O trinunfo da impunidade
(EMIR SADER, 16/01/2005 JB)
O governo estadunidense teve que reconhecer o que todos sabiam, menos a população dos EUA: o de que não havia armas de destruição massiva no Iraque. Isto é, a razão pela qual foi decretada a guerra, a invasão e a ocupação do Iraque, era falsa. Mais de um ano e várias dezenas de milhares de mortos depois, a confissão não levará a nada. Será considerada um erro de avaliação.
Os governos dos EUA e da Grã-Bretanha já construíram um novo discurso: de qualquer maneira, o mundo estaria melhor sem o regime de Sadam Hussein. Triunfa assim a impunidade, o apelo à força parece compensar. Bush se reelegeu, o petróleo iraquiano está sob controle de empresas estadunidenses, as empresas dos países invasores faturam polpudos contratos na reconstrução do que eles mesmos haviam destruído.
O mundo está melhor com a guerra permanente no Iraque, com dezenas de mortos a cada semana? O mundo está melhor com o triunfo da truculência? O mundo está melhor com a destruição do patrimônio cultural da civilização mais antiga do mundo? O mundo está melhor com um país invadido por tropas estrangeiras?
Quem proporá no Conselho de Segurança das Nações Unidas punição para os dois países - membros permanentes do Conselho - que tomaram unilateralmente a decisão de, sem provas suficientes, desatar a invasão do Iraque? Que posição tomará o representante brasileiro? E os outros?
O que será da ONU se nada for feito? Valerá a pena o Brasil se candidatar a membro permanente do Conselho de Segurança de uma instituição desmoralizada pelo uso unilateral da força, sem nenhuma punição?
A que se pode comparar a invasão injustificada do Iraque: às invasões hitlerianas sobre a Checoslováquia e a Polônia? À invasão do Kuait pelo Iraque? À invasão dos territórios palestinos por Israel? À ocupação da Chechênia pela Rússia?
O projeto imperial busca articular política de guerras com liberalismo econômico. Com a primeira, trata de incorporar crescentemente novos territórios ao segundo - a ''guerra infinita'' está a serviço do chamado ''livre comércio''. O pai do presidente atual dos EUA já havia confessado que o móvel da primeira guerra do Golfo não foi a ocupação do Kuait pelo Iraque, recordando que muitos outros países - entre eles Israel - ocupam outros países, sem que tenham recebido nenhuma represália por parte dos EUA, sendo muitas vezes - como no caso mencionado - até mesmo apoiados e incentivos por Washington. O móvel foi o petróleo - reforçando a idéia de que os tanques estão a serviço da ''liberdade de comércio'', revelando assim de qual liberdade se trata - da de comercializar por parte das grandes corporações internacionais.
O mundo pode estar melhor se são as mesmas maiores potências produtoras de armamentos, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, supostamente encarregadas de zelar pela paz e pelo arbitramento dos conflitos no mundo? Pode estar bem o mundo, se as somas bilionárias que são gastas em armamento são as mesmas que faltam no combate à fome, à desnutrição e à miséria, sem que existam campanhas que preguem o desarmamento e o fim da indústria bélica?
O mundo está pior depois da invasão do Iraque, não a partir do julgamento de como viviam e vivem os iraquianos, mas a partir da impunidade que uma guerra desatada sem o aval das Nações Unidas, contra a opinião publica mundial, com argumentos falsos, impôs ao povo iraquiano e ao mundo. Poucos mandatários - entre eles Fidel Castro e Hugo Chavez - dizem ao governo Bush o que deve ser dito, revelando a crise moral que abala a cena política internacional.
A ONU se condena a se tornar, no máximo, uma Cruz Vermelha Internacional, depois da invasão do Iraque e do reconhecimento, por parte das potencias invasoras, da falsidade das razoes da guerra que segue, impunemente, produzindo milhares de vítimas. Como passará à História mais esse episódio da Pax Americana? Como passarão os que se calaram, os que foram coniventes, os que desviaram os olhos do holocausto do povo iraquiano? Eles passarão, enquanto a luta dos que combatem por um mundo sem guerras, com soluções justas, pacíficas e negociadas, seguirá adiante.
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