10 de jul. de 2002

Recebi este e-mail de um amigo. É de bastante valia para os dias de hoje e foi publicado na revista DINHEIRO.
JOSEPH STIGLITZ
"NÃO EXISTE RISCO LULA"
Prêmio Nobel de Economia diz que o PT não representa perigo algum e que o Brasil está pagando um preço alto por ter se exposto demais ao mercado internacional.
O professor Joseph Stiglitz, principal estrela da Universidade de Columbia, está há duas semanas em plena Costa Brava espanhola, desfrutando o verão e tirando suas primeiras férias após receber o Prêmio Nobel de Economia.
Stiglitz viajou disposto a não ser incomodado por ninguém. Na casa onde está, na paradisíaca Cadaqués, duas horas ao norte de Barcelona, sequer há um telefone fixo e ele usa apenas um celular, que passa a maior parte do
tempo desligado. Mas Stiglitz abriu uma exceção para falar à DINHEIRO sobre o Brasil. O vencedor do Nobel está incomodado com a nova crise financeira que atingiu o País e diz, sem qualquer receio, que uma possível vitória
de Lula nas eleições presidenciais não representa risco nenhum para a economia brasileira. "No longo prazo, a democracia sempre traz melhores resultados do que as políticas ditadas pelo FMI e por investidores como George
Soros", disse. Stiglitz acaba de publicar um novo livro - Globalization and its discontents - e é uma espécie de guru dos movimentos que contestam a globalização. Há três anos ele renunciou ao posto de economista-chefe
do Banco Mundial, porque suas críticas sobre o sistema financeiro internacional não eram ouvidas. Perdeu o emprego, mas ganhou prestígio.
Depois veio a consagração com o Nobel, em razão de estudos sobre o uso das informações pelos agentes econômicos. Por telefone, Stiglitz falou durante uma hora à DINHEIRO. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

