31 de mar. de 2003

Somos todos fundamentalistas
por Arnaldo Bloch - O Globo 29/03/2003

Aguerra definitiva não será entre o bem e o mal, o ocidente e o oriente, o religioso e o secular. Será entre o fundamental e o fundamentalista.

O fundamental tem consistência. Não engole generalizações, nem é escravo da ideologia. Prefere aliar-se ao bom senso, à pluralidade, à História. E é inimigo mortal do obscurantismo e da mentira.

O fundamentalista baseia-se num ideal de pureza. Acredita na verdade absoluta. Sataniza o antagonista. Extermina a divergência.

Religioso ou não, o fundamentalista transforma tudo — arte, política, opinião, sexo — em divindade.

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O fundamentalismo é islâmico. É americano. É judaico. É cristão. É europeu. É de esquerda. É de direita. É econômico. É cibernético.

O fundamentalista diz: “Os EUA são o mal, o Islã é o bem”. Ou então “Os EUA são o bem, o Islã é o mal”. Diz que Chirac é paz ou que Chirac é verme. Diz que o negócio é cuspir a Coca-Cola, ou vomitar o foie gras .

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O fundamentalismo está em nosso dia-a-dia, é coisa rotineira. Todos somos ou fomos fundamentalistas. Quando quisemos vencer discussões na base do grito. Quando, com medo da dúvida e da ignorância, urinamos explicações definitivas sobre fatos que exigem reflexão e tempo.

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Fundamentalista é dizer que vanguarda é chato e tradição é legal, ou que vanguarda é legal e tradição é chato. É dizer que cubismo é feio e que belo é o clássico, partilhando, sem querer, do conceito hitlerista de arte degenerada, da busca de uma expressão superior através da exclusão do elemento dissonante.

Fundamentalista é dizer: “vou ao cinema para me divertir, não para pensar”, como se os dois canais não pudessem tocar no mesmo disco. É dizer “não vi e não gostei”.

Fundamentalista é o ofício de destruir uma obra com base em crenças, preconceitos e preferências, e não no significado da mesma dentro de um determinado contexto.

Fundamentalista é dizer “Hermeto Pascoal é soprador de chaleira”, com intuito de ocultar a boçalidade atrás de uma frase de efeito.

Aliás, frases de efeito são freqüentemente armas fundamentalistas nas mãos de narcisos compulsivos.

É comum a frase de efeito preceder ao próprio raciocínio do que ela significa. É mais rápido e efetivo na perspectiva do arrivismo cultural.

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Fundamentalista é o diretor de gravadora que diz: “música eu ouço em casa, aqui eu faço produto”, e os que seguem bovinamente este raciocínio. Fundamentalista é o produtor musical que, sodomizado pelo fetiche marquetológico, baseia suas escolhas numa noção abstrata e apressada do que “funciona” e do que “não funciona”.

Fundamentalista é dizer “funk é crime” ou “funk é denúncia”, sem perder um minuto na tentativa de traduzir e diferenciar os vários discursos entrelaçados na realidade complexa dos morros do Rio de Janeiro. É excluir antes de entender.

Fundamentalista é dizer, uma vez por mês, e com base em fluxos periódicos de masturbação intelectual, que surgiu um novo gênio aqui ou ali, como se gênios houvesse mais de dois ou três por século. Por conta desse vício, aliás, a palavra “genial” desvirtuou-se, vulgarizou-se, virou sinônimo da expressão eufórica, deslumbrada e autista, de qualquer opinião média.


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Fundamentalista é dizer que o negócio é sair matando. É igualar poder público e marginália, família e máfia. É dizer que os Direitos Humanos estão caducos.

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Fundamentalista é dizer que a psicanálise — teoria e prática — morreu, que foi um grande engano. É dizer que a genética (quando não a vontade divina) rege nossas ações.

Imaginar que o indivíduo é uma combinação de natureza e formação é penoso demais para os que desejam sepultar as sutilezas da condição humana, e caminhar mais uns passos na direção de um determinismo fascista em pleno século 21.

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Fundamental é estar consciente de que o fundamentalismo não é um fato externo, sobre o qual se lê no jornal, e que nos ameaça enquanto indivíduos inocentes. Combatê-lo é se dar conta de que ele nasce justamente no próprio indivíduo, cresce nas entranhas, escorre pelo canto da boca e se fortalece todo dia em casa, no botequim, no trabalho, nos nossos sonhos e nos nossos atos.

24 de mar. de 2003

Boicote

A guerra já começou e nada mais pode ser feito para reverter os males causados e os que virão. Inevitável.

Mas, uma posição firme deve vir do mundo, a de que as empresas americanas e inglesas sejam vetadas da reconstrução do Iraque.

Não podem destruir um país e depois ganhar tubos de dinheiro em sua reconstrução. Os americanos não desejam 'libertar' o Iraque do grande ditador?

Então que eles demonstrem altruísmo e aceitem serem retirados do butim de guerra. ELES não podem reconstruir o país que estão arrasando.

E esta deve ser a próxima batalha pela qual os países devem praticar contra os EUA.

14 de mar. de 2003

Papagaiada

Bush diz querer retomar negociações no Oriente Médio
Presidente americano afirma que está disposto a negociar com primeiro-ministro palestino que tiver poder de fato.

Ora bolas, dizer que negocia com primeiro ministro que tiver poder de fato. Quem tirou o poder de Arafat?

Sharon e os EUA.

Eles nunca deram qualquer voto ao dirigente palestino.

A BBC Brasil segue o padrão de manipulação das grandes mídias...
PRESIDENTE DO TSE AUTORIZA PRODUÇÃO DE PROVAS NO RECURSO CONTRA RORIZ


Brasília, 10/03/2003- O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Sepúlveda Pertence, autorizou hoje a realização de diligência para a produção de provas, além das que constam no recurso pedindo a cassação do mandato do governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB) por suposto abuso de poder econômico e político na campanha à reeleição.

O recurso foi movido pelo candidato derrotado ao governo, Geraldo Magela, do PT e pela coligação que o apoiou (PCB, PC do B e PMN).

No despacho, o ministro atendeu ao pedido do procurador-geral Eleitoral, Geraldo Brindeiro.

No parecer, Geraldo Brindeiro pediu a juntada de outras provas aos autos contra a diplomação do governador, já que toda a documentação fora especificada por Magela no ato do ajuizamento do recurso encaminhado ao TSE.

Brindeiro solicitou também a abertura de vista dos autos a defesa de Roriz para que ele possa se manifestar e exercer o direito de ampla defesa do contraditório.

Segundo o Procurador-Geral Eleitoral acompanham o recurso, a título de prova produzida previamente, onze apensos e seis anexos, totalizando 17 volumes com fotografias, fitas de vídeo, recortes de jornais e cópias de representações movidas contra o governador no TRE, "muitas delas julgadas improcedentes."

Deverão ser anexadas agora ao recurso, cópias de inquérito, de representações, de processo de prestação de contas e degravação de fitas nos quais Roriz estaria sendo investigado.

13 de mar. de 2003

O custo da espera
Tropas americanas treinam no Golfo
Caio Blinder, de Nova York

Ir à guerra sem apoio da comunidade internacional é um preço altíssimo mesmo para a hiperpotência americana, mas o presidente George W. Bush gosta de repetir que o custo da inação é ainda maior.

Wall Street parece concordar com o comandante-em-chefe. Nada agonia mais o mercado financeiro do que a
incerteza.

As delongas diplomáticas nas Nações Unidas colocaram a economia americana no purgatório. E, evidentemente, a sensação de paralisia econômica se alastra pelo resto do mundo.

Um preço provocado pelo impasse na crise iraquiana é o desemprego americano. As empresas vacilam em contratar e demitem com firmeza.

Os 308 mil empregos perdidos em fevereiro representam o pior desempenho desde os três meses que se seguiram aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

Na verdade, os tambores de guerra no Iraque abafaram os sinais de recuperação da maior economia do mundo.

Semanas atrás havia um consenso em Wall Street de que a guerra seria curta e fulminante, até impulsionando um rally dos indicadores financeiros.

A idéia de um rápido desfecho militar ainda predomina, mas Mark Zandi, analista do grupo Economy.com, adverte que são mais freqüentes agora os cenários pessimistas, até sombrios.

A própria resistência internacional aos planos de Bush prenuncia complicações no pós-guerra. Nada será tão fácil como na primeira guerra do Golfo Pérsico.

Durante a agonia de espera dos combates em 1991, o preço do petróleo disparou a os indicadores financeiros despencaram, mas as nuvens negras se dissiparam rapidamente.

Os paralelos são perigosos porque muito mais está em jogo agora.

Mesmo assim, Wall Street insiste que o custo de não ir à guerra em 2003 segue sendo mais pesado do que o de costurar um precário e bizantino acordo sobre inspeção de armas.

Mais grave do que um clima de incertezas econômicas é a idéia de que recuar agora causará grandes danos à credibilidade imperial.

Outros integrantes do chamado "eixo do mal" vão encarar as ameaças americanas como um blefe. Em breve, o imprevisível lider norte-coreano Kim Jong Il estará chamando a fera americana de tigre de papel.

Este, por exemplo, é o raciocínio do senador democrata (e ex-banqueiro) Jon Corzine. No ano passado, ele votou contra a resolução pró-guerra que foi aprovada pelo Congresso.

Corzine agora bate continência para o comandante-em-chefe George Bush. Para ele, os horrores da guerra são menores do que os riscos de caos global.

