Comparação de 100 indicadores vê diferenças entre governos Lula e FHC
Por Maurício Dias
O governo Lula é melhor do que o governo de Fernando Henrique Cardoso? Parece que sim, para 48% da população brasileira, conforme mostrou o Ibope divulgado em 17 de junho. A série histórica da pesquisa – encomendada desde setembro de 2003 pela Confederação Nacional da Indústria – indica que esse resultado positivo não é uma situação ocasional registrada agora, quando Lula atravessa, por sinal, uma tormenta política. A vantagem do governo petista sobre o tucano tem sido freqüente. Já foi maior (55% em setembro de 2003) e menor do que agora (em junho de 2004 baixou para 42%).
Política econômica
Os juros altos prejudicam o desempenho do governo petista na cesta de índices pesquisados
Seria essa uma percepção positiva advinda de falsos milagres atribuídos aos marqueteiros? Afinal, Lula tem usado bastante a publicidade para anunciar alguns de seus feitos administrativos. Parece que não, a julgar pela comparação de 100 indicadores de desempenho governamental medidos nos dois primeiros anos dos dois governos. Nesse confronto direto – Lula vs. FHC – a vitória do petista sobre o tucano é incontestável. Assim, os números sustentam o retrato feito pelas pesquisas.
“Nos 100 indicadores de desempenho, os dois primeiros anos do governo Lula bateram os do primeiro biênio FHC em 56 deles, contra 44 médias de FHC superiores às de Lula”, afirma o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em texto publicado na revista Insight Inteligência, que, por mala direta, circulará a partir da terça-feira 28 para um seleto número de autoridades, políticos e intelectuais.
O objetivo de Wanderley Guilherme dos Santos é o de oferecer um cardápio capaz de atiçar um debate que vá além das suposições feitas até agora. Estabelecida a comparação entre as variações dos dois primeiros anos do governo Lula – a fase que já possui séries completas – com as variações dos dois anos do primeiro e do segundo mandato de FHC, surge o governo que apresenta os melhores resultados. A consolidação dos indicadores em três categorias – “economia”, “produção” e “social” – pode ser o começo de uma reflexão sobre “qual tem sido o melhor governo”. Não havia, até então, um conjunto de informações tão grande como o que foi reunido por ele. Os números permitirão um julgamento mais consistente dos dois governos. Um que já acabou (FHC) e outro ainda em andamento.
Para Wanderley Guilherme, o resultado tira o argumento martelado pelas vozes de oposição: “É falsa a propaganda de que a gestão do atual governo inexiste ou é inepta”, disse ele a CartaCapital.
Wanderley Guilherme não entra na avaliação das políticas executadas, que, em alguns casos, são iguais ou bastante próximas. Ele convoca os “sérios investigadores” a imaginar e a pesquisar as razões pelas quais “o desempenho do primeiro biênio do governo Luiz Inácio Lula da Silva foi largamente superior ao desempenho dos dois mandatos da era FHC nos dois biênios considerados”.
Os resultados da pesquisa Ibope guardam uma relação expressiva com os indicadores. No ranking do instituto, a sondagem de junho mostra que o governo tem maus resultados no capítulo do “combate ao desemprego”. Para o Ibope, “as menções a esse tema, que chegaram a 17% em março, a melhor posição no ranking desde o início do governo, recuaram para 13%”. Há um crescimento na desaprovação quanto ao combate ao desemprego. Ou seja, uma condenação implícita à política de juros altos, considerada pelos especialistas como o principal entrave ao “espetáculo do crescimento”.
Isso está refletido na planilha dos indicadores sociais e pesa contra Lula. A pesquisa confronta indicadores de todo tipo, desde dados de desemprego e concessão de crédito até mesmo consumo de carne. Na rubrica “desemprego aberto”, o governo de Fernando Henrique supera o de Lula nos dois biênios. FHC ganha também no consumo de carne e há um empate no indicador “Operações de crédito do sistema financeiro – Habitação”, considerada a média dos três biênios. O governo tucano foi melhor, igualmente, na manutenção do salário mínimo real.
