com sua ex-estagiária Adriana Barreto serve como um notável exemplo de desmandos na política - mas também
como a sociedade brasileira trata diferentemente homens de mulheres.

O que sobressai no caso ACM é a questão legal, ou seja, os grampos e o uso do poder político como arma de pressão e de chantagem. Pergunta: se o senador fosse mulher?

Se ele fosse mulher certamente iriam lembrar que ele é um homem casado, portanto cometeu adultério, apontado como prova
de indignidade. Lembrariam que a mulher dele tem câncer. Nas reportagens, quase não aparece que o senador é casado e é
tratado como normal o fato de ele viver quase como um bígamo; a relação era aceita sem problemas pelos amigos e até pelos
familiares de Adriana. Os pais chegaram a brigar com ela depois do rompimento da filha com ACM.

Imagine, então, a polêmica em torno do quesito idade. ACM tem idade, sem qualquer exagero, para ser avô de Adriana. Pouco
se fala da diferença da idade nas reportagens, o crime mesmo é o grampo. Por muito menos, a prefeita Marta Suplicy, que se separou do marido para assumir publicamente ( note-se, publicamente) apanhou muito mais.

Retirado do blog da Sueli.
A velha lei texana...



Roubado discaradamente de Chris Pacheco
Que coisa...

Fui postar da minha faculdade e meteu negrito em todos os posts.

Tô fu...
Armas para o terror

Recentemente li nos jornais que determinadas publicacoes cientificas sao censuradas devido seu conteudo poder ser usado para fins maleficos. Como exemplo falavam de um experimento onde se descobria como aumentar a letalidade de um microbio.

Porem, leio hoje que os EUA pretendem fabricar pequenas bombas atomicas para a detonacao de bunkers e pequenas cavernas onde os criminosos procurariam abrigos.

Agora imaginem estes artefatos em maos inescrupulosas, vai ser, literalmente, um arraso.

A logica capitalista e a de vender os bens produzidos, se algum Estado ou pessoa quisesse comprar esta arma, iria comprar. Estados como Israel, Gra-Bretanha e outros aliados. O problema e que a corrupcao existe e, certamente, outras pessoas conseguiriam meter a mao nessas armas.

Sem contar que a Teria da Conspiracao ja veria neste ato a vontade dos EUA de promover a limpeza que tanto pregam. Pequenas bombas explodindo pessoas, com nivel de radiacao baixa onde poucas seriam afetados.

O mundinho....

18 de fev. de 2003

O ônus da guerra

A Turquia levantou a bola e todos os Estados mundiais deveriam participar: de que os Estados Unidos pagasse pelos prejuízos da guerra que se avizinha. E a tese é facilmente explicada, pois se a desaceleração da economia norte-americana fere tantos mercados afora, e a guerra contra o Iraque nada mais fará do que piorar esta situação de penúria econômica. Então, nada mais justo do que os EUA pagar bilhões de dólares a todos os países do mundo para atenuar os tempos difíceis que virão.

14 de fev. de 2003

Falar o quê?

12 de fev. de 2003

Joemir Beting hoje no Globo, 12 de fevereiro de 2003

“Ainda nesta década, os gastos militares dos Estados Unidos serão maiores que os gastos militares do restante do mundo”

ARTURO VALENZUELA, da Georgetown University

Indústria do medo

Para que a eclosão dessa guerra de padrão isquemia cerebral transitória? Basta a atual decretação do “estado de guerra”, com direito a um “alarme laranja” de quatro horas, na tarde da última sexta-feira (eu estava lá, em Nova York), para justificar no Congresso, na imprensa e na cidadania a nova espichada do já paquidérmico orçamento militar dos Estados Unidos.

Yes , exatamente nesta semana de dentes, garras, barris e fuzis arreganhados, desembarca no Congresso americano o orçamento federal para 2004. No ventre dele, a pesada conta da rubrica Defesa Nacional, vulgo ervanário do Pentágono. Um aumento de “apenas” 4,4% para os gastos militares, agora recalibrados em US$ 390,4 bilhões no interior de um orçamento federal da ordem de US$ 2,231 trilhões.


***




Eis a questão. Joga-se com a recarga do Efeito Saddam para a reversão de uma tendência natural de redução dos gastos militares em todo o mundo, incluído o planeta China. A pax americana, pós-queda de muros, de pontes e de torres, vai consumir 3,4% do PIB projetado para o ano que vem.


***




A exposição de motivos do Pentágono joga com a teoria romana do “capacete do mundo” — agora que europeus e asiáticos, neste replay iraquiano, reafirmam a posição assim filosofada por Adoniran Barbosa: “Bom de briga é quem tira o corpo fora”. Vai daí que os auditores do Pentágono avisam que, ainda nesta década em valor corrente, a Defesa Nacional estará desfrutando de meio trilhão de dólares por ano.


***




Dá para encarar? Enquanto os Estados Unidos empenham 3,4% do PIB em gastos de guerra em tempo de paz, a União Européia contenta-se com a média ponderada de 1,8%, o Canadá nada além de 1,4% (sob o guarda-chuva do vizinho fanfarrão), o Japão sente-se seguro com 0,8%, a Rússia (o urso soviético que virou bode capitalista) baixou a crista de 14% para 1,7% e a China comunista... bem, é segredo de Estado. Afinal, qual é o PIB da China?


***




Esses dados relativos não valem um bodoque em matéria de guerra. O poder de fogo é medido em valores absolutos. A potência dissuasória do Pentágono em pessoal, pesquisa, logística, arma, munição e suporte, dentro e fora de casa, vai subir para R$ 390,4 bilhões em 2004 — com ou sem um novo piparote em Bagdá agora em 2003.