Os argumentos mais fortes sobre o custo de inação, é claro, são desferidos pelos superfalcões da administração Bush.

Para eles, já foi um erro em primeiro lugar buscar a benção da ONU para uma invasão do Iraque.

Bush quis ter uma pose multilateral e acabou caindo em uma armadilha multilateral montada basicamente pelos franceses.

Na televisão, os generais de pijama que hoje posam de analistas militares se sucedem para advertir que o "espetáculo" diplomático está minando o moral da tropa americana já estacionada no Kuwait.

E uma das reportagens da edição desta semana da revista "Time" fala dos sentimentos dos soldados que
esperam a guerra: medo e tédio.

Fonte BBC Brasil
Por uma Corregedoria para a mídia

O Globo estampa em seu sitio que "Cai avaliação positiva do governo" depois emenda em letras menores que a do presidente continua em alta. Tudo bem, afinal é jornal neo liberal até à cor de suas tintas.

Mas o pior é "MST critica mas planta transgênico", onde os agricultores de transgênicos o fazem à revelia da direção do movimento e a diretores sabem da triste realidade de que esses assentados podem e deverão sofrer sanções.

E segue com "Pessimismo do Ipea contraria previsões econômicas do governo ". No texto encontraremos que '...o Ipea reconhece que os índices de preços estão em tendência de desaceleração, como mostram os resultados das taxas em fevereiro e os primeiros números de março'. Mais adiante veremos em economês que "As projeções do instituto levam em conta a manutenção da Taxa Selic em 26,5% ao ano até junho e, a partir daí, queda de meio ponto percentual ao mês. A cotação média do dólar no ano foi fixada em R$ 3,54 e do petróleo, em US$ 33,4 por barril até o fim do segundo trimestre — num cenário de guerra que Levy batizou de light ", traduzindo seria: "a situação está péssima e a guerra só pode piorar. Num curto prazo as políticas terão que ser austeras senão..."

Depois com "Petróleo acirra crise do governo com agências", onde poderia muito bem ter sido escrito "Governo investiga agência por divulgação de informação" ou "Quem lucra com divulgação de informação feita pela ANP". Notem bem a inclusão do plural para o termo referido agência na versão do O Globo.

À essa liberdade da empresa de produzir suas manchetes e lides, não nego o direito. Mas devia se criar um mecanismo onde não fosse tão fácil a manipulação desta parte do jornal onde a maioria que lê não se aprofunda o necessário para extrair a informação verdadeira. Principalmente porque tamanho é desinformação induzida que fica difícil ao leigo enxergar a verdade naquelas tintas borradas.

Porém a liberdade exige responsabilidade e a função da corregedoria se faz necessário para qualquer poder.

11 de mar. de 2003

Cuidado com ele

No episódio da insurreição do tráfico em setembro de 2002, o alcaide César Maia procurou capitalizar o terror para sua candidata.

Muitos se perguntaram se a rapidez como a capitalização foi pensada e articulada se não havia algo mais por detrás daquele movimento terrorista.

César Maia já provou entender de marketing e principalmente da utilização de boatos como forma de atingir letalmente seus adversários.

Agora surge ele como grande mecenas da segurança carioca. Apregoando estarem os caixas da Prefeitura bem servidos, ele resolve ser o 'salvador da pátria'.

Tenho todas as dúvidas sobre este sujeito.

Sinceramente, vamos acabar descobrindo o dedo do besta maia em outros endereços não tão nobres.

10 de mar. de 2003

Plano de paz para o Oriente Médio foi congelado
Caio Blinder, de Nova Iorque

A escalada de vítimas israelenses de atentados terroristas palestinos e de vítimas palestinas de represálias israelenses promete romper novos limites.

Em parte, a espiral de violência deve ser atribuída a uma decisão do governo Bush que chamou pouca atenção nos últimos dias.

A Casa Branca deu uma bofetada (mais uma) nos aliados europeus, na Rússia e na ONU ao congelar os planos de paz para o Oriente Médio.

O chamado “mapa da estrada” tem sido desenhado há quase um ano pelos americanos e essa penca de parceiros.

Concessões

A pedra de toque é uma jornada de três anos que conduziria à criação de um Estado palestino.

Entre os passos recíprocos, os palestinos precisariam dizer adeus de vez à liderança de Yasser Arafat.

Os israelenses concordariam em retirar tropas dos territórios ocupados e em suspender a criação de assentamentos na Cisjordânia e em Gaza.

Claro que a contenção do ciclo de atentados suicidas palestinos e represálias israelenses está prevista no plano.

Contra-mão

Um dos geógrafos mais importantes desse “mapa da estrada” é o primeiro-ministro britânico, Tony Blair.

Há meses, ele tem insistido com Bush que os americanos devem se engajar mais no conflito entre israelenses e palestinos.

Em uma visão compartilhada com o secretário de Estado Colin Powell, Blair tem exortado Bush a intensificar os esforços de paz no Oriente Médio para aplacar tanto o mundo árabe quanto os aliados europeus na crise do Iraque.

Mas a administração Bush decidiu pegar a contra-mão na estrada da paz.

Frente iraquiana

O raciocínio é que, antes de tudo, é preciso acertar as contas no Iraque.

Aí, então, faria sentido pressionar Israel a fazer concessões pela paz. O primeiro-ministro Ariel Sharon seria forçado a se dobrar às exigências geopolíticas americanas.

A lógica americana é de que uma vitória fulminante no Iraque daria uma folgada margem de manobra para Washington impor sua vontade sobre Israel.

Sharon não parece entusiasmado em seguir viagem nessa “estrada da paz”, e a prioridade dos americanos no momento é não irritá-lo na véspera da guerra do Iraque.

Mas diplomatas do Departamento de Estado americano e de capitais européias revelaram ao jornal New York Times que Tony Blair ficou simplesmente enfurecido com a decisão de Bush de congelar a confecção desse “mapa da estrada”.

A defesa da Casa Branca tem dois pontos: é simplesmente improdutivo publicar o “mapa da estrada” quando os israelenses estão ansiosos com a situação na “frente” iraquiana.

Além disso, propor que Arafat saia de cena quando o veterano dirigente acaba de escolher um primeiro-ministro e vai ceder alguns poderes pode se transformar em um tiro pela culatra.

Enfoque errado

Qualquer discussão sobre Oriente Médio é infindável e argumentos tortuosos sobre o “mapa da estrada” são sempre possíveis.

Diplomatas europeus não identificados disseram ao New York Times que seus colegas americanos têm o enfoque errado.

O maior foco de instabilidade no Oriente Médio é a disputa entre israelenses e palestinos e não a situação no Iraque. As prioridades americanas não apenas estão erradas como são perigosas.

Além de Blair, o próprio secretário de Estado Colin Powell saiu derrotado (mais uma vez) com a rota assumida pela Casa Branca.

Mas diplomatas de carreira se mostram resignados. Nos últimos dias, eles vazaram para a imprensa informações sobre o desfecho de um duelo interno.

A administração da política americana para o Oriente Médio foi assumida diretamente pela Casa Branca, onde Elliott Abrams, um ardente advogado dos interesses de Israel, agora, cuida da região no Conselho de Segurança Nacional.

George Bush está impaciente para ir à guerra no Iraque, mas não para fazer a paz entre israelenses e palestinos.

Fonte: BBC Brasil
Editorial do Jornal do Commercio de domingo

Não à guerra
O mundo diz não à guerra. Os milhões de pessoas que lotaram ruas e praças de mais de 600 cidades do planeta no dia 15 de fevereiro deram a maior demonstração de pacifismo da história da humanidade. Em Londres, Paris, Roma, Nova York, Berlim, Tóquio e Rio, gentes de todas as raças, credos e ideologias deram-se as mãos num eloqüente e inequívoco recado aos governantes: a guerra não é, nem pode ser, alternativa para a solução de conflitos.

O mundo deixou claro que não quer uma polícia para o mundo. Gritou aos quatro cantos que recusa a destruição da convivência internacional duramente conquistada no pós-guerra. Reafirmou que precisa mais de iniciativas como o Protocolo de Kyoto e do Tribunal Penal Internacional (ambas repudiadas por Washington) e de figuras como Abraham Lincoln, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá e Mahatma Gandhi. E menos de George Bush e Saddam Hussein.

O mundo deu provas de repúdio ao massacre no Iraque por quatro motivos. Um: a fragilidade das razões alegadas. Bagdá está de joelhos. Atendeu às exigências da ONU e abriu o território às inspeções internacionais. Provou que não põe em risco a paz. Dois: suspeitas de que o verdadeiro motivo do ataque seja a cobiça pelo petróleo iraquiano e a necessidade de desovar e renovar arsenais. Três: a desmoralização das Nações Unidas, único foro capaz de conferir legitimidade a iniciativas conjuntas. O último, mas não menos importante: o medo das conseqüências.

O mundo sabe que os mísseis disparados contra milhões de inocentes abrirão a caixa de Pandora. Dela poderá sair a guerra da Coréia do Norte, pesadelo que traz de volta a ameaça do holocausto nuclear. Dela emergirão mais complicações para o Oriente Médio. Dela disparará fortalecido o terrorismo muçulmano de que o atentado a Báli serve de pálido exemplo.

O mundo, com seu grito uníssono, deixou clara a opção pela paz. Sem rótulos nem adjetivos. Acima de tudo, o mundo não deseja viver sob o regime ditatorial, aterrorizante e dominador da pax americana.
É melhor rir...