DINHEIRO - Como o sr. vê a situação brasileira, em que uma nova crise financeira ameaça o País supostamente em razão das eleições?
Joseph STIGLITZ - Há uma lição importante que o Brasil deve aprender. Países altamente endividados em relação ao exterior perdem um certo grau de autonomia política. Esses países dão votos a pessoas de fora do país, que usam esses mesmos votos para tentar ditar uma política econômica de acordo
com seus próprios interesses. Isso aconteceu com a Argentina e pode acontecer com qualquer país que se torne muito dependente do exterior. Portanto, tomem cuidado. Esses eleitores de fora mudam de opinião muito rápido e são capazes de desestabilizar um país.
DINHEIRO - George Soros, por exemplo, disse que o Brasil tem duas alternativas: o candidato do governo ou o caos...
STIGLITZ - Eu, como muitas outras pessoas, acredito que as preocupações em relação ao Lula e ao PT são exageradas. Ele se tornou um homem de centro. O interesse de George Soros e de muitos investidores não é o interesse do Brasil.
DINHEIRO - Se o sr. fosse um investidor, teria a mesma opinião e diria que o chamado "risco Lula" não existe?
STIGLITZ - Certamente. Não vejo risco algum. Penso até que, embora os mercados sejam importantes para o crescimento econômico, eles devem ser regulados de acordo com os interesses nacionais de cada país. Veja o caso dos Estados Unidos. Na era de Ronald Reagan, grande parte da regulação sobre
o mercado financeiro foi abolida e o resultado foi a falência do sistema de poupança e financiamento imobiliário. Isso custou ao contribuinte americano centenas de bilhões de dólares. O mercado financeiro desregulado é muito mais perigoso do que o Lula ou qualquer partido de esquerda.
DINHEIRO - Alguns dizem que, no Brasil, para se eleger um político de esquerda seria necessário ter instituições mais sólidas e promover reformas como a independência do Banco Central. O sr. concorda?
STIGLITZ - Isso talvez ajude. Mas o que importa é que o processo democrático ajuda mais a promover a estabilidade econômica do que a adoção de políticas ditadas por organismos como o Fundo Monetário Internacional ou por investidores estrangeiros, como George Soros. E o que eu vejo no Brasil como um tremendo sucesso é o avanço da democracia representativa nos últimos dez anos.
DINHEIRO - O que o sr. pensa do regime de metas de inflação?
STIGLITZ - Nos Estados Unidos, eu tenho sido um forte oponente das propostas de adoção de metas de inflação. Mas, para alguns países da América Latina, com um forte histórico inflacionário, como é o caso do Brasil, o regime faz mais sentido.
DINHEIRO - No Brasil, há uma grande insatisfação em relação ao baixo crescimento, próximo a 2% ao ano. O que pode ser feito?
STIGLITZ - Não existe uma receita única. Algumas coisas positivas foram feitas na área educacional e também na atração de novas tecnologias. Mas eu penso que o Brasil terá que avançar numa reforma agrária para tornar sua agricultura mais competitiva. Uma outra lição importante é que muitos daqueles que enxergavam as reformas como uma garantia de sucesso econômico hoje estão desapontados. Era uma falsa esperança. De qualquer forma, é também preciso reconhecer que o Brasil enfrentou um ambiente internacional bastante adverso nos últimos anos, com várias crises de financiamento externo.
DINHEIRO - Mas o ambiente internacional só afeta quem depende de recursos externos. O sr. não acha que o Brasil apostou demais num regime de câmbio fixo que produziu um alto endividamento?
STIGLITZ - Claro. O Brasil deveria ter desvalorizado sua moeda muito antes de 1999. Foi um erro apostar tanto no regime anterior.
DINHEIRO - O sr. acaba de publicar um livro explicando as razões do descontentamento, que existe tanto nos países ricos quanto nos pobres, em relação à globalização. O que deu errado?
STIGLITZ - A minha tese é que existe de fato um regime global, mas as regras do jogo são muito desiguais. São escritas no hemisfério norte e não representam um equilíbrio de forças entre os países ricos e pobres. Além disso, essas regras pregam uma ideologia de livre mercado que não é apropriada para muitos países ao redor do mundo.
DINHEIRO - Por que?
STIGLITZ - Porque a teoria econômica mostra que, mesmo nos países mais avançados, existem falhas de mercado onde o governo desempenha um papel importante na busca do bem-estar social.
DINHEIRO - O sr. prega uma nova arquitetura financeira global. Como funcionaria?
STIGLITZ - No meu livro, eu analiso as causas do problema e a fonte de tudo tem a ver com quem tem o poder de decidir. Veja o caso do FMI. A participação dos países ricos na tomada de decisões do Fundo é desproporcional. E o que é pior: esses países, muitas vezes, são representados no FMI pelos interesses do mercado financeiro e não de suas sociedades como um todo. As vozes mais ouvidas no Fundo são dos banqueiros de Wall Street. É por isso que muitos programas de ajuste visam mais ao interesse dos credores do que dos países socorridos propriamente. A fórmula segundo a qual o FMI opera não é transparente nem consistente com os princípios democráticos.
DINHEIRO - Essas críticas também se aplicam ao Banco Mundial?
STIGLITZ - O Banco Mundial tomou uma série de medidas para ampliar a transparência de suas decisões, mas eu diria que ainda não avançou o suficiente nesse processo.
DINHEIRO - Qual é a sua visão sobre o que está ocorrendo na Argentina? O FMI deveria colocar mais dinheiro à disposição do governo de Eduardo Duhalde?
STIGLITZ - Eu penso que o problema da economia argentina certamente não será resolvido com mais recursos do FMI. Até porque todos os recursos seriam usados para pagar empréstimos anteriores do Fundo ou do Banco Mundial. A questão central na Argentina é que vários recursos produtivos desapareceram. O que se deve fazer é aproveitar o que ainda restou para reconstruir e reativar o país. A Argentina não necessita de dinheiro para saciar o apetite financeiro, mas sim de capital para novos investimentos, feitos pela comunidade empresarial. Ou seja: não se trata de dinheiro no nível governamental, mas sim das empresas, da microeconomia.
DINHEIRO - Mas como é possível direcionar recursos para as empresas se os bancos estão destroçados na Argentina?
STIGLITZ - Eu penso no caso da Ásia. Quando os países do Leste Asiático derreteram em 1997 e o FMI fez uma série de bobagens na região, o Japão entrou na operação resgate e emprestou bilhões e bilhões de dólares aos países da região para fomentar as exportações e o lado produtivo da economia. No México, o que salvou o país não foi o dinheiro do Fundo Monetário, mas sim as receitas das exportações depois que o país entrou no Nafta, o acordo de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá.
DINHEIRO - Como o sr. vê as medidas protecionistas tomadas pelo governo de George W. Bush recentemente, na área da siderurgia e da agricultura?
STIGLITZ - Como um desastre. É uma situação embaraçosa para todos os americanos. Como o país mais rico do mundo pode ceder a esses interesses localizados? Na administração de Bill Clinton, havia muitas pressões protecionistas, mas o governo resistiu a elas porque Clinton tinha uma liderança que George W. Bush não tem. Isso claramente desmoraliza o compromisso dos Estados Unidos com o livre comércio. É uma postura que eu classifico como hipocrisia unilateral.
DINHEIRO - O mau exemplo não acabará sendo seguido por outros países?
STIGLITZ - Se os Estados Unidos, que são os mais ricos, agem assim, todos os países em desenvolvimento deveriam se sentir no direito de também proteger os setores menos competitivos de suas economias. Levando essa postura ao extremo, não haveria mais qualquer liberalização comercial no mundo. Voltaríamos ao passado.
DINHEIRO - Qual seria o futuro da Área de Livre Comércio das Américas nesse contexto?
STIGLITZ - Os negociadores brasileiros devem ser claros. Devem dizer ao governo americano que viram todas as barreiras que foram colocadas em relação ao México durante o processo de negociação do Nafta. Devem dizer que conhecem os obstáculos que os Estados Unidos tentaram impor à entrada de caminhões, abacates, outros produtos agrícolas e muitos bens manufaturados mexicanos. Se for assim, a Alca deve deixar de interessar ao Brasil e ao resto da América Latina. Não fará sentido algum. Todos sabem que os Estados Unidos representam um poder econômico maior. A questão não é essa, mas sim como construir um ambiente legal que proteja também os interesses dos mais fracos.

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