***




Sem entrar nos diferenciais de qualidade do gasto ou de eficiência da máquina, vale um grifo curioso: o aparato científico-tecnológico de aplicação militar ostensiva mobiliza mais de US$ 55 bilhões por ano e corresponde a US$ 28 mil por soldado — contra US$ 7 mil na Inglaterra ou na França.


***




No mais, são 1,4 milhão de homens e mulheres com crachá da Defesa Nacional. Dos quais, 285 mil estacionados em 727 instalações militares no exterior. Inclusive, Cuba.

SOBREMESA: Penada legiscrativa de novembro de 2001, fumaça densa ainda exalando das entranhas revolvidas do World Trade Center, estabelece que, em caso de eclosão de guerra real, relâmpago ou encrencada, os gastos adicionais podem trafegar por fora dos limites do orçamento militar em curso. Nesta bola da vez do Iraque, a coisa oscilaria de US$ 50 bilhões a US$ 170 bilhões.

OVERDOSE: Peritos militares sustentam que os Estados Unidos estão realmente empenhados em matar rato com tiro de canhão. Pelo tamanho, formato e conteúdo do arsenal já disponível em terra, no mar, no ar, no espaço sideral e no mundo virtual, bastaria um quinto dele para garantir a autopromoção de “fiscal do Universo”.

BIGBUSINESS: O problema é que a opinião pública americana sabe que o Pentágono garante 11 milhões de empregos diretos e indiretos e realiza o “espírito de fronteira” da nação na vanguarda chipada das conquistas científicas e tecnológicas também para uso civil.
Why do Europeans attack President Bush's line on war with Iraq?

They doubt Saddam is a danger 6.9%
They don't want Iraqis to die 2.1%
They fear war may spread 14.8%
They think war will hit efforts to beat terror 4.7%
They suspect Bush's motives 46.2%
They've forgotten the lesson of history 13.2%
They're jealous of America 12.2%
Proposta irrelevante
por Paul Krugman

É assim que funciona: confrontada por problemas reais (terrorismo, a economia, usinas nucleares na Coréia do Norte), a administração Bush reage de uma forma que não tem nada a ver com a solução desses problemas. Em vez disso, ela explora esses tópicos para impor a sua agenda política.

Apesar disso, os crédulos glorificam a sabedoria do nosso líder. Por várias razões, inclusive o desejo de evitar a acusação de uma tendência liberal, a maioria das reportagens é escrupulosamente cuidadosa. E o público, lendo apenas exaltações ou então discussões do tipo “ele-disse; ela-disse”, não consegue perceber a desconexão entre os problemas e a política.

E é essa a lógica que está por trás do plano de “estímulo” da administração.

Um plano sensível se apressaria a ajudar aqueles que estão há muito tempo desempregados. Também promoveria imediata ajuda, em grande escala, aos estados. Por outro lado, devido aos nossos problemas orçamentários, qualquer alívio nos impostos seria temporário.

Em vez de ajudar os necessitados, o plano de Bush é quase ridiculamente dirigido para os que estão muito, muito bem. Aqueles que têm ações atreladas ao plano de aposentadoria já possuem um alívio nos impostos; esta proposta, portanto, dá grandes descontos apenas aos investidores que têm muitas ações fora de seus planos de aposentadoria. Mais do que isso: mais da metade dos benefícios iria para pessoas que ganham mais de US$ 200 mil por ano; um quarto para os que recebem mais de US$ 1 milhão por ano.

Na prática, o plano de Bush isentaria muitas rendas — renda dos ricos — de todos os impostos. Sem dúvida, a versão final do plano de “estímulo” vai trazer algumas medidas genuínas para combater a recessão — uma verba para crianças aqui, um benefício para o desempregado ali — das quais a administração vai esperar uma gratidão imensa. Mas o eixo principal está obviamente apostando que a economia vai se recuperar por si própria e pretende usar a desculpa de um estímulo para promover novos cortes de impostos para os ricos.

Ideologia de lado, será que essas pessoas algum dia vão se dar conta de que seu trabalho consiste em resolver problemas e não apenas em usá-los?


PAUL KRUGMAN é colunista do “New York Times”
Como será...

Cenário 1: Os EUA invadem o Iraque com a ajuda de seus irmãos ingleses e australianos. Guerra fácil. Reconstrução nem tanto. Com quem ficará o ônus de reconstruir o Iraque? EUA, Inglaterra e Austrália? Ou com o mundo financeiro em NY?

Cenário 2: Os EUA invadem o Iraque com a ajuda de seus irmãos ingleses e australianos. A rejeição mundial é enorme. Bush se ressente com todos e diz que quem for contra é inimigo. Fechamento de fronteiras, proibição de importação de alguns países. Seria o começo de uma terceira guerra mundial? Ou seria o começo de uma nova comunidade mundial onde o peso dos EUA, internacionalmente, seria reduzido?

Cenário 3: Não há invasão do Iraque. Não...esta é impossível.

É como diz um amigo meu: "É o Bush de Blair". Sai de mim.
Dois Lados...

Bush e seus falcões dizem que a recusa de francos e germânicos em apoiar a guerra sem uma resolução da ONU é irrelevante pois, na comunidade européia, são apenas dois contra 16 (dezesseis).

O engraçado é que partindo desta lógica falconiana os EUA deveriam arrefecer os ânimos em atacar o Iraque pois no Conselho de Segurança da ONU é voto vencido (por enquanto) e no plenário da mesma casa perde de muito.
EUA vencendo Iraque

A Revista Time pôs uma enquete perguntando qual dos três países (Iraque, Coréia do norte e EUA) é mais perigoso para o mundo.