Diante das provas oferecidas pelos EUA ao Conselho de Segurança da ONU, diz o diplomata iraquiano: "é melhor escutar isso do que ser curdo".

Pano rápido.
Diferenças entre Inglaterra e EUA

O namoro Reino Unido-Estados Unidos continua de vento em popa, conforme se poderia dizer daquela caravela armada até aos dentes zarpando célere em direção à frota inimiga.

Os britânicos, no entanto, apesar do namoro transatlântico, adoram quando são criticados. Quando a crítica venha bem observada e bem escrita. A recíproca não é verdadeira no tocante aos Estados Unidos.

Em seu livro, Notas de uma Ilha Pequena, Bryson, a uma certa altura, assim se refere à Grã-Bretanha;

"Eis um país que lutou e venceu uma guerra das mais nobres, desmantelou um poderoso império, benigno e esclarecido em sua maior parte, criou um estado de bem-estar social funcional a longo prazo – em suma, um país que fez praticamente tudo certo – e depois passou o resto do século vendo-se como um fracasso crónico".

E conclui Bill Bryson:

"O fato é que este ainda é melhor lugar do mundo para a maior parte das coisas. Para se botar uma carta no correio, dar uma caminhada, ver televisão, comprar um livro, sair para tomar um trago, ir a um museu, usar dos serviços de um banco, perder-se, buscar auxílio, ou ficar de pé numa colina admirando a paisagem".

Retirado do texto de Ivan Lessa
Sanção aos EUA

Não satisfeito em invadir um país soberano com intuito de mudar o regime de poder de um povo democrático os EUA romperam a cerca que separa o Iraque do Kuwait e entraram com soldados à paisana na zona desmilitarizada. A invasão se deu com veículos não-autorizados e homens.

Antes do votarem a nova resolução, a ONU deveria exigir respostas do EUA.

Mas, como todos sabem, isso é bobagem.

O link para informação aqui

9 de mar. de 2003

Mentora

Pode-se falar que o apelido para a Maria da Conceição Tavares, hoje, seria TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE.

E com isso poderemos dormir sossegado sabendo que o Brasil tem e terá jeito.

PS: o setor energético que se cuide.

7 de mar. de 2003

Feliz 08 de março

Breve Introdução Histórica
ROSE MARIE MURARO

Para compreendermos a importância do Malleus é preciso ter­mos uma visão ao menos mínima da história da mulher no interior da história humana em geral.

Segundo a maioria dos antropólogos, o ser humano habita este planeta há mais de dois milhões de anos. Mais de três quartos deste tempo a nossa espécie passou nas culturas de coleta e caça aos peque­nos animais. Nessas sociedades não havia necessidade de força física para a sobrevivência, e nelas as mulheres possuíam um lugar central.

Em nosso tempo ainda existem remanescentes dessas culturas, tais como os grupos mahoris (Indonésia), pigmeus e bosquímanos (África Central). Estes são os grupos mais primitivos que existem e ainda sobrevivem da coleta dos frutos da terra e da pequena caça ou pesca. Nesses grupos, a mulher ainda é considerada um ser sagrado, porque pode dar a vida e, portanto, ajudar a fertilidade da terra e dos animais. Nesses grupos, o princípio masculino e o feminino governam o mundo juntos. Havia divisão de trabalho entre os sexos, mas não ha­via desigualdade. A vida corria mansa e paradisíaca.

Nas sociedades de caça aos grandes animais, que sucedem a essas mais primitivas, em que a força física é essencial, é que se inicia a supremacia masculina. Mas nem nas sociedades de coleta nem nas de caça se conhecia função masculina na procriação. Também nas sociedades de caça a mulher era considerada um ser sagrado, que possuía o privilégio dado pelos deuses de reproduzir a espécie. Os homens se sentiam marginalizados nesse processo e invejavam as mulheres. Essa primitiva inveja do útero” dos homens é a antepassada da moderna “inveja do pênis” que sentem as mulheres nas culturas patriarcais mais recentes.

A inveja do útero dava origem a dois ritos universalmente encontrados nas sociedades de caça pelos antropólogos e observados em partes opostas do mundo, como Brasil e Oceania. O primeiro é o fenômeno da couvade, em que a mulher começa a trabalhar dois dias depois de parir e o homem fica de resguardo com o recém-nascido, recebendo visitas e presentes... O segundo é a iniciação dos homens. Na adolescência, a mulher tem sinais exteriores que marcam o limiar da sua entrada no mundo adulto. A menstruação a torna apta à maternidade e representa um novo patamar em sua vida. Mas os adolescentes homens não possuem esse sinal tão óbvio. Por isso, na puberdade eles são arrancados pelos homens às suas mães, para serem iniciados na “casa dos homens”. Em quase todas essas iniciações, o ritual é semelhante: é a imitação cerimonial do parto com objetos de madeira e instrumentos musicais. E nenhuma mulher ou criança pode se aproximar da casa dos homens, sob pena de morte. Desse dia em diante o homem pode “parir” ritualmente e, portanto, tomar seu lugar na cadeia das gerações...

Ao contrário da mulher, que possuía o “poder biológico”, o homem foi desenvolvendo o “poder cultural” à medida que a tecnologia foi avançando. Enquanto as sociedades eram de coleta, as mulheres mantinham uma espécie de poder, mas diferente das culturas patriarcais. Essas culturas primitivas tinham de ser cooperativas, para poder sobreviver em condições hostis, e portanto não havia coerção ou centralização, mas rodízio de lideranças, e as relações entre homens e mulheres eram mais fluidas do que viriam a ser nas futuras sociedades patriarcais.

Nos grupos matricêntricos, as formas de associação entre homens e mulheres não incluíam nem a transmissão do poder nem a da heran­ça, por isso a liberdade em termos sexuais era maior. Por outro lado, quase não existia guerra, pois não havia pressão populacional pela conquista de novos territórios.

E só nas regiões em que a coleta é escassa, ou onde vão se esgotando os recursos naturais vegetais e os pequenos animais, que se inicia a caça sistemática aos grandes animais. E aí começam a se instalar a supremacia masculina e a competitividade entre os grupos na busca de novos territórios. Agora, para sobreviver, as sociedades têm de competir entre si por um alimento escasso. As guerras se tornam constantes e passam a ser mitificadas. Os homens mais valorizados são os heróis guerreiros. Começa a se romper a harmonia que ligava a espécie humana à natureza. Mas ainda não se instala definitivamente a lei do mais forte. O homem ainda não conhece com precisão a sua função reprodutora e crê que a mulher fica grávida dos deuses. Por isso ela ainda conserva poder de decisão. Nas culturas que vivem da caça, já existe estratificação social e sexual, mas não é completa como nas sociedades que se lhes seguem.

E no decorrer do neolítico que, em algum momento, o homem começa a dominar a sua função biológica reprodutora, e, podendo controlá-la, pode também controlar a sexualidade feminina. Aparece então o casamento como o conhecemos hoje, em que a mulher é propriedade do homem e a herança se transmite através da descendência masculina. Já acontece assim, por exemplo, nas sociedades pastoris descritas na Bíblia. Nessa época, o homem já tinha aprendido a fundir metais. Essa descoberta acontece por volta de 10000 ou 8000 a.C. E, à medida que essa tecnologia se aperfeiçoa, começam a ser fabricadas não só armas mais sofisticadas como também instrumentos que permitem cultivar melhor a terra (o arado, por ex.).

Hoje há consenso entre os antropólogos de que os primeiros hu­manos a descobrir os ciclos da natureza foram as mulheres, porque podiam compará-los com o ciclo do próprio corpo. Mulheres também devem ter sido as primeiras plantadoras e as primeiras ceramistas, mas foram os homens que, a partir da invenção do arado, sistematizaram as atividades agrícolas, iniciando uma nova era, a era agrária, e com ela a história em que vivemos hoje.

Para poder arar a terra, os grupamentos humanos deixam de ser nômades. São obrigados a se tornar sedentários. Dividem a terra e for­mam as primeiras plantações. Começam a se estabelecer as primeiras aldeias, depois as cidades, as cidades-estado, os primeiros Estados e os impérios, no sentido antigo do termo. As sociedades, então, se tor­nam patriarcais, isto é, os portadores dos valores e da sua transmissão são os homens. Já não são mais os princípios feminino e masculino que governam juntos o mundo, mas, sim, a lei do mais forte. A comi­da era primeiro para o dono da terra, sua família, seus escravos e seus soldados. Até ser escravo era privilégio. Só os párias nômades, os sem-terra, é que pereciam no primeiro inverno ou na primeira escassez.

Nesse contexto, quanto mais filhos, mais soldados e mais mão-de-obra barata para arar a terra. As mulheres tinham a sua sexualidade rigidamente controlada pelos homens. O casamento era monogâmico e a mulher era obrigada a sair virgem das mãos do pai para as mãos do marido. Qualquer ruptura desta norma podia significar a mor­te. Assim também o adultério: um filho de outro homem viria ameaçar a transmissão da herança que se fazia através da descendência da mulher. A mulher fica, então, reduzida ao âmbito doméstico. Perde qualquer capacidade de decisão no domínio público, que fica inteira­mente reservado ao homem. A dicotomia entre o privado e o público torna-se, então, a origem da dependência econômica da mulher, e esta dependência, por sua vez, gera, no decorrer das gerações, uma sub­missão psicológica que dura até hoje.