O governo Lula tem nítida vantagem sobre o “salário real médio – indústria”, no preço do pão francês e no preço do botijão de gás. Assim como vence, na média dos biênios, em relação ao número de famílias assentadas e no custo da cesta básica. Ao final, consideradas as 16 rubricas sociais da planilha, o governo Lula supera o de FHC por 10 a 6 (quadro Melhores Indicadores por Gestão – consolidado).
Na categoria “economia” – em cima de uma política herdada de FHC –, a administração Lula é melhor na balança comercial, em bens de capital, na contribuição da formação bruta de capital fixo para as riquezas do País (o Produto Interno Bruto, PIB). O governo do PT leva vantagem sobre o do PSDB na diminuição da dívida interna e, por conseqüência, na relação da dívida líquida com o PIB. É melhor, na média, o desempenho de Lula na redução da dívida externa. Os tucanos estão melhores na arrecadação de IPI. Lula vence na diminuição dos índices de inflação.
No capítulo da “produção”, a taxa de juros de longo prazo (TJLP) favorece Fernando Henrique Cardoso. Mas a Taxa Selic favorece o petista. O governo FHC foi melhor na “produção física – bebidas” e nas vendas de máquinas agrícolas. Lula ganha na produção de caminhões e em “máquinas e equipamentos”.
No confronto dos dois primeiros anos de Lula com os dois primeiros do segundo biênio de FHC, a vantagem de Lula aumenta para 59 resultados favoráveis, em 100, contra 40 de FHC, sobrando um empate, analisa Wanderley Guilherme. Na média geral, segundo ele, o desempenho dos dois primeiros anos de Lula é superior ao dos dois mandatos de FHC em 64 dos 100 indicadores comparados.
Há duas semanas, em entrevista a CartaCapital , Wanderley Guilherme dos Santos denunciou a possibilidade de um “golpe branco”, pretendido por adversários de Lula, e que seria apoiado pelos tucanos, em particular. Hoje, o cientista político revê parte de sua posição – acha que o ímpeto golpista foi amainado –, mas não deixa de fazer blague, ao considerar o resultado comparativo dos números, a popularidade que Lula ainda mantém e a eleição presidencial de 2006: “Esses números explicam as razões do golpe”.
Clique aqui e confira a tabela completa
28 de jun. de 2005
23 de jun. de 2005
Dioguianas
"Não estamos perdidos, pelo contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender".
Rosa de Luxemburgo
Rosa de Luxemburgo
21 de jun. de 2005
Terezas
Da série recordar é viver
FH, aqui mesmo nesta coluna, em 24 de maio de 2001, diante das denúncias e pedidos de CPI capitaneados pelo PT, acusou: “A leviandade da imprensa e o golpismo branco da oposição de estão criando um clima de fascismo e terror insuportável”.
Tereza Cruvinel (21-06-2005)
FH, aqui mesmo nesta coluna, em 24 de maio de 2001, diante das denúncias e pedidos de CPI capitaneados pelo PT, acusou: “A leviandade da imprensa e o golpismo branco da oposição de estão criando um clima de fascismo e terror insuportável”.
Tereza Cruvinel (21-06-2005)
A história que se repete
Ontem, no Roda Viva, ficou patente que o intuito do Bob Jefferson é o de colar no PT (via Zé Dirceu) de que todos são políticos. Ele acha normal que um empresário que tenha fortalecido o caixa de uma campanha seja beneficiado no governo [obviamente se for o vencedor].
Se ele afirma que o Marinho agia por conta própria (uma ninharia que ele pedira), será que não podemos supor que o Marinho assim agiu porque sabia das negociatas feitas pelo presidente de seu partido? Ou seja, o Marinho sabia que a cúpula pedia dinheiro para beneficiar empresários e, então, ele fez o mesmo.
O RJ reconhece o poder da imprensa para promover linchamentos públicos. Citou a CPI do PC como exemplo. Mesmo com a presidência e relatoria na mão do governo, não conseguiram segurar as denúncias que eram levantadas pela mídia. Em suma, ele quer repetir a história. Mas a história que se repete é uma farsa.