Resultado até agora:
North Korea 7.0 %
Iraq 8.3 %
The United States 84.8 %

Total Votes Cast: 383212

Passe lá e faça a tua parte e ajude os EUA a vencer mais essa

7 de fev. de 2003

Uma charge espanhola sobre a -provável- Guerra no Iraque

Aos Babacas de Plantão

Teresa Cruvinel, hoje: "O governo está sendo forçado a manter o receituário anterior mas não faz da estabilidade um fim em si, e sim o caminho para a mudança segura e a retomada do crescimento sustentável, sem inflação."

Mas, será que é tão difícil conseguir apoio destes pulhas?
Vai para a fritura já-já

Não bastou o fato do Furlan comentar que a Varig faria algo grande dias antes do anúncio da fusão (fato que pode ter dado dinheiro a alguns privilegiados das ações de valores), mas ao comentar a ajuda que veria do governo, com dinheiro, inclusive, do BNDES, fez questão de ressaltar que esta ajuda não seria como a ajuda de um hospital.

Vai comprar briga com o Lessa, e do jeito que o Presidente gosta do economista carioca, periga do Furlan ser a primeira fritada deste governo.
Deputado kuwaitiano compara regimes de Iraque e Israel
Rogério Simões, enviado especial ao Kuwait

A possibilidade de ver Saddam Hussein finalmente fora do poder no Iraque não fez com que os kuwaitianos esquecessem completamente outro grande problema da região: a questão palestina.

Entre os que fazem questão de lembrar o assunto e acusar os Estados Unidos de parcialidade, está o parlamentar Hassan Johar, que em julho tentará um terceiro mandato na Assembléia Nacional do Kuwait.

“Há muitas semelhanças entre o regime de Saddam Hussein e o governo de Israel”, disse Johar, em entrevista à BBC Brasil.

“Ambos ignoram resoluções das Nações Unidas, matam inocentes e ocupam terras estrangeiras.”

EUA “parciais”

Para Hassan Johar, a ocupação por Israel da Cisjordânia e da Faixa de Gaza desde 1967 - o que desrespeita resoluções da ONU - pode ser comparada à invasão do seu país pelas tropas iraquianas em 1990.

“Terras árabes estão sob ocupação, e têm estado por mais de meio século. As grandes potências, lideradas pelos Estados Unidos, olham para a área apenas com um olho, e isso tem irritado muita gente.”

O parlamentar acredita que, depois de uma eventual queda de Saddam Hussein, possivelmente por meio de uma ação militar, os Estados Unidos serão pressionados ainda mais a encontrar uma solução para o conflito entre israelenses e palestinos.

“Os Estados Unidos deveriam ter feito isso há muito tempo, logo depois do fim da União Soviética”, afirmou Hassan Johar.

“Em qualquer lugar do mundo onde houvesse uma ditadura, na África ou na antiga Iugoslávia, a ONU prestou uma grande contribuição. Por que isso não é aplicado ao nosso povo na Palestina?”

A necessidade de uma solução para o problema palestino seria ainda mais um motivo para a comunidade internacional ajudar a derrubar Saddam Hussein, na opinião do ex-ministro do Planejamento do Kuwait Sulaiman Mutawa.

“Nós gostaríamos de ver uma solução para o problema palestino. Mas, com Saddam no poder, se você lê os jornais o assunto não está nem na página 7”, diz.

Influência americana

Apesar das críticas à política de Washington em relação ao conflito israelense-palestino, o parlamentar Hassan Johar diz que é preciso aceitar a influência dos Estados Unidos.

“A influência americana na região, de uma década para cá, é um fato, gostemos ou não. Ela vem também com a globalização, em muitos aspectos.”

Atualmente há mais de 15 mil soldados americanos no Kuwait, que ocupam cerca de 25% do território do país para seus treinamentos.

No caso de uma guerra contra o Iraque, a fronteira kuwaitiana deverá ser a principal porta de entrada dos soldados em uma invasão por terra.

“Nenhum país soberano gosta de ter tropas estrangeiras em seu solo. Mas eu tenho que reconhecer que a presença americana ocorreu de acordo com a lei, de acordo com a nossa Constituição”, disse Johar.

O parlamentar não sabe exatamente quando os americanos sairão do país e admite que a queda de Saddam não levará a uma retirada imediata.

“Nós temos que esperar para ver a natureza do futuro regime que assumiria o Iraque, nós gostaríamos de um regime pluralista.”

“Esperamos que nosso país consiga viver em paz sem a presença de tropas estrangeiras, todo mundo quer isso.”

Extraído da BBC Brasil.

3 de fev. de 2003

Uma equação e várias incógnitas
José Luis Fiori

"A história se realiza de tal modo que o resultado final se desprende sempre dos conflitos entre um grande número de vontades individuais produzidas por uma grande quantidade de condições particulares de existência: um grupo infinito de paralelogramos de forças donde sai uma resultante, o acontecimento histórico"
Friedrich Engels, Carta a J. Bloch, 1890

Em momentos de ruptura ou inovação histórica, não é possível deduzir o futuro de um governo olhando apenas para sua composição ministerial. Seus nomes, suas trajetórias e suas militâncias são, sem dúvida alguma, muito importantes. Porém, são indicações insuficientes numa hora em que a decisão política é de mudar e de inventar, sobretudo em um governo que se propõe a operar de forma coesa em áreas tão diferentes como as da reforma agrária, alfabetização massiva, reestruturação urbana, combate à fome, crescimento econômico, integração sul-americana, reestruturação da infra-estrutura energética, reforma da previdência, e tantas outras já anunciadas. Neste contexto, as vontades e as vocações individuais acabam sendo redefinidas pela posição que cada um ocupa no projeto coletivo de governo, ou dentro dos três ou quatro blocos – os ‘paralelogramos de forças’ de que fala Engels – que disputam a direção hegemônica do projeto de mudança do governo Lula. O importante é que o resultado, o ‘acontecimento histórico’, o novo, nascerá da tensão que atravessa todos os blocos, e da correlação de poder que venha a se estabelecer nos próximos anos entre a vontade política de mudança e o peso da inércia das instituições; dos interesses consolidados, e da herança deixada pelos governos neoliberais da década de 90. Dependerá sobretudo da capacidade dos setores inovadores atuarem em conjunto e construírem uma nova hegemonia dentro do aparelho estatal,na sociedade e nos meios de comunicação de massa.