E nesse contexto que transcorre todo o período histórico até os dias de hoje. De matricêntrica, a cultura humana passa a patriarcal.

E o Verbo Veio Depois

“No principio era a Mãe, o Verbo veio depois.” l~ assim que Marilyn French, uma das maiores pensadoras feministas americanas, começa o seu livro Beyond Power (Summit Books, Nova York, 1985). E não é sem razão, pois podemos retraçar os caminhos da espécie atra­vés da sucessão dos seus mitos. Um mitólogo americano, em seu livro The Masks of God: Occidental Mythology (Nova York, 1970), citado por French, divide em quatro grupos todos os mitos conhecidos da criação. E, surpreendentemente, esses grupos correspondem às etapas cronológicas da história humana.

Na primeira etapa, o mundo é criado por uma deusa mãe sem au­xílio de ninguém. Na segunda, ele é criado por um deus andrógino ou um casal criador. Na terceira, um deus macho ou toma o poder da deusa ou cria o mundo sobre o corpo da deusa primordial. Finalmente, na quarta etapa, um deus macho cria o mundo sozinho.

Essas quatro etapas que se sucedem também cronologicamente são testemunhas eternas da transição da etapa matricêntrica da humanidade para sua fase patriarcal, e é esta sucessão que dá veracidade à frase já citada de Marilyn French.

Alguns exemplos nos farão entender as diversas etapas e a frase de French. O primeiro e mais importante exemplo da primeira etapa em que a Grande Mãe cria o universo sozinha é o próprio mito grego. Nele a criadora primária é Géia, a Mãe Terra. Dela nascem todos as protodeuses: Urano, osTitãs e as protodeusas, entre as quais Réia, que virá a ser a mãe do futuro dominador do Olimpo, Zeus. Há também o caso do mito Nagô, que vem dar origem ao candomblé. Neste mito africano, é Nanã Buruquê que dá à luz todos os orixás, sem auxílio de ninguém.

Exemplos do segundo caso são o deus andrógino que gera todos os deuses, no hinduísmo, e o yin e o yang, o principio feminino e o masculino que governam juntos na mitologia chinesa.

Exemplos do terceiro caso são as mitologias nas quais reinam em primeiro lugar deusas mulheres, que são, depois, destronadas por deuses masculinos. Entre essas mitologias está a sumeriana, em que primitivamente a deusa Siduri reinava num jardim de delícias e cujo poder foi usurpado por um deus solar. Mais tarde, na epopéia de Gilgamesh, ela é descrita como simples serva. Ainda, os mitos primitivos dos astecas falam de um mundo perdido, de um jardim paradisíaco governado por Xoxiquetzl, a Mãe Terra. Dela nasceram os Huitzuhuahua, que são os Titâs e os Quatrocentos Habitantes do Sul (as estrelas). Mais tarde, seus filhos se revoltam contra ela e ela dá à luz o deus que iria governar a todos, Huitzilopochtli.

A partir do segundo milênio a.C., contudo, raramente se registram mitos em que a divindade primária seja mulher. Em muitos deles, estas são substituídas por um deus macho que cria o mundo a partir de si mesmo, tais como os mitos persa, meda e, principalmente e acima de todos, o nosso mito cristão, que é o que será enfocado aqui.

Javé é deus único todo-poderoso, onipresente, e controla todos os seres humanos em todos os momentos da sua vida. Cria sozinho o mundo em sete dias e, no final, cria o homem. E só depois cria a mulher, assim mesmo a partir do homem. E coloca ambos no Jardim das Delícias onde o alimento é abundante e colhido sem trabalho. Mas, graças à sedução da mulher, o homem cede à tentação da serpente e o casal é expulso do paraíso.

Antes de prosseguir, procuremos analisar o que já se tem até aqui em relação à mulher. Em primeiro lugar, ao contrário das culturas primitivas, Javé é deus único, centralizador, dita rígidas regras de comportamento cuja transgressão é sempre punida. Nas primitivas mitologias, ao contrário, a Grande Mãe é permissiva, amorosa e não­ coercitiva. E como todos os mitos fundantes das grandes culturas tendem a sacralizar os seus principais valores, Javé representa bem a trans­formação do matricentrismo em patriarcado.

O Jardim das Delícias é a lembrança arquetípica da antiga harmonia entre o ser humano e a natureza. Nas culturas de coleta não se trabalhava sistematicamente. Por isso os controles eram frouxos e podia se viver mais prazerosamente. Quando o homem começa a dominar a natureza, ele começa a se separar dessa mesma natureza em que até então vivia imerso.

Como o trabalho é penoso, necessita agora de poder central que imponha controles mais rígidos e punição para a transgressão. É preciso usar a coerção e a violência para que os homens sejam obrigados a trabalhar, e essa coerção é localizada no corpo, na repressão da sexualidade e do prazer. Por isso o pecado original, a culpa máxima, na Bíblia, é colocado no ato sexual (é assim que, desde milênios, popular­mente se interpreta a transgressão dos primeiros humanos).

E por isso que a árvore do conhecimento é também a árvore do bem e do mal. O progresso do conhecimento gera o trabalho e por isso o corpo tem de ser amaldiçoado, porque o trabalho é bom. Mas é interessante notar que o homem só consegue conhecimento do bem e do mal transgredindo a lei do Pai. O sexo (o prazer) doravante é mau e, portanto, proibido. Praticá-lo é transgredir a lei. Ele é, portanto, limitado apenas às funções procriativas, e mesmo assim é uma culpa.

Daí a divisão entre sexo e afeto, entre corpo e alma, apanágio das civilizações agrárias e fonte de todas as divisões e fragmentações do homem e da mulher, da razão e da emoção, das classes...

Tomam ai sentido as punições de Javé. Uma vez adquirido o conhecimento, o homem tem que sofrer, O trabalho o escraviza. E por isso o homem escraviza a mulher. A relação homem-mulher-natureza não é mais de integração e, sim, de dominação. O desejo dominante agora é o do homem. O desejo da mulher será para sempre carência, e é esta paixão que será o seu castigo. Daí em diante, ela será definida por sua sexualidade, e o homem, pelo seu trabalho.

Mas o interessante é que os primeiros capítulos do Gênesis podem ser mais bem entendidos à luz das modernas teorias psicológicas, especialmente a psicanálise. Em cada menino nascido no sistema patriarcal repete-se, em nível simbólico, a tragédia primordial. Nos primeiros tempos de sua vida, eles estão imersos no Jardim das Delícias, em que to­dos os seus desejos são satisfeitos. E isto lhes faz buscar o prazer que lhes dá o contato com a mãe, a única mulher a que têm acesso. Mas a lei do pai proíbe ao menino a posse da mãe. E o menino é expulso do mundo do amor, para assumir a sua autonomia e, com ela, a sua maturidade. Principalmente, a sua nudez, a sua fraqueza, os seus limites. E à medida que o homem se cinde do Jardim das Delícias proporcionadas pela mulher-mãe que ele assume a sua condição masculina.

E para que possa se tornar homem em termos simbólicos, ele precisa passar pela punição maior que é a ameaça de morte pelo pai. Co­mo Adão, o menino quer matar o pai e este o pune, deixando-o só.

Assim, aquilo que se verifica no decorrer dos séculos, isto é, a transição das culturas de coleta para a civilização agrária mais avançada, é relembrado simbolicamente na vida de cada um dos homens do mundo de hoje. Mas duas observações devem ser feitas. A primeira é que o pivô das duas tragédias, a individual e a coletiva, é a mulher; e a segunda, que o conhecimento condenado não é o conhecimento dissociado e abstrato que daí por diante será o conhecimento dominante, mas sim o conhecimento do bem e do mal, que vem da experiência concreta do prazer e da sexualidade, o conhecimento totalizante que integra inteligência e emoção, corpo e alma, enfim, aquele conhecimento que é, especificamente na cultura patriarcal, o conhecimento feminino por excelência.

Freud dizia que a natureza tinha sido madrasta para a mulher por­que ela não era capaz de simbolizar tão perfeitamente como o homem. De fato, para podermos entender a misoginia que daí por diante caracterizará a cultura patriarcal, é preciso analisar a maneira como as ciências psicológicas mais atuais apontam para uma estrutura psíquica feminina bem diferente da masculina.

A mesma idade em que o menino conhece a tragédia da castração imaginária, a menina resolve de outra maneira o conflito que a conduzirá á maturidade. Porque já vem castrada, isto é, porque não tem pênis (o símbolo do poder e do prazer, no patriarcado), quando seu desejo a leva para o pai ela não entra em conflito com a mãe de maneira tão trágica e aguda como o menino entra com o pai por causa da mãe. Porque já vem castrada, não tem nada a perder. E a sua identificação com a mãe se resolve sem grandes traumas. Ela não se desliga inteira­mente das fontes arcaicas do prazer (o corpo da mãe). Por isso, também, não se divide de si mesma como se divide o homem, nem de suas emoções. Para o resto da sua vida, conhecimento e prazer, emoção e inteligência são mais integrados na mulher do que no homem e, por isso, são perigosos e desestabilizadores de um sistema que repousa inteiramente no controle, no poder e, portanto, no conhecimento dissociado da emoção e, por isso mesmo, abstrato.

