18 de ago. de 2003

Brasil 2000

O que aconteceu à cultura política do Brasil? Na década de 60 a efervescência era digna de um copo de sonrisal. Havia uma procura sobre estabilidade social, de entendimento nacional, mesmo que houvesse uma sadia dualidade política. O muro de Berlim, erigido a pouco, marcara a política mundial como a linha de Greenwich fez com o tempo.

A década de 70 serviu como o início da idade das trevas: os livros foram sendo queimados ou guardados longe do domínio público, os feudos fecharam e se fortificaram para o tempo que viria, a elite se comparou às divindades e procurou se eternizar no poder.

Os anos 80 vieram como um big bang. Uma grande explosão, seguida de várias outras menores. Os movimentos políticos do final de 70 e inicio da seguinte, a contrapartida mal executada da direita de manutenção da ordem. A própria rebeldia do rock BR, era a rebeldia política em sua essência musical, a ordem passara a ser a contra-ordem, a exigência da jovem juventude em seus direitos, era a reivindicação de seus pais que fora suprimida das gargantas.

Mas, as mudanças não ocorreram como desejava a maioria. As diretas não foram tão diretas assim. O caminho para o Brasil seguir tornava-se tortuoso. Houve a necessidade de se fazer um pacto para uma mudança, pacífica, na política brasileira. Foi nessa hora que um grupo de políticos viu que poderiam reinar no Brasil. Políticos, paulistas em sua essência, aliados com empresários de mídia anteviram um futuro brilhante para suas megalomanias. Pensaram num projeto de Brasil 2000, de como seria essa nação no próximo milênio. Arquitetaram um plano onde o mercado seria o principal agente realizador das mudanças. Para isso teriam que imitar uma nação que despontava como a maior já existente, de trazer o ‘american way of – political - life’ para o nosso dna. De importar um padrão para a classe média tupiniquim, um padrão que alterasse a inquietação de seus jovens. Afinal, uma classe média politizada é o que menos satisfazia à elite. Sua classe média precisava ser a mais superficial possível. A Barra da Tijuca, no Rio, é a síntese deste padrão hoje.

É importante lembrarmos que entre os anos de 83 a 86 a Rede Globo organizou no Estado de São Paulo o projeto SP 2000. Projeto que pretendia discutir com a sociedade os problemas e as soluções para São Paulo chegar ao ano de 2000 como um grande e forte estado. Eis alguns nomes que trabalharam neste projeto e que são peças-chaves da política dos anos 90: Leopoldo Collor era diretor da Rede Globo em São Paulo; Mário Covas, prefeito da cidade de São Paulo; Fernando Henrique, grande aposta ao Governo de São Paulo em 83 e vendido pela imprensa como eleito na eleição seguinte (perdeu para Jânio Quadros); Franco Montoro; governador de São Paulo em 83; José Serra, secretário de economia de Mário Covas.

Na primeira eleição democrática depois de finda a ditadura, a elite se mostrava coesa apesar do excesso de candidatos. Havia uma pequena disputa interna sobre qual grupo coordenaria aquele projeto supramencionado. Tudo foi meticulosamente estudado, Collor foi gerado nas salas de reunião de uma agência de publicidade, levaria o seu grupo ao poder e para tanto seguiria as diretrizes de seus marqueteiros. Seu tempo de exposição em mídia foi bem programado, começou um ano e meio antes na mídia impressa, seus arquivos foram ‘esfriados’ para não descobrirem de quem se tratava. Porém, o brasileiro é um povo interessante e, assim como não compraram a roubalheira fabricada pela Rede Globo contra Brizola e nem aceitaram o clima de já ganhou com FH em São Paulo, mostraram que votariam naquele sapo barbudo que iria promover uma mudança radical na vida brasileira.

A elite se reuniu e fecharam com o Collor, que afinal todos sabiam do que queria: dinheiro e poder. Com Lula seria diferente. O PSDB, recém-formado e saído de um PMDB arrasado, orgulhoso de se auto intitular ‘o velho MDB da época da ditadura’, de ser o fiel depositário da social-democracia leva duas semanas para dar o seu apoio ao candidato do PT. Neste caso em particular, a elite partiu. O grupo de Mário Covas, em oposição ao de FH, decidira apoiar Lula, porém, o estrago já estava feito.

Quando Collor perdeu o apoio popular, a elite procurou talhar-lhe o poder. Collor não aceitou e em seu esperneio levou a vir à tona a trama em torno de sua candidatura. Novamente, a elite se juntou para conduzir o Brasil ao novo milênio. Com a queda do Muro, sabiam que o discurso petista faria pouca diferença, afinal, o que se vendia na mídia era a de que a esquerda fora banida da face da terra, não havia mais direita, agora faziam todos parte de um só: era a era do pensamento único.

A oportunidade era aquela, o ordenamento era perfeito: o Estado no mundo era visto como nocivo ao mercado e o mercado era oferecido como a redenção do progresso mundial. O progresso científico acarretaria no progresso da humanidade, o bem-estar social seria ditado pelo consumo. As privatizações poderiam vir sem problemas, qualquer tentativa de impedimento por parte da sociedade seria tratada como atrasados, de pessoas sem senso de visão, de velhos comunistas chorosos da velha ordem. Enquanto o mundo discutia se a esquerda realmente sumira, aqui se tratava como verdade absoluta.

Mas o projeto do Brasil 2000 sucumbiu perante o mercado. As crises cíclicas do capitalismo tornavam-se mais constantes, a elite começa a duvidar do caminho a seguir. Alguns grupos acreditam que é a hora de seguir rumo próprio, mas o grupo de FH prefere continuar com o consenso de Washington. Começa a ruína do sistema.

O bombardeio de informações na mídia já não basta para desestabilizar a população, manobras marqueteiras já não conduzem a massa eleitoreira com a facilidade de 10 anos atrás e a esquerda faz uma intrigante composição política, mas sem o fisiologismo da aliança PSDB – PFL. Hoje, se diz que o governo de esquerda age como de centro, mas não falam que o governo passado que se dizia de centro-esquerda era de direita.

Mas uma coisa foi alterada no dna brasileiro, a crença de que esquerda já não existe mais. As pessoas crêem que o PT é o PSDB, acreditam que não existem diferenças entre as políticas partidárias, perderam a capacidade de síntese e de se organizar para mudar. A mídia continua com seu esvaziamento de conteúdo, mas agora criou-se o contrapeso de um Estado nacional forte, onde o papel da mídia terá que ser revisto. Afinal o discurso oficial agora é outro. A alienação será combatida e não estimulada. Muita coisa precisa mudar, mas o novo milênio começou de um modo muito particular, bem diferente de como julgava a elite e isso é ótimo.

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