No governo Cardoso a situação era bem mais simples: havia uma só política que se impunha a todo o governo, e que era o princípio, o meio e a meta final do seu projeto. Talvez tenha sido Antonio Palocci quem melhor sintetizou a crítica do novo governo Lula à impotência e ao fracasso desta política econômica, além da urgência de mudança, quando disse que “o governo FHC difundiu, junto com parcelas da comunidade internacional, a ilusão de que o crescimento econômico e a redução da exclusão social seriam resultante natural do desenvolvimento’ dos mercados[...]Como resultado,estamos recebendo um país que não conseguiu avançar na separação da velha dicotomia entre economia e sociedade,e em que as políticas sociais aparecem como adereços e apêndices do esforço de controlar a economia [...] (Um país onde) o planejamento atingiu um nível de esvaziamento brutal e o estado brasileiro entrou num prolongado ‘apagão’. Mudar o eixo dessa equação historicamente adversa ao nosso povo, representa o maior desafio do governo Lula” (FSP. 28/12/2002)

Nunca é demais relembrar a realidade de que fala Palocci, porque para uma parte da imprensa é como se o Brasil e a América Latina estivessem em ‘estado de graça’ e houvessem vivido um grande sucesso durante a década de 90, a ser preservado cuidadosamente pelos novos governantes.

Ao contrário disto, foi uma década em que a média de crescimento do continente ficou em menos de 3%, quando havia sido de 5,5% anuais durante os 30 anos de seu ‘malfadado’ desenvolvimentismo. No caso brasileiro, estas cifras são ainda mais contrastantes, porque a média anual de crescimento, entre 1945 e 1980, ficou entre 7% e 8%,sendo de apenas 3% durante a chamada década neoliberal. Olhando do ponto de vista de cada brasileiro,o seu pedaço no produto interno bruto cresceu 6% na década de 1970, 0,96% na década de 80 e algo em torno a 0,60% entre 1990 e 1998, enquanto seu emprego declinava 0,3% ao ano.

No início do novo século, o quadro latino americano deteriorou-se ainda mais com a destruição da economia Argentina e a desintegração social e territorial da Colômbia.A taxa de crescimento no território caiu para 1,2% em 2001,e 0,7% em 2002 (1,1%¨negativos se forem incluídos os dados sobre a economia argentina). Em quase todo o período as taxas de juro foram sistematicamente superiores às taxas de inflação e crescimento, tanto nos tempos de crise como nos anos de bonança financeira, independentes do tamanho da receita ou dos superávits primários que fossem obtidos. Portanto, o que Palocci mostra em seu discurso de entrega do relatório Final da Transição, é que “deixemos de ilusões porque os últimos oito anos foram muito ruins, e o governo Lula foi eleito para mudar o que comprovadamente não deu certo”.

Mas como mudar este modelo e por onde começar? Eis aí duas questões nada triviais, nem consensuais.De partida, parece pouco sensato supor que possa haver uma política macroeconômica que sirva para um ou dois anos, e que depois possa e deva ser substituída, na visão caricatural veiculada pela imprensa, pelos famosos planos A e B. Não há dúvidas que a política econômica do governo anterior foi mantida,como forma de evitar a ‘crise anunciada’ para o início do governo Lula e como uma postura defensiva de quem teme uma retaliação imediata dos ‘mercados’ ou agentes financeiros. Mas, sobretudo, sua manutenção se deve a uma herança financeira e cambial que pende como uma guilhotina, num contexto institucional de abertura e desregulamentação dos mercados, deixando o governo numa posição de extrema fragilidade. Neste sentido pode-se afirmar que houve uma vitória inicial das tais ‘forças dos mercados’, no jogo de braço com o projeto de mudança no governo Lula, mas, ainda assim, existe uma diferença como o governo anterior que via na sua política macroeconômica a própria essência do seu projeto de sociedade e de economia para o Brasil: o aprofundamento dos mercados, acompanhado de políticas sociais compensatórias e focalizadas.Enquanto o novo governo tem dito, com insistência, que se propõe a mudar o modelo socioeconômico do país, e não apenas fazer políticas compensatórias ou pequenas mudanças de fachada.

O fundamental é a vontade política de mudar e a capacidade de manter esta decisão permanentemente, a despeito de toda e qualquer flutuação tática.O governo tem que se mover com a cautela de quem desarma uma bomba, mas ao mesmo tempo é fundamental que esteja decidido a desarmá-la, e que passe para todos os agentes econômicos sua convicção, sua decisão e sua certeza do sucesso das mudanças que implementará em todas as áreas estratégicas anunciadas e também no campo macroeconômico.Uma posição ativa e não apenas de espera, descartando qualquer postura de observação para ver se tudo pode melhorar, num clima de credibilidade maior do que da era Cardoso-Malan.Isto certamente não está em questão depois de oito anos de experimentação, como disse Palocci.O que está posto agora como problema central é como se pode e deve-se alterar a rota sem causar reações desfavoráveis, o que supõe aptidão do governo em formular com clareza os objetivos e os passos a serem dados, além de uma grande capacidade de avaliar cenários alternativos e prever as reações dos principais atores envolvidos.Muitos podem ser os caminhos escolhidos ou priorizados.