De agora em diante, poder, competitividade, conhecimento, controle, manipulação, abstração e violência vem juntos. O amor, a integração com o meio ambiente e com as próprias emoções são os elementos mais desestabilizadores da ordem vigente. Por isso é preciso precaver-se de todas as maneiras contra a mulher, impedi-la de inter­ferir nos processos decisórios, fazer com que ela introjete uma ideologia que a convença de sua própria inferioridade em relação ao homem.

E não espanta que na própria Bíblia encontremos o primeiro indício desta desigualdade entre homens e mulheres. Quando Deus cria o homem, Ele o cria só e apenas depois tira a companheira da costela deste. Em outras palavras: o primeiro homem dá à luz (pare) a primei­ra mulher. Esse fenômeno psicológico de deslocamento é um mecanismo de defesa conhecido por todos aqueles que lidam com a psique humana e serve para revelar escondendo. Tirar da costela é menos violento do que tirar do próprio ventre, mas, em outras palavras, aponta para a mesma direção. Agora, parir é ato que não está mais ligado ao sagrado e é, antes, uma vulnerabilidade do que uma força. A mulher se inferioriza pelo próprio fato de parir, que outrora lhe assegurava a grandeza. A grandeza agora pertence ao homem, que trabalha e do­mina a natureza.

Já não é mais o homem que inveja a mulher. Agora é a mulher que inveja o homem e é dependente dele. Carente, vulnerável, seu desejo é o centro da sua punição. Ela passa a se ver com os olhos do homem, isto é, sua identidade não está mais nela mesma e sim em outro. O homem é autônomo e a mulher é reflexa. Daqui em diante, como o pobre se vê com os olhos do rico, a mulher se vê pelo homem.

Da época em que foi escrito o Gênesis até os nossos dias, isto é, de alguns milênios para cá, essa narrativa básica da nossa cultura patriarcal tem servido ininterruptamente para manter a mulher em seu devido lugar. E, aliás, com muita eficiência. A partir desse texto, a mulher é vista como a tentadora do homem, aquela que perturba a sua relação com a transcendência e também aquela que conflitua as relações entre os homens. Ela é ligada à natureza, à carne, ao sexo e ao prazer, domínios que têm de ser rigorosamente normatizados: a serpente, que nas eras matricêntricas era o símbolo da fertilidade e tida na mais alta estima como símbolo máximo da sabedoria, se transforma no demônio, no tentador, na fonte de todo pecado. E ao demônio é alocado o pecado por excelência, o pecado da carne. Coloca-se no sexo o pecado supremo e, assim, o poder fica imune à crítica. Apenas nos tempos modernos está se tentando deslocar o pecado da sexualidade para o poder. Isto é, até hoje não só o homem como as classes dominantes tiveram seu status sacralizado porque a mulher e a sexualidade foram penalizadas como causa máxima da de­gradação humana.

O Malleus como Continuação do Gênesis

Enquanto se escrevia o Gênesis no Oriente Médio, as grandes culturas patriarcais iam se sucedendo. Na Grécia, o status da mulher foi extremamente degradado. O homossexualismo era prática comum entre os homens e as mulheres ficavam exclusivamente reduzidas às suas funções de mãe, prostituta ou cortesã. Em Roma, embora durante certo período tivessem bastante liberdade sexual, jamais chegaram a ter po­der de decisão no Império. Quando o Cristianismo se torna a religião oficial dos romanos no século IV, tem início a Idade Média. Algo novo acontece. E aqui nos deteremos porque é o período que mais nos interessa.

Do terceiro ao décimo séculos, alonga-se um período em que o Cristianismo se sedimenta entre as tribos bárbaras da Europa. Nesse período de conflito de valores, é muito confusa a situação da mulher. Contudo, ela tende a ocupar lugar de destaque no mundo das decisões, porque os homens se ausentavam muito e morriam nos períodos de guerra. Em poucas palavras: as mulheres eram jogadas para o domínio público quando havia escassez de homens e voltavam para o domínio privado quando os homens reassumiam o seu lugar na cultura.

Na alta Idade Média, a condição das mulheres floresce. Elas têm acesso às artes, às ciências, à literatura. Uma monja, por exemplo, Hrosvitha de Gandersheim, foi o único poeta da Europa durante cinco séculos. Isso acontece durante as cruzadas, período em que não só a Igreja alcança seu maior poder temporal como, também, o mundo se prepara para as grandes transformações que viriam séculos mais tarde, com a Renascença.

E é logo depois dessa época, no período que vai do fim do século XIV até meados do século XV III que aconteceu o fenômeno generalizado em toda a Europa: a repressão sistemática do feminino. Estamos nos referindo aos quatro séculos de “caça às bruxas”.

Deirdre English e Barbara Ehrenreich, em seu livro Witches, Nurses and Midwives (The Feminist Press, 1973), nos dão estatísticas aterradoras do que foi a queima de mulheres feiticeiras em fogueiras durante esses quatro séculos. “A extensão da caça às bruxas é espantosa. No fim do século XV e no começo do século XVI, houve milhares e milhares de execuções - usualmente eram queimadas vivas na fogueira - na Alemanha, na Itália e em outros países. A partir de meados do século XVI, o terror se espalhou por toda a Europa, começando pela França e pela Inglaterra. Um escritor estimou o número de execuções em seiscentas por ano para certas cidades, uma média de duas por dia, ‘exceto aos domingos’. Novecentas bruxas foram executadas num único ano na área de Wertzberg, e cerca de mil na diocese de Como. Em Toulouse, quatrocentas foram assassinadas num único dia; no arcebispado de Trier, em 1585, duas aldeias foram deixadas apenas com duas mulheres moradoras cada uma. Muitos escritores estimaram que o número total de mulheres executadas subia à casa dos milhões, e as mulheres constituíam 85~Vo de todos os bruxos e bruxas que foram executados.”

Outros cálculos levantados por Marilyn French, em seu já citado livro, mostram que o número mínimo de mulheres queimadas vivas é de cem mil.

Desde a mais remota antiguidade, as mulheres eram as curadoras populares, as parteiras, enfim, detinham saber próprio, que lhes era transmitido de geração em geração. Em muitas tribos primitivas eram elas as xamãs. Na Idade Média, seu saber se intensifica e aprofunda. As mulheres camponesas pobres não tinham como cuidar da saúde, a não ser com outras mulheres tão camponesas e tão pobres quanto elas. Elas (as curadoras) eram as cultivadoras ancestrais das ervas que devolviam a saúde, e eram também as melhores anatomistas do seu tempo. Eram as parteiras que viajavam de casa em casa, de aldeia em aldeia, e as médicas populares para todas as doenças.

Mais tarde elas vieram a representar uma ameaça. Em primeiro lugar, ao poder médico, que vinha tomando corpo através das universidades no interior do sistema feudal. Em segundo, porque formavam organizações pontuais (comunidades) que, ao se juntarem, formavam vastas confrarias, as quais trocavam entre si os segredos da cura do corpo e muitas vezes da alma. Mais tarde, ainda, essas mulheres vieram a participar das revoltas camponesas que precederam a centralização dos feudos, os quais, posteriormente, dariam origem às futuras nações.

O poder disperso e frouxo do sistema feudal para sobreviver é obrigado, a partir do fim do século XIII, a centralizar, a hierarquizar e a se organizar com métodos políticos e ideológicos mais modernos. A noção de pátria aparece, mesmo nessa época (Klausevitz).

A religião católica e, mais tarde, a protestante contribuem de maneira decisiva para essa centralização do poder. E o fizeram através dos tribunais da Inquisição que varreram a Europa de norte a sul, leste e oeste, torturando e assassinando em massa aqueles que eram julga­dos heréticos ou bruxos.

Este “expurgo” visava recolocar dentro de regras de comporta­mento dominante as massas camponesas submetidas muitas vezes aos mais ferozes excessos dos seus senhores, expostas à fome, à peste e à guerra e que se rebelavam. E principalmente as mulheres.

Era essencial para o sistema capitalista que estava sendo forjado no seio mesmo do feudalismo um controle estrito sobre o corpo e a sexualidade, conforme constata a obra de Michel Foucault, História da Sexualidade. Começa a se construir ali o corpo dócil do futuro trabalhador que vai ser alienado do seu trabalho e não se rebelará. A partir do século XVII, os controles atingem profundidade e obsessividade tais que 05 menores, os mínimos detalhes e gestos são normatizados.

Todos, homens e mulheres, passam a ser, então, os próprios controladores de si mesmos a partir do mais íntimo de suas mentes. E assim que se instala o puritanismo, do qual se origina, segundo Tawnwy e Max Weber, o capitalismo avançado anglo-saxão. Mas até chegar a esse ponto foi preciso usar de muita violência. Até meados da Idade Média, as regras morais do Cristianismo ainda não tinham penetrado a fundo nas massas populares. Ainda existiam muitos núcleos de “pa­ganismo” e, mesmo entre os cristãos, os controles eram frouxos.

As regras convencionais só eram válidas para as mulheres e homens das classes dominantes através dos quais se transmitiam o poder e a herança. Assim, os quatro séculos de perseguição às bruxas e aos heréticos nada tinham de histeria coletiva, mas, ao contrário, foram uma perseguição muito bem calculada e planejada pelas classes domi­nantes, para chegar a maior centralização e poder.

Num mundo teocrático, a transgressão da fé era também transgressão política. Mais ainda, a transgressão sexual que grassava solta entre as massas populares. Assim, os inquisidores tiveram a sabedoria de ligar a transgressão sexual à transgressão da fé. E punir as mulheres por tudo isso. As grandes teses que permitiram esse expurgo do femi­nino e que são as teses centrais do Malleus Maleficarum são as seguintes:

1) O demônio, com a permissão de Deus, procura fazer o máximo de mal aos homens a fim de apropriar-se do maior número possível de almas.