Ele acerta quando diz que sublimou o seu mandato. Porém, quando deverá valer este ato corajoso? Ministérios à parte, qual será a compensação? O afastamento do PT do governo? A quebra do patrimônio ético do PT? A mira é bem direcionada. Se em 89 miraram o PT como criminal por estar ligado à terroristas e seqüestradores, agora tentam colar a mesma pecha de criminal, mas como corruptor. Mas a história que se repete é uma farsa.
O estrago foi feito. Hoje, nas ruas, as pessoas acham que RJ é o homem da vassoura, que com sua verborragia limpará o congresso. Dirceu está queimado como corruptor-mor. E de Lula só falam que está tristonho e desanimado. Pois é, o RJ joga com a imprensa, promove o linchamento e boa parte da mídia o apóia, se não diretamente, lhe fornecendo um bom palanque.
Porém, o Ilimar está de parabéns pelas perguntas sem respostas. O RJ não respondeu uma pergunta dele. Só gostaria de ver na CPI como serão as perguntas.
Se ele afirma que o Marinho agia por conta própria (uma ninharia que ele pedira), será que não podemos supor que o Marinho assim agiu porque sabia das negociatas feitas pelo presidente de seu partido? Ou seja, o Marinho sabia que a cúpula pedia dinheiro para beneficiar empresários e, então, ele fez o mesmo.
O RJ reconhece o poder da imprensa para promover linchamentos públicos. Citou a CPI do PC como exemplo. Mesmo com a presidência e relatoria na mão do governo, não conseguiram segurar as denúncias que eram levantadas pela mídia. Em suma, ele quer repetir a história. Mas a história que se repete é uma farsa.
Ele acerta quando diz que sublimou o seu mandato. Porém, quando deverá valer este ato corajoso? Ministérios à parte, qual será a compensação? O afastamento do PT do governo? A quebra do patrimônio ético do PT? A mira é bem direcionada. Se em 89 miraram o PT como criminal por estar ligado à terroristas e seqüestradores, agora tentam colar a mesma pecha de criminal, mas como corruptor. Mas a história que se repete é uma farsa.
O estrago foi feito. Hoje, nas ruas, as pessoas acham que RJ é o homem da vassoura, que com sua verborragia limpará o congresso. Dirceu está queimado como corruptor-mor. E de Lula só falam que está tristonho e desanimado. Pois é, o RJ joga com a imprensa, promove o linchamento e boa parte da mídia o apóia, se não diretamente, lhe fornecendo um bom palanque.
Porém, o Ilimar está de parabéns pelas perguntas sem respostas. O RJ não respondeu uma pergunta dele. Só gostaria de ver na CPI como serão as perguntas.
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Roberto Jefferson
20 de jun. de 2005
Composição Parlamentar de Inquérito
A CPI dos correios irá começar, agora algumas ponderações deverão ser feitas para se tentar descobrir o que pode vir por aí.
Porquê deixaram o Jefferson falar tanto, quando ele devia se ater as respostas? Obviamente, o presidente da Comissão de Ética deixou; O quê faz o Luiz Otávio nesta investigação? Será que a Denise vai fazer o mesmo show que fez quando juíza e atrapalhou bastante o processo contra os bicheiros? E Heloísa Helena vai à forra? Será o Eduardo Paes o Goldman carioca?
Delcídio Amaral – (PT / MS) (S)
Vice-presidente
Maguito Vilela – (PMDB / GO) (S)
Relator
Osmar Serraglio (PMDB-PR) (C)
Demais integrantes:
Câmara (C)
ACM Neto (PFL / BA)
Onyx Lorenzoni (PFL / RS)
Eduardo Paes (PSDB / RJ)
Gustavo Fruet (PSDB / PR)
Álvaro Dias (PDT / RN)
Nélio Dias (PP / RN)
Nelson Meurer (PP / PR)
Paulo Rocha (PT / PA)
Fernando Ferro (PT / PE)
Asdrubal Bentes (PMDB / PA)
Fernando Diniz (PMDB / MG)
José Múcio (PTB / PE)
Sandro Mabel (PL / GO)
Denise Frossard (PPS / RJ)
Senado (S)
César Borges (PFL / BA)
Heráclito Fortes (PFL / PI)
Demóstenes Torres (PFL / GO)
Sérgio Guerra (PSDB / PE)
Álvaro Dias (PSDB / PR)
Heloísa Helena (PSOL / AL)
Luiz Otávio (PMDB / PA)
Wirlande da Luz (PMDB / RR)
Ney Suassuna (PMDB / PB)
Jefferson Peres (PDT / AM)
Fernando Bezerra (PTB / RN)
Ideli Salvati (PT / SC)
Tião Viana (PT / AC)
Aelton Freitas (PL / MG)
Clique aqui para ver todas as figuras
Enfim, dêem uma olhada na 'mesa'. Ou seria maca ?