Contudo, não se deve descartar as conseqüências de acontecimentos externos que independam da vontade governamental. Por exemplo, a hipótese de um cenário exaustivamente comentado, que é o de uma nova guerra no Iraque. Se ela for prolongada e ainda se somar à crise na Venezuela, é bastante provável que o preço do petróleo chegue ou ultrapasse os 60 dólares o barril, e que o Brasil enfrente uma ‘ressaca’ financeira. Não há como escapar desses efeitos num mundo em que as finanças se globalizaram. Tampouco é possível, neste contexto globalizado, fingir-se de morto.

E se este cenário externo se confirmar, o que fará o governo e em que momento?Depois que a crise já estiver avançada? Esperará para saber a duração da guerra, ou se antecipará a seus efeitos? Que decisões tomar? Em que áreas serão necessários controles e regulações? Isto vale apenas como um exemplo, mas todas estas questões são permanentes e estratégicas, não tem a ver apenas com a gestão macro-econômica, tem a ver com o desenvolvimento de longo prazo, e por isto requerem a reconstrução da capacidade de planejamento do estado brasileiro, destruída durante a década de 90. Porque mesmo que a guerra não ocorra, é possível fazer mudanças, sobretudo em momentos de grande força política e ela pode começar, por exemplo, por uma nova política de gastos e investimentos dos bancos e empresas estatais, sobretudo no campo da infra-estrutura e dos setores ligados aos ‘objetivos sociais’ do governo. Como também podem passar pela construção de variados pactos sociais, onde lentamente se refaçam as correlações de poder escondidas por detrás de cada índice e de cada decisão no campo da política econômica, e sobretudo de caminhos mais discretos e distantes em relação aos bancos centrais.
O mais provável, entretanto, é que a grande pressão ‘mudancista’ surja a partir do novo objetivo estratégico definido pelo novo governo, para o país e para todas as políticas de estado: de imediato o combate à fome, e no médio prazo, a construção no Brasil de uma democracia e de um estado social. Por tudo o que tem sido dito pelo governo, não se trata de mais uma operação filantrópica, nem de uma nova e ‘mega-comunidade-solidária’. Trata-se de subordinar toda a estratégia de desenvolvimento nacional ao atendimento das necessidades e dos direitos fundamentais da população. Neste caso, como disse o presidente Lula, “a erradicação da fome exigirá transformações estruturais, a criação de empregos dignos, maiores e melhores investimentos, aumento substancial da poupança interna, expansão dos mercados no país e no exterior, saúde e educação de qualidade, desenvolvimento cultural, científico e tecnológico” (O Globo, 27/01/2003). Em síntese, uma mudança completa do modelo de desenvolvimento brasileiro, já que a ‘inclusão social’ passaria a ser o verdadeiro motor e o norte das próprias transformações e ampliações na capacidade produtiva do país. Uma concepção de desenvolvimento, de planejamento e de nação completamente distinta da cartilha neoliberal, e também do antigo nacional-desenvolvimento.

Esta nova estratégia nacional de desenvolvimento é impossível sem uma redefinição da posição mundial do Brasil, uma nova correlação de forças e uma nova política de proteção dos interesses nacionais. É o complemento indispensável da decisão de mudar, que supõe o aumento da margem de manobra internacional do país, e da capacidade de intervenção interna do governo brasileiro. Enterra-se de vez o servilismo ingênuo dos neoliberais, e o alinhamento automático com os Estados Unidos que caracterizaram a política externa brasileira durante a o período da Guerra Fria. Em seu lugar estaria se colocando um projeto de poder internacional que é ao mesmo tempo nacionalista e partidário da cooperação e da solidariedade. Pode soar poética a frase do novo presidente brasileiro, mas se for transformada em realidade será uma revolução na história americana: “o Brasil tem de ser como um botão de rosa: desabrochar de uma vez por todas, assumir sua grandeza e dar contribuição que tem de dar à América do Sul e ao mundo”. Se isto acontecer,um homem do povo terá feito o que as elites brasileiras nunca conseguiram, em 180 anos de história: dizer ao mundo a que veio o Brasil.
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No GLobo o noticiário sobre o aumento da gasolina, onde a conta é cobrada do Governo do PT. Ora, este aumento foi empurrado por FH para janeiro de 2003. As notícias sobre os ministros e conselheiros da Petrobrás foi lançado por conhecedores do caso aos jornalistas da vênus platinada.

Vão manipular até o c... fazer bico
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Metade da Previdência é de aposentados. Como mexer neste vespeiro? Sinceramente, trabalhar com este contigente é difícil para qualquer um. É mexer com aqueles que mais necessitam de ajuda (claro que há casos em que os aposentados tem a idade de jovens, mas são poucos), os velhos em algumas sociedades sempre foram relegados aos asilos. Não podemos nos esquecer de que uma velhice com dignidade é a única coisa que podemos oferecer aos nosso pais, pois eles são os velhos de amanhã
A luta pelo pós-Saddam Hussein
Duas correntes discutem o futuro político do Iraque após a queda de Saddam Hussein: uma delas, a dos “pombos”, é a do Departamento de Estado e da CIA; a outra, dos “falcões”, é a do vice-presidente norte-americano e dos militares


Isam Al-Khafaji*

“A mãe de todos os grupos de trabalho”: é esse o nome irônico que foi dado à reunião de 32 opositores iraquianos em Wilton Park. Assim que chegaram, receberam um pequeno livreto com um breve histórico daquela mansão no campo onde seriam discutidos os grandes princípios destinados a orientar a era pós-Saddam. É difícil não perceber algo de simbólico na escolha do lugar: Wilton Park abrigou os alemães e ingleses encarregados de definir a transição democrática na Alemanha pós-nazista. Os cínicos salientariam, sem dúvida, que os primeiros alemães que participaram dessas discussões em Wilton Park foram os prisioneiros de guerra encarcerados na Grã-Bretanha...