2) E este mal é feito prioritariamente através do corpo, único “lugar” onde o demônio pode entrar, pois “o espírito [do homem] é governa­do por Deus, a vontade por um anjo e o corpo pelas estrelas” (Parte 1, Questão 1). E porque as estrelas são inferiores aos espíritos e o demônio é um espírito superior, só lhe resta o corpo para dominar.

3) E este domínio lhe vem através do controle e da manipulação dos atos sexuais. Pela sexualidade o demônio pode apropriar-se do corpo e da alma dos homens. Foi pela sexualidade que o primeiro homem pecou e, portanto, a sexualidade é o ponto mais vulnerável de todos os homens.

4) E como as mulheres estão essencialmente ligadas à sexualidade, elas se tornam as agentes por excelência do demônio (as feiticeiras). E as mulheres têm mais conivência com o demônio “porque Eva nasceu de uma costela torta de Adão, portanto nenhuma mulher pode ser reta” (1,6).

5) A primeira e maior característica, aquela que dá todo o poder às feiticeiras, é copular com o demônio. Satã é, portanto, o senhor do prazer.

6) Uma vez obtida a intimidade com o demônio, as feiticeiras são capazes de desencadear todos os males, especialmente a impotência masculina, a impossibilidade de livrar-se de paixões desordenadas, abortos, oferendas de crianças a Satanás, estrago das colheitas, doenças nos animais etc.

7) E esses pecados eram mais hediondos ao que os próprios pecados de Lúcifer quando da rebelião dos anjos e dos primeiros pais por ocasião da queda, porque agora as bruxas pecam contra Deus e o Redentor (Cristo), e portanto este crime é imperdoável e por isso só pode ser resgatado com a tortura e a morte.

Vemos assim que na mesma época em que o mundo está entrando na Renascença, que virá a dar na Idade das Luzes, processa-se a mais delirante perseguição às mulheres e ao prazer. Tudo aquilo que já es­tava em embrião no Segundo Capítulo do Gênesis torna-se agora sinistramente concreto. Se nas culturas de coleta as mulheres eram quase sagradas por poderem ser férteis e, portanto, eram as grandes estimuladoras da fecundidade da natureza, agora elas são, por sua capacidade orgástica, as causadoras de todos os flagelos a essa mesma natureza. Sim, porque as feiticeiras se encontram apenas entre as mulheres orgásticas e ambiciosas (1, 6), isto é, aquelas que não tinham a sexualidade ainda normatizada e procuravam impor-se no domínio público, exclusivo dos homens.

Assim, o Malleus Maleficarum, por ser a continuação popular do Segundo Capítulo do Gênesis, torna-se a testemunha mais importante da estrutura do patriarcado e de como esta estrutura funciona concretamente sobre a repressão da mulher e do prazer.

De doadora da vida, símbolo da fertilidade para as colheitas e os animais, agora a situação se inverte: a mulher é a primeira e a maior pecadora, a origem de todas as ações nocivas ao homem, à natureza e aos animais.

Durante três séculos o Malleus foi a bíblia dos Inquisidores e esteve na banca de todos os julgamentos. Quando cessou a caça às bruxas, no século XVIII, houve grande transformação na condição feminina. A sexualidade se normatiza e as mulheres se tornam frígidas, pois orgasmo era coisa do diabo e, portanto, passível de punição. Reduzem se exclusivamente ao âmbito doméstico, pois sua ambição também era passível de castigo. O saber feminino popular cai na clandestinidade, quando não é assimilado como próprio pelo poder médico masculino já solidificado. As mulheres não têm mais acesso ao estudo como na Idade Média e passam a transmitir voluntariamente a seus filhos valores patriarcais já então totalmente introjetados por elas.

É com a caça às bruxas que se normatiza o comportamento de homens e mulheres europeus, tanto na área pública como no domínio do privado.

E assim se passam os séculos.

A sociedade de classes que já está construída nos fins do século XVIII é composta de trabalhadores dóceis que não questionam o sistema.

As Bruxas do Século XX

Agora, mais de dois séculos após o término da caça às bruxas, é que podemos ter uma noção das suas dimensões. Neste final de século e de milênio, o que se nos apresenta como avaliação da sociedade industrial? Dois terços da humanidade passam fome para o terço restante superalimentar-se; além disto há a possibilidade concreta da destruição instantânea do planeta pelo arsenal nuclear já colocado e, principalmente, a destruição lenta mas contínua do meio ambiente, já chegando ao ponto do não-retorno. A aceleração tecnológica mostra-se, portanto, muito mais louca dos inquisidores.

Ainda neste fim de século outro fenômeno está acontecendo: na mesma jovem rompem-se dois tabus que causaram a morte das feiticeiras: a inserção no mundo público e a procura do prazer sem repressão. A mulher jovem hoje liberta-se porque o controle da sexualidade e a reclusão ao domínio privado formam também os dois pilares da opressão feminina.

Assim, hoje as bruxas são legião no século XX. E são bruxas que não podem ser queimadas vivas, pois são elas que estão trazendo pela primeira vez na história do patriarcado, para o mundo masculino, os valores femininos. Esta reinserção do feminino na história, resgatando o prazer, a solidariedade, a não-competição, a união com a natureza, talvez seja a única chance que a nossa espécie tenha de continuar viva.

Creio que com isso as nossas bruxinhas da Idade Média podem se considerar vingadas!
PNUD: o que se pode aprender com os números

DESIGUALDADE ENTRE BRANCOS E NEGROS DIMINUI POUCO


O IDH-M da população negra teve uma evolução ligeiramente maior que o dos brancos ao longo da última década, chegando a 0,700, enquanto o dos brancos chegava a 0,811. Em 1991, o índice dos negros era de 0,619, contra um índice de 0,757 dos brancos.

Apesar da redução da distância, as diferenças entre uma população e outra ainda são acentuadas. O IDH-M de 0,811 colocaria os brancos brasileiros no rol de países com alto desenvolvimento humano. Já o IDH-M de 0,700 dos negros está na faixa dos países com médio desenvolvimento humano. Se fôssemos comparar os resultados com os do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2002, o índice dos brancos seria equivalente ao dos Emirados Árabes Unidos (46º lugar no ranking de 173 países), enquanto o dos negros seria similar ao da República Moldova (105º lugar).

Entre 1991 e 2000, os negros brasileiros tiveram sua maior evolução em desenvolvimento humano na dimensão educação. Seu índice nesse quesito saltou de 0,666 para 0,799. O fator que mais contribuiu para esse salto foi um espetacular crescimento da taxa bruta de freqüência à escola que passou de 58,3% para 79,0%. Sua taxa de alfabetização passou de 70,8% para 80,3%.

A evolução dos negros nesse item, especialmente quanto à taxa de freqüência à escola, pode ser atribuída à universalização do ensino fundamental nos últimos dez anos no país. Mais crianças negras estão nas salas de aula. Ao mesmo tempo, o aumento da taxa de freqüência dos brancos foi de 69,6% para 84,9%.

Na dimensão longevidade, o avanço dos negros também foi proporcionalmente maior do que o dos brancos. A esperança de vida ao nascer (EVN) dos brancos -71 anos- continua muito maior que a dos negros - 65,7 anos. Porém, ao longo da década, a EVN da população negra cresceu 11,9%, praticamente o dobro do crescimento registrado pelos brancos, que foi de 6,7%.

Na dimensão renda, entretanto, o abismo que separa brancos e negros no Brasil permaneceu imutável. Em 1991, a renda per capita média da população negra era 41% da renda da população branca: R$ 128,68 contra R$ 316,70. Em 2000 essa proporção oscilou para 40%: R$ 162,84 contra R$ 406,77.

Longo caminho a percorrer

Há uma outra maneira de comparar a evolução do desenvolvimento humano entre negros e brancos. Chamada de “shortfall”, essa técnica mede quanto da distância que faltava para o IDH ideal uma determinada população conseguiu encurtar em determinado período. No caso dos brancos brasileiros, de 1991 a 2000 eles conseguiram diminuir em 22,5% a distância que os separava do IDH ideal (igual a 1). Ao mesmo tempo, os negros só conseguiram reduzir a distância para o desenvolvimento humano total em 21,3%.

A vantagem desse método é mostrar que, a despeito de grandes avanços, como os obtidos pela população negra brasileira nos anos 90, aqueles grupos que partem de uma situação mais desvantajosa no desenvolvimento humano precisam de um esforço ainda maior para se aproximar da meta ideal do IDH.

Concretamente, os negros brasileiros tinham um IDH de 0,619 em 1991. Sua distância em relação ao desenvolvimento humano total, simbolizado pelo IDH igual a 1, era de 0,381. Em 2000 essa distância havia sido encurtada para 0,300. Ou seja, eles percorreram 21,3% do caminho até o IDH ideal. No caso dos brancos, a distância caiu de 0,243 para 0,189, o que significa uma redução de 22,5% em relação ao desenvolvimento humano total.

Fonte: PNUD

6 de mar. de 2003

Cadê os links novos que postei???


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melda, se eu escrever palavrões não poderei acessar o blog do meu trabalho.

E como eu quero xingar...
Droga de template

tento mudar, mas nada ocorre. Não sei se é o meu provedor ou o do blog.