PresidenteDelcídio Amaral – (PT / MS) (S)
Vice-presidente
Maguito Vilela – (PMDB / GO) (S)
Relator
Osmar Serraglio (PMDB-PR) (C)
Demais integrantes:
Câmara (C)
ACM Neto (PFL / BA)
Onyx Lorenzoni (PFL / RS)
Eduardo Paes (PSDB / RJ)
Gustavo Fruet (PSDB / PR)
Álvaro Dias (PDT / RN)
Nélio Dias (PP / RN)
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Fernando Ferro (PT / PE)
Asdrubal Bentes (PMDB / PA)
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Denise Frossard (PPS / RJ)
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Roberto Jefferson
17 de jun. de 2005
O fim da historia
E lá vem as vestais
Debord já escreveu como o espetáculo acaba com a História. Incrível, mas hoje o Merval escreveu que os partidos que incharam na gestäo tucana havia sido o PP e o PTB, esqueceu-se [comodidade talvez] que o PSDB entrou na camara como 3ª força e, logo depois, via Serjão, tornou-se a 2ª.
A minha trincheira já estou cavando...
Debord já escreveu como o espetáculo acaba com a História. Incrível, mas hoje o Merval escreveu que os partidos que incharam na gestäo tucana havia sido o PP e o PTB, esqueceu-se [comodidade talvez] que o PSDB entrou na camara como 3ª força e, logo depois, via Serjão, tornou-se a 2ª.
A minha trincheira já estou cavando...
Você conhece esta análise?
As renúncias da esquerda em nome da Europa
Não é de hoje que a utopia européia é pretexto para os socialistas franceses abrirem mão de sua plataforma política para atender aos interesses do capital
Transformação social ou recurso às “imposições européias”? Só uma reescrita conservadora da História levou a considerar como inédita uma questão que não o é. Mas não é recente o risco de uma coalizão entre as ambições da esquerda francesa e o ambiente internacional, que a incita a deixar de lado suas pretensões.
O debate referente ao projeto de Constituição Européia reativou termos conhecidos. De um lado, aqueles que, preocupados em romper com a ordem liberal, perguntam: “Não é característico de qualquer empresa fixar objetivos antes de reunir todas as condições?” De outro, aqueles que não crêem mais na transformação da sociedade concluem: “E você poderá dizer tudo o que quiser aos empresários, e eu também. Eles irão sempre para onde houver a melhor produtividade, o melhor rendimento e o maior lucro”. A primeira citação provém do Projeto Socialista de 1980; a segunda teve como autor o homem que fizera desse projeto o arcabouço de seu programa presidencial. Entre as duas posições, a voluntarista e a desesperançada, treze anos se passaram – no final dos quais François Mitterrand, confrontado com a derrota eleitoral de seus amigos políticos, não podia fazer nada melhor do que teorizar sobre sua impotência.
Em termos absolutos, a aposta de utilizar a Europa como uma alavanca para romper com a ordem existente na França não é incongruente. Segundo as palavras de Victor Hugo, se os “soberbos miseráveis” da Revolução Francesa ultrajaram outrora “o mundo ofuscado” das monarquias continentais, a França progressista, em contrapartida, soubera tirar proveito das análises do alemão Karl Marx sobre o Segundo Império, da ação do húngaro Léo Frankel, ministro do Trabalho durante a Comuna de Paris, da contribuição decisiva da Mão de Obra Imigrante (MOI) na formação dos primeiros grupos de resistência, da colaboração dos republicanos espanhóis para a ação clandestina desta última.