Oficialmente, “a mãe de todos os grupos de trabalho” chama-se Grupo de Trabalho dos Princípios Democráticos e representa um dos 18 grupos de políticos e especialistas iraquianos que se reúnem sob os auspícios do Departamento de Estado norte-americano com o objetivo de formular as perspectivas de futuro, nas respectivas áreas, para um Iraque pós-Saddam: estrutura do governo de transição, questões do petróleo e da economia, papel dos meios de comunicação e das organizações da sociedade civil.

“Pombos” e “falcões”
Pondo de lado os aspectos técnicos dos assuntos examinados – e apesar das tranqüilizadoras entrevistas coletivas sobre as relações civilizadas entre iraquianos de origem e convicções tão distintas – o simples fato de organizar esses encontros traduz de forma clara os dilemas que enfrenta o governo norte-americano no Iraque. Prova disso são as acaloradas discussões entre o Departamento de Estado e a CIA, de um lado, e o vice-presidente e os neoconservadores do Pentágono e do Congresso, de outro.

Isolados, mergulhados num silêncio absoluto, observam-se um assessor especial de Paul Wolfowitz, subsecretário da Defesa, e um funcionário graduado do gabinete do vice-presidente, Richard Cheney. Seria a missão deles espionar seus superiores... ou seus adversários do Departamento de Estado? Pergunta difícil de responder. É claro que os dois pontos de vista que se chocam no governo norte-americano referem-se exclusivamente ao perfil dos dirigentes e do sistema político a ser implantado no Iraque da era pós-Saddam e aos meios a serem utilizados para impor a ordem. Mas representam uma importância capital para o futuro da estratégia norte-americana no Oriente Médio. Embora seja antiga, essa rivalidade foi institucionalizada sob a atual presidência. O Departamento de Estado e a CIA adotam uma posição realista (“pombos”) visando à mudança do regime no Iraque mais como a conclusão do retorno a uma estabilidade regional perturbada pelo presidente Saddam Hussein. No outro extremo, o Pentágono, apoiado por grupos influentes no Congresso, pelo vice-presidente e pelo Conselho de Segurança Nacional, adota uma posição ideológica (“falcões”): a mudança deverá assinalar o início de uma “onda democrática” com o objetivo de transformar o Iraque em ponta-de-lança da democratização da região, transformando-o num oásis liberal e pró-americano.





Os perigos de uma revolta popular
As origens dessa rivalidade datam de meados da década de 80, quando um setor influente dos governos Reagan e Bush pai, apoiado por um exército de “pesquisadores”, propagandistas, empresários e políticos, fez consideráveis esforços e gastou bastante dinheiro para levar ditaduras nacionalistas – em particular a de Saddam Hussein – a se aliarem estreitamente aos Estados Unidos para combater o fundamentalismo e garantir o abastecimento permanente de petróleo ao Ocidente1.

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Esse raciocínio permaneceria vigente após o final da guerra Irã-Iraque (1988), inclusive quando o presidente Saddam Hussein passou a ameaçar de forma direta os interesses norte-americanos. Até persistiria após a guerra do Golfo, a derrota do Iraque e a revolta popular provocada, na primavera de 1991, pelo apelo de Bush pai ao povo iraquiano para que “tomasse o futuro em suas mãos”. Os ex-defensores de uma aliança com Bagdá ainda teriam um papel-chave: conseguiram convencer o governo a não só não apoiar essa Intifada, mas – num momento em que as tropas aliadas ocupavam uma sexta parte do país – ficar em posição de observador enquanto as tropas do presidente Saddam Hussein esmagavam a revolta, provocando, pelo menos, 60 mil mortes. Na opinião desses assessores, uma revolta popular poderia acabar levando a conseqüências indesejáveis: os interesses norte-americanos seriam mais bem protegidos por meio de uma mudança limitada, com a eliminação do ditador e de seu círculo mais próximo, mas mantendo, na prática,o regime.

As divergências internas
Durante a última década, cada um desses pontos de vista encontrou receptividade por parte de sócios iraquianos. Os “realistas” apostam na Aliança Nacional Iraquiana (Iraqi National Accord – INA), composta por ex-membros do Partido Ba’ath, que propõem um golpe de Estado restrito; os ideólogos neoconservadores optaram pelo Congresso Nacional Iraquiano (Iraqi National Congress – INC), uma organização que propaga abertamente sua inspiração liberal e pró-ocidental. Esses movimentos, assim como outras facções menos importantes e alguns membros da oposição, não são, evidentemente, meros agentes da vontade norte-americana. A composição de cada organização reflete, em grande parte, as profundas mudanças implantadas na sociedade pelo regime ba’atista.

O INC, por exemplo, é composto principalmente por pessoas que devem sua ascensão social, econômica e/ou política aos regimes pré-republicanos (a queda da monarquia deu-se em 1958), enquanto a direção da INA provém da camada que se consolidou durante os regimes republicanos, em especial o do Partido Ba’ath. Se as primeiras nada têm em comum com a atual elite no poder, as pessoas que militam na INA afastaram-se do Partido Ba’ath, mas ainda partilham, em grande parte, do estado de espírito e dos métodos daqueles a quem devem sua ascensão.

Trinta anos de doutrinação
O futuro do Iraque irá depender da maneira pela qual o regime do presidente Saddam Hussein sair de cena. Uma série de ataques devastadores contra a infra-estrutura e a população civil do país teria como efeito, por exemplo, fornecer à propaganda ba’atista o ensejo de mostrar que os Estados Unidos tomam como alvo o povo iraquiano e a Saddam Hussein a oportunidade de se apresentar como defensor da nação? Ou, ao contrário, daria ao ditador a impressão de se agarrar ao poder a qualquer custo? E se a bala de um general der o tiro de misericórdia no regime, ou se este sucumbir a uma revolta popular? A resposta a essas perguntas irá depender da euforia ou do abatimento dos iraquianos comuns, de sua confiança no novo regime e, portanto, de sua opção por fazerem eles próprios justiça nas ruas ou, ao contrário, confiarem essa tarefa aos novos dirigentes.