Diacho!!!!!
Relação de Postos Revendedores Autuados e/ou Interditados por Problemas de Qualidade dos Combustíveis

Você quer saber quais os postos de gasolina que já foram autuados nos últimos anos? Então clique aqui.
Obrigatório para leitura

Mentira e cara-durismo
(Ou: a imprensa no reinado FHC)


Aloysio Biondi

Faleceu no dia 21 de julho de 2000 o jornalista, colunista dos jornais Diário Popular e Correio Braziliense e colaborava com as revistas Caros Amigos, Bundas,Educação, entre outras e professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero desde 1999


"Uai, então o governo e seus aliados também sabem que o Brasil está mal ?" Coçando a cabeça, era essa a reflexão do pobre cidadão brasileiro, em novembro último, ao ler, ver ou ouvir figurões de Brasília e celebridades da mídia explicarem que a inflação, subitamente renascida, não preocupava nem um pouco. "Ah, diziam candidamente os Polianas, essa alta é passageira. Não tem jeito de a inflação avançar..." Por que? "É simples." Pontificavam "o brasileiro está sem poder aquisitivo, a massa salarial (total de salários pagos pelas empresas) caiu 5%, por isso o consumo despencou. Então, a indústria e o comércio não têm condições de majorar seus preços, mesmo que sofram aumentos forçados de custos de matérias-primas,como o petróleo, ou peças e componentes que importam de suas matrizes, encarecidos este ano com a alta do dólar. Se aumentarem preços, aí que as empresas não vendem mesmo."

A surpresa do perplexo cidadão brasileiro não era, certamente, com o otimismo de Brasília, delirantemente exibido nos últimos anos. Tampouco, com o adesismo dos de-formadores de opinião, cada vez mais desnudados aos olhos do público, a ponto de alguns deles provocarem engulhos até em antigos admiradores. A surpresa, mesmo, era com o total cara-durismo do governo FC e adeptos: "Uai, ué, refletia o cidadão: até há poucos dias, a gente só via, lia e ouvia esse pessoal dizer que o Brasil "surpreendeu", a economia está muito bem; a indústria, em recuperação; o consumidor, voltando às compras... Cumé que, da noite para o dia, o governo e imprensa passam a dizer exatamente o contrário, a admitir que o Brasil está em recessão, forçados a mudar de conversa para dizer que a inflação não assusta ? "
Na verdade, a volta da inflação criou uma das poucas oportunidades em que o povo brasileiro pôde descobrir, por si mesmo, a gigantesca e , mais do que vergonhosa, deprimente e lesa-sociedade, manipulação do noticiário econômico (e político) no governo FHC. Sem medo de exagerar, pode-se comprovar que as técnicas jornalísticas e a experiência de profissionais regiamente pagos foram utilizadas permanentemente para encobrir a realidade. Valeu lançar mão de tudo: de manchetes falsas, inclusive "invertendo a informação", a colocar o lide no final das matérias, isto é, esconder a informação realmente importante nas últimas quatro linhas.
Segue-se um pequeno roteiro, dos truques mais usados para pelos meios de comunicação, para ajudar o leitor a ler, ver e ouvir os meios de comunicação brasileiros neste reinado de FHC. Ou para ajudar os estudantes de comunicação e jornalistas principiantes a decidirem se estão dispostos a aderir ao jogo da manipulação.

Advertência essencial : é absolutamente injusta, e até politicamente equivocada, a mania de criticar o adesismo desta ou daquela rede de TV, deste ou daquele jornal e, principalmente, deste ou aquela colunista/comentarista de economia e política. Esse é um grave erro político, porque transmite à opinião pública a falsa impressão de que a manipulação ­ permanente, permanente ­ tem sido feita por este ou aquele veículo, ou por este e aquele profissional. Com isso, acaba-se levando a sociedade a acreditar que se trata de exceções, quando a verdade é que a manipulaçao é generalizada e constante, contando-se nos dedos os profissionais e veículos que têm procurado manter a equidistância em relação ao governo FHC e interesses a ele ligados. Por isso mesmo, como seria injusto citar especificamente determinados veículos e jornalistas, todos os exemplos abaixo são reais, retirados do noticiário e devidamente guardados em nossos arquivos, mas deixamos de identificar seus autores.


Truque 1
MANCHETE ÀS AVESSAS


A falta de ética da imprensa chegou a tal ponto, que se chega a inverter completamente a informação, para enganar o público. Excelente exemplo dessa prática ocorreu com uma pesquisa sobre o endividamento das famílias brasileiras, realizada por uma empresa de consultoria. As conclusões foram aterradoras: nada menos de 40% do orçamento familiar já estava "amarrado" com o pagamento de compromissos financeiros: cartões de crédito, cheques pré-datados, prestações diversas. E, mais exatamente: esse comprometimento havia exatamente duplicado, de 20 para 40%, após o Real. Qual a importância desse dado ? Ele já mostrava as perspectivas de problemas sérios para a economia, com menos dinheiro disponível para o consumo, isto é, mais recessão ­e aumento inevitável da inadimplência, ou "calote" forçado, por parte dos consumidores. Os resultados da pesquisa ganharam uma manchete na edição dominical. Mas, pasme-se o leitor: o editor fez uma mágica desonesta. A manchete dizia: " Dobra o acesso do consumidor ao crédito", e o texto mentia que, "graças à estabilidade da moeda, as famílias brasileiras já estão conseguindo planejar seus orçamentos, e programar o endividamento desejado, lá-rá-li-lá-rá-lá, e as instituições financeiras, reconhecendo a nova situação criada pelo Real, blém-blém-blém, até duplicaram a concessão de financiamentos ao consumidor..." Pois é. Cinismo total. Com um toque de mágica e muita falta de ética, os problemas foram transformados em "novas vantagens" do Real, martelando-se na tecla da "estabilidade da moeda", que tantos dividendos políticos trazia ao governo FHC...

Truque 2
MANCHETES ENCOMENDADAS


O governo fornece textos e dados estatísticos para os meios de comunicação noticiarem com destaque, geralmente em manchete, mentiras ou verdades aparentes. A estratégia é usada em muitas ocasiões: para obter apoio da opinião pública; para impedir a formação de CPIs, para esconder desmandos do governo; para forçar a aprovação de "reformas", para justificar "privatizações", para desmoralizar oposicionistas e assim por diante. Exemplos ? O governo FHC massacrou a a agricultura com a cobrança da TR , até 40% acima da inflação, e cortes violentos no crédito para plantio. Os agricultores, arruinados, pediram a renegociação das dívidas, para poder pagá-las a longo prazo. O governo pautou os jornais e revistas para provar que os produtores eram "caloteiros". Matérias sórdidas foram publicadas contra eles. No entanto, nos últimos dias de 1999, em entrevista à Folha de São Paulo, o presidente FHC reconheceu como "um dos maiores erros do seu governo" que os agricultores tinham razão, e que ele havia pensado que era tudo "choradeira" (esse reconhecimento por parte do presidente não teve nenhum destaque na edição da entrevista. A opinião pública continua a acreditar, portanto, que os agricultores são "caloteiros").
Como desmoralizar oposicionistas ? Em novembro, manchete anunciava que "Aposentadorias fraudulentas foram descobertas no Banco Central". A notícia revelava um caso insignificante, com a descoberta de uma quadrilha que havia falsificado documentos para 50 funcionários públicos, dos quais l6 do BC. Por que ganhou a manchete, de forma duplamente desonesta, já que dava todo o destaque ao pessoal do BC, que sequer era a maioria dos beneficiários (50) envolvidos ? Claramente, material e destaque pedidos pelo governo, porque o pessoal do Banco Central estava denunciando, ao Congresso, aberrações cometidas pelo presidente do BC, que iriam reduzir a fiscalização sobre os bancos e remessa de dólares, narcotráfico, lavagem de dinheiro etc.

Truque 3
CIFRAS ENGANOSAS



Mais mágicas ? A falta de apoio ao Nordeste, no auge da seca, contribuiu para derrubar a popularidade presidencial. Para ganhar o perdão da opinião pública, nada melhor portanto do que reforçar aquela velha ladainha de que o dinheiro destinado à região é mal aplicado, desviado pelas elites e coronéis. Maquiavelicamente, manchete (sempre encomendada) de domingo dizia : "Empresas do Nordeste desviam 550 milhões de reais". O que o texto mostrava ? Que os incentivos (desconto do Imposto de Renda) para projetos no Nordeste tinham sido mal utilizados, com empresas beneficiadas indo à falência, ou mesmo aplicando em "projetos fantasmas". Para os leitores, uma "prova da bondade do governo", e uma "prova de que o Nordeste é um saco sem fundo". Os brasileiros sempre se impressionam com cifras que falam em "milhões", não conseguindo ver a diferença entre eles, "milhões", e "bilhões". A manchete se aproveitava disso, dando a impressão de um "rombo gigantesco"quel na verdade, não passa de meio bilhão de reais ­ contra os 42 bilhões (com "b") de reais doados para socorrer os banqueiros no programa Proer, por exemplo. Mas a desonestidade dessa manchete e do governo foi muitíssimo mais longe: o texto dizia que aquele "rombo" foi acumulado desde a fundação da Sudene, em l959. Isto é, o "rombo" maquiavelicamente anunciado era a soma de todas as perdas e desvios ao longo de nada mais nada menos de 40 anos. Conta que, evidentemente, nenhum leitor faz ­ e por isso mesmo é função dos jornalistas fazerem ­ quando querem informar, e não manipular pró-governo. E tem mais: se os 550 milhões de reais forem divididos pelos 40 anos, darão apenas uns l3 milhões (com "m") por ano, cifra absolutamente ridícula, verdadeiros tostões.
Mas a manchete maquiavélica cumpriu a missão de "salvar a cara" do governo FHC, às custas do reforço dos preconceitos contra o Nordeste e os nordestinos. Missão duplamente cumprida.