Mas como poderá um governo de transição impor sua vontade à população? Nada sugere que a lealdade das forças armadas para com um novo regime seja garantida por antecipação. Mais de 30 anos de doutrinação e de isolamento do mundo exterior tornarão muito difícil a comunicação entre um novo governo e os militares. O súbito colapso do regime de terror irá oferecer uma oportunidade para as pessoas se descontraírem sem medo de represálias. Ainda mais inquietante é a existência de enormes redes de tribos, clãs e interesses que alimentarão permanentemente o receio de um golpe de Estado2.

O modelo do Japão pós-1945
Os membros da oposição iraquiana que defendem, com o beneplácito do Departamento de Estado, um “cenário leve”, partem do que consideram “normas culturais e estruturas existentes”. Em vista da história turbulenta do país, do contexto regional e da pesada herança ba’atista, uma transformação democrática significaria um luxo. Prioriza-se, portanto, a estabilidade, com um retorno mínimo à normalidade: à primeira vista, este cenário reduziria ao mínimo a ingerência estrangeira, relembrando, dessa forma, a política colonial britânica da década de 20. Isto porque se trataria de dar muito mais poder aos grandes chefes tribais nos assuntos internos, assim como, para contribuir para a manutenção da ordem no Sul, de convocar as milícias de oposição islâmica xiitas, sob a direção da Assembléia Suprema da Revolução Islâmica no Iraque, fundada e dirigida pelo aiatolá Mohammad-Baqer Hakim. Paralelamente, sob o pretexto de preservar a estabilidade, as principais estruturas do regime ba’atista e muitos de seus dirigentes seriam mantidos em seu lugar.

O INC, por seu lado, parte do princípio de que o sistema ba’atista pertence à família dos regimes nazistas. Seria necessário, portanto, começar por “desba’atizá-lo” e desmantelar as infra-estruturas do regime. Daí decorre a necessidade de um considerável apoio material dos Estados Unidos, que teriam, conseqüentemente, que permanecer no Iraque por um período provisório relativamente longo para manter a ordem e reestruturar as instituições. Uma milícia composta por exilados constituiria o núcleo das futuras forças armadas. Em resumo, seria o caso de tomar como modelo o Japão do pós-1945 e sua transformação num Estado democrático. Esse cenário dos “falcões” contém, no entanto, uma importante contradição entre fins e meios.

Contradição entre os fins e os meios
O projeto de transformar o Iraque no Japão do Oriente Médio, pacifista e democrático, se insere numa estratégia visando a triplicar as exportações de petróleo do país, que passariam de 2,3 milhões de barris por dia para cerca de 10 milhões. Mas esse objetivo grandioso não parece nem um pouco compatível com a pacificação e democratização do país: aumentar a receita do petróleo significaria alimentar as raízes da tirania. Por outro lado, triplicar a produção provocaria o colapso dos preços e poria em perigo os interesses de todos os outros países exportadores de petróleo. Ora, o Iraque é o único país da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) que não dispõe de acesso marítimo livre – os próprios portos do Golfo estão ao alcance da artilharia iraniana. Países como o Irã e a Arábia Saudita não se conformariam serenamente com uma mudança que os ameaçaria de falência. Portanto, um cenário desses incentivaria Bagdá a se militarizar e contar com uma considerável presença norte-americana. Em ambos os casos, os lucros previstos com o triplicar das exportações de petróleo (hipotéticos, aliás, considerando-se o provável colapso dos preços) seriam dilapidados em despesas militares e importações.

A experiência histórica demonstra que as estruturas da sociedade seguem seu próprio cenário de transformação. Um poder interno – ou externo – terá uma tarefa difícil pela frente se tentar impor um programa político sob o pretexto de modernização ou de respeito pelas culturas tradicionais, pois, em última instância, será a lógica interna que triunfará, vingando-se daqueles que a terão querido violentar. Milícias armadas, que não seriam o desejo de importantes parcelas da população e não seriam compreendidas como garantias de uma função legítima, teriam a tendência de usurpar o poder, difundir o terror e reforçar o domínio pela força de seus mandantes – ao invés de se tornarem o núcleo de um futuro exército. Num país sem estruturas legais e sem tradição de representação, essas milícias só poderiam vir a fraudar o processo eleitoral, objetivo de tantas esperanças, e seriam difíceis de integrar ao corpo político da nação.

Clientelismo do Estado benfeitor
Somente uma recomposição das forças militares e policiais teria a capacidade de impor a autoridade do Estado e a ordem pública. Mas dificilmente isso viria a ocorrer na seqüência imediata da queda da ditadura. A reabilitação de um aparelho militar decomposto e aniquilado representaria problemas, assim como sua transformação de uma força politizada e de opressão numa instituição nacional reconhecida pelo povo como garantia legítima da ordem pública e da segurança nacional.

O exército e a polícia poderiam ganhar um certo respeito valorizando sua marginalização e humilhação sob o regime ba’atista. Após o final da guerra com o Irã, os privilégios que eram maciçamente concedidos aos oficiais de carreira começaram a desaparecer e generais com uma folha de serviços impecável foram rebaixados ou punidos. Seja como for, para poder cumprir seu dever, as forças armadas oficiais deverão ser reconhecidas como instituições de um Estado legítimo.

Ora, no Iraque contemporâneo, a legitimidade raramente teve por origem uma Constituição democraticamente aprovada. Decorreu quase sempre do clientelismo do Estado, da capacidade deste último aparecer aos olhos de parcelas importantes da população como um benfeitor.

A classe média devastada
Um primeiro passo para a legitimação de um regime pós-Saddam seria o reconhecimento pelo mundo exterior e a aceitação do Iraque entre as organizações internacionais. Mas isso não bastará para que a sociedade reconheça o regime: será necessário construir um delicado equilíbrio entre, por um lado, pessoas representativas da população – cujas qualidades morais e políticas lhes permitam impor o respeito e a confiança – e, por outro lado, dirigentes capazes de conseguirem a adesão do exército e da polícia. E essa tarefa não será fácil, pois num momento de abalo revolucionário o povo cria grandes expectativas. Quanto mais uma pessoa ou uma entidade se distanciar do finado regime, maior será o seu crédito junto à população. No entanto, por definição, as autoridades que souberem adotar esse “distanciamento” nem sempre serão aquelas que melhor conhecem a engrenagem do Estado. Em sua maioria, ignoram totalmente os mecanismos que constituem as alavancas do poder.

Na ausência de uma revolução plena e total que faça surgir suas próprias instituições e seus próprios dirigentes, a queda do regime acarretará um interregno conflituoso. Se parece possível a explosão de uma revolta espontânea, imediatamente após – ou mesmo antes – de um ataque militar contra o Iraque, a fragmentação e o empobrecimento da cultura política tornam, por seu lado, praticamente impossível um desfecho realmente revolucionário. Mais de uma década de sanções destruidoras e três décadas de um regime tirânico fizeram uma devastação entre as camadas instruídas – as chamadas classes médias –, das quais poderiam emergir lideranças novas e esclarecidas. Após esse longo período de um sofrimento indescritível para milhões de iraquianos, ninguém se deverá surpreender se alguns desses velhos açougueiros se transformarem, subitamente, em paladinos das idéias da moda, arautos do liberalismo, do livre câmbio e do pró-americanismo.

(Trad.: Jô Amado)
* Pesquisador e professor na Universidade de Amsterdã

1 - Ler Alain Gresh, “Objetivo, Bagdá”, Le Monde diplomatique, setembro de 2002.
2 - Ler, de Faleh A. Jabar, “Os segredos da sobrevivência do regime iraquiano”, Le Monde diplomatique, outubro de 2002.

Extraído do LMD Brasil, link aqui.
Perseu Abramo, leitura obrigatória

O recente livro lançado pela Fundação Perseu Abramo de seu patrono sobre a manipulação na grande imprensa é obrigatório em qualquer curso de comunicação do mundo. O saber de que a atividade jornalística somente pode ser entendida e analisada como categoria poítica, como instrumentodepropagação ideológica de grupos, setores e classes sociais não é bem assimilado por todos os profissionais de mídia. Mas é a mais pura verdade.

Leiam o discurso de Abramo na formatura de uma turma da PUC/SP no ano de 1995:
"O maior desafio desta nossa profissão nos dias de hoje é a distância entre a técnica e a ética. Cada vez mais, avançam as novas tecnologias, a informática, a telemática, a transmissão por satélites, ondas hertzianas, fibras óticas, 'estradas eletrônicas', infovias, telefone celular, fax, computador, modem, a internet e outras redes. E, cada vez mais, o poder político e econômico dos grandes impérios empresariais e multinacionais da comunicação se concentra em um número cada vez menor de poucas mãos [...] Por isso, peço aos meus colegas jornalistas que hoje se formam licença para alguns lembretes. Não se deixem deslumbrar pelas técnicas e pelas novas tecnologias. Elas de nada valem, se não forem utilizadas com profundo sentido ético e com a visão clara de que a imensa maioria da sociedade, em todos os países,ainda luta para libertar-se da exploração,da opressão,da desigualdade e da injustiça."

Faz falta este pensador, tanto na vida quanto nas salas de aula.

1 de fev. de 2003

"A história se realiza de tal modo que o resultado final se desprende sempre dos conflitos entre um grande número de vontades individuais produzidas por uma grande quantidade de condições particulares de existência: um grupo infinito de paralelogramos de forças donde sai uma resultante, o acontecimento histórico"
Friedrich Engels, Carta a J. Bloch, 1890

Recebi o texto que Fiori publicará na próxima Carta Capital e fico feliz por não estar maluco sozinho. Muito me agrediram por ser governista, por defender este governo que se incipia neste imenso país. Muito agredi por não entender como as pessoas que tanto lutaram por um novo país, fossem capaz de não ceder um milimésimo de suas convicções em prol deste esboço de projeto para nossa nação.

Não se faz um país só com vontades, apesar que esta é o Norte de nossa política. Têm que ter a vontade de mudar, mas mudar com coerência, com zelo, afinal o MUDAR significa o novo. E o novo é vontade política de mudar, como bem disse Palocci a bancada do PT, o orçamento é o mesmo, a rigidez fiscal será a mesma, a diferença é que os recursos para ação social não serão apêndices ou adereços do esforço de controlar a economia.

Ao falar sobre as taxas de juros na história da América Latina Fiori assim escreve: "Em quase todo o período as taxas de juro foram sistematicamente superiores às taxas de inflação e crescimento, tanto nos tempos de crise como nos anos de bonança financeira, independentes do tamanho da receita ou dos superávits primários que fossem obtidos. Portanto, o que Palocci mostra em seu discurso de entrega do relatório Final da Transição, é que ''deixemos de ilusões porque os últimos oito anos foram muito ruins, e o governo Lula foi eleito para mudar o que comprovadamente não deu certo". "

Já perto do final, explica o novo modelo como uma concepção de desenvolvimento, de planejamento e de nação completamente distinta da cartiha neoliberal, e também do antigo nacional-desenvolvimento.

Amém Fiori, amém.

Depois publico o texto na íntegra.