Truque 4
LIDE ÀS AVESSAS


Conhecer este truque ajuda muito a quem não quer gastar muito tempo lendo os jornais e revistas, e quer a informação verdadeira. No jornalismo do reinado FHC, é bobagem confiar nos títulos e na abertura, ou primeiras linhas (lide) da matéria, que são sempre otimistas. Os editores escondem a verdade, isto é, os problemas, nas "últimas quatro linhas" - o que lhes permite fingir que não estão deixando de noticiar nada, uma atitude hipócrita, pois eles sabem mutíssimo bem que a informação que impressiona o leitor é aquela estampada no título e do lide. Técnica de edição, certo ? Diariamente, os jornais estão cheios desse truque de escondeção da verdade. Um exemplo freqüente se refere às vendas do comércio, que vão mal há muito tempo. São publicadas extensas entrevistas com fontes pró-governo dizendo que está tudo ótimo; lá nas últimas quatro linhas, vem a informação verdadeira , que é a violenta queda nas consultas ao Telecheque (como aconteceu no último Natal) ou ao SPC, utilizados como "termômetros das vendas".

Truque 5
PROMETENDO O FUTURO



Poucos brasileiros sabem que a venda de automóveis caiu a menos da metade no país: eram 180 mil veículos por mês, em 1997,e menos de 80 mil, nos últimos meses de l999 . Da mesma forma que a venda de televisores despencou de 8,0 milhões para 4,0 milhões por ano (como se vê, o presidente da República e os de-formadores de opinião têm toda a razão quando dizem que a "crise" não é tão grande quanto os "catastrofistas" previam... Imagine-se se fosse). Por que essas informações são desconhecidas ? Primeiro, porque nunca chegam às manchetes. Há mais, porém. Aqui, o truque é esconder o resultado do mês (nas últimas quatro linhas, de preferência), e entrevistar o presidente da associação, federação ou confederação do setor, geralmente capachildos pró-governo. Como bom capachildo, ele fará uma previsão de que "no próximo mês, o setor deve crescer 10% a 20%", e os jornalistas poderão alegremente colocar esse futuro otimista no título ­ mantendo a ética, o respeito à informação, é claro. Todos hipócritas.

Truque 6
O SUJEITO ERRADO


"Sujeito", dizem os gramáticos, "é quem pratica a ação". Não para os jornalistas do reinado FHC, claro. Em abril, títulos de páginas internas gritavam que "Seca aumenta a mortalidade infantil no Nordeste". No texto, as verdades, e as mentiras. Terríveis: no interior nordestino, a mortalidade infantil chegou a 400 crianças mortas para cada 1.000 crianças de até um ano. Um dado espantoso, pois representa o recorde do índice mundial de 200 crianças mortas ­ pertencente até então ... à África subsaarica, devastada pela seca e pelas guerras tribais. No texto, a causa da mortandade: distribuição de cestas básicas suspensa há três meses. Corte de 60% nas "frentes de trabalho" , e atraso de três meses no pagamento aos flagelados que continuaram trabalhando. Moral da história: quem está matando as crianças (e adultos também) do Nordeste não é a "seca". O autor da ação, o "sujeito", é outro portanto: o governo FHC, que cortou e reteve as verbas para a região ­ como, de resto, para todas as áreas sociais, dentro do programa de "ajuste fiscal", ou saldo positivo para o Tesouro (sem contar o pagamento dos juros), combinado com o FMI. Nestes tempos de hipocrisia e cinismo, os de-formadores de opinião encobrem até genocídios ­ e depois, angelicalmente, escrevem ou fazem comentários indignados quando, em certa época do ano, aparecem os relatórios de organismos como a Unicef falando das mazelas sociais no Brasil. Indignação, por que ? São cúmplices do genocídio e de tudo o mais...

Truque 6
O BOI PELO BIFE

Outra técnica para esconder a realidade é deixar de lado o quadro geral, negativo, e "pinçar" um dado positivo, para dar destaque a ele, no título e no lide. Exemplo incrível, mas verdadeiro: em um trimestre, houve queda no PIB (valor dos bens e serviços produzidos no País), isto é, a economia recuou. Agricultura, indústria, comércio, tudo recuou. Houve somente uma exceção: a economia do Rio cresceu, por causa do valor da produção de petróleo na fantástica bacia de Campos. Os jornalistas não tiveram dúvida: começaram a matéria por aí, e tascaram no título: "Economia do Rio cresce". O bife no lugar do boi.


Truque 7
O BIFE PELO BOI

No truque anterior, escolhe-se um determinado aspecto da notícia,ou o bife, para não falar do todo, isto é, do boi. E há também o truque inverso, isto é, falar do boi para esconder o bife. Como assim ? Lá vai mais um exemplo real. Ao contrário do que dizem o governo e de-formadores de opinião, os banqueiros não voltaram a emprestar ao Brasil, em l999. Sempre escondidos, os dados sobre financiamentos externos ou vendas de títulos no exterior, quando surgiam eram sempre acompanhados de afirmações tipo "os banqueiros internacionais estão emprestando menos para os países emergentes, porque estão com medo do bug do milênio". Isto é, os cofres não estavam fechados apenas para o Brasil (o bife), mas para todos os países emergentes (o boi). Essa versão foi plenamente confirmada na manchete "Banqueiros emprestam menos à América Latina", de uma reportagem de página inteira publicada no final de 1999. O texto tambÉm confirmava a ladainha. Mas a publicação trazia também uma tabela de estatísticas e, quem se dispusesse a analisá-la, teria uma "surpresa": realmente,os empréstimos à América Latina (o boi) como um todo haviam caído l2 bilhões de dólares. Mas, analisando-se a tabela, via-se que a Argentina recebeu 8 bilhões de dólares a mais; o México, l,0 bilhão a mais; o Chile, l,0 bilhão de dólares a mais. Em resumo, esses três países juntos receberam 10 bilhões de dólares a mais, na comparação com o ano anterior. Por que então a América Latina ficou com l2 bilhões a menos ? Porque o Brasil , sim, recebeu 22 bilhões de dólares a menos. Essa era a notícia, e o título verdadeiros: bancos não emprestam ao Brasil. Como isso desmascararia o governo e seus de-formadores, a tática foi deixar os números só na tabela e publicar manchete e texto enganosos.


Truque 8
OMISSÃO ESCANDALOSA


Este breve roteiro da manipulação no reinado de FH poderia ser alongado infinitamente. Por enquanto, fica-se por aqui. Não se pode deixar de falar, no entanto, na omissão total de determinadas informações, levantando-se desde já uma ressalva. Sempre pareceu odioso meios de comunicação ignorarem determinados fatos. Mas será mesmo que é menos odioso a toda a manipulação vista acima, que acaba transmitindo conceitos errados à opinião pública, levando-a a apoiar propostas incorretas e rejeitar caminhos que melhor atenderiam os interesses do País? Como exemplo máximo da omissão total e indecente de informação,. não se pode deixar de citar o acordo entre o governo e os meios e profissionais de comunicação, para esconder a disparada dos preços do petróleo no mercado mundial, que mais do que duplicaram desde janeiro/fevereiro de 1999. Durante dois anos, os preços do petróleo se mantiveram em queda no mercado mundial, saindo de 20 dólares para menos de 10 dólares o barril, em janeiro deste ano. A partir daí, os países produtores iniciaram negociações para cortar a produção e forçar a recuperação dos preços, que entraram em alta já em fevereiro. O acordo foi feito em 23 de março, os preços subiram 30%, 40%, 60% 100%, sem que aparecesse nenhuma informação na imprensa brasileira- que, ironicamente, sempre foi extremamente preocupada com o menor reajuste que houvesse para os combustíveis. Essa conspiração do silêncio foi tão intensa, que a opinião pública levou um susto quando os preços da gasolina subiram: ninguém sabia da alta mundial. Por que essa conspiração? Porque o governo havia marcado leilões para doar, a multinacionais, as áreas de petróleo descobertas pela Petrobrás, exigindo apenas "preços simbólicos" em troca. O grande argumento do governo para essa "doação" era, exatamente, que o mercado mundial de petróleo havia desabado, e "ninguém queria mais explorá-lo". Quando os preços dispararam, era preciso esconder a realidade para evitar reações no Congresso - ou da opinião pública. A conspiração pactuou com um dos maiores assaltos praticados contra a sociedade brasileira: há áreas na região do litoral de Campos com reservas de até 2,0 bilhões de barris, isto é, que podem faturar 40 bilhões (com a letra "b") de dólares, ou 80 bilhões de reais, com o barril a 20 dólares (preço "normal" dos últimos anos). O maior preço recebido pelo governo brasileiro foi de míseros l50 milhões (com a letra "m") de dólares, já incluído aí o ágio oferecido pela multinacional. Crime de lesa-sociedade, só possível com a conivência e cumplicidade da imprensa, mestra da manipulação no reinado FHC.

Fonte: http://www.facasper.com.br/jo/anuario/1999/biondi.htm