Metamorfose européia
Mas para além dessa História, falar de “solidariedades européias” serviu, em geral, para os socialistas franceses, como prelúdio – ou pretexto – para uma reviravolta conservadora1. Na década de 1930, a aliança franco-britânica levou a Frente Popular a contradizer suas ambições econômicas e a abandonar a República espanhola. No imediato pós-guerra, “a Europa” tornou-se a utopia substituta que permitiu disfarçar renúncias fundamentais, políticas e estratégicas. Mais próximo de nossa realidade, ela serviu de instrumento para a redefinição filosófica do projeto da esquerda, de “máquina para arrefecer as paixões nacionais2”. Inclusive quando os socialistas simulam entrever por trás de um “mercado em que a concorrência é livre e não falsa” a “construção de espaços de regulação que se juntam aos Estados-nações para controlar as turbulências do capital3”.
Em geral, a evolução da esquerda governamental aderiu a de uma Comunidade Européia cada vez mais preocupada em proteger o “capital” das “turbulências” da reivindicação social. Essa dupla metamorfose, nacional e européia, enfatiza a dificuldade própria a qualquer comparação histórica: ao longo dos anos, as palavras “esquerda”, “direita”, “concorrência”, “regulação” mudaram de sentido4. No ponto de partida, o liberal tem de ser contido; no ponto de chegada, o socialismo se converteu.
Tomemos dois exemplos simétricos. Raymond Barre, tradutor em 1956 dos textos do economista austríaco ultraliberal Friedrich Hayek, tornou-se, onze anos depois, vice-presidente do Comissão Européia. Seu mandato em Bruxelas, que coincidia com grandes greves operárias na França (1968) e na Itália (1969), proibiu-o, no entanto, como a qualquer outro, de se inspirar nas idéias de Hayek, a menos que recorresse a uma enérgica resposta social. Mas, de forma inversa, quando a contra-revolução liberal impôs seu ritmo, o socialista Jacques Delors foi um de seus arquitetos no ministério da Fazenda francês (1981-1984) e depois na presidência da Comissão Européia (1985-1994). E iria poder se gabar de ter, em Paris, “obtido a supressão da indexação dos salários sem nenhuma greve”.
A opção da Frente Popular
Algumas semanas atrás, preocupado com a força do movimento de oposição ao projeto de Constituição, o historiador conservador René Rémond lamentava que “a utopia revolucionária” estivesse “matando a utopia européia5”. Provavelmente o inverso o teria incomodado menos. E foi o que ocorreu em várias ocasiões.
Em 1936, o governo de Léon Blum6 pretendeu tirar a economia francesa de uma depressão que os socialistas analisaram em termos keynesianos: “Esta crise é provocada por uma ruptura de equilíbrio entre a produção e a capacidade aquisitiva geral”. Apoiado em uma política de retomada orçamentária, o aumento dos salários, consecutivo às grandes greves de junho de 1936, deveria, segundo eles, contribuir para o incentivo da atividade e a diminuição do desemprego. Mas o êxito de semelhante estratégia exigiria uma desvalorização imediata do franco e um controle cambial.
A prioridade concedida à aliança britânica conduziu a Frente Popular a renunciar a isso. Um especialista influente, Emmanuel Monick7, apresentou a Léon Blum a arbitragem que lhe competia nos seguintes termos: “Das duas uma: ou o senhor instaura o controle do câmbio, impõe um dirigismo estrito e põe a França em regime autárquico – e então o senhor será obrigado a instituir um regime autoritário, que pode evoluir para o totalitarismo; ou o senhor abre as fronteiras, mantém um regime de liberdade cambial, e deve então buscar o apoio de Londres e Washington para operar um ajuste das moedas, ao mesmo tempo que uma coalizão dos regimes democráticos.” 8 Totalitarismo solitário ou democracias solidárias: tal “opção” – como aquela, idêntica, que surgiu em março de 1983 – não permite muita hesitação...
Esta opção iria tirar a possibilidade de ação da Frente Popular. Os efeitos deflacionistas de uma moeda supervalorizada anulam o incentivo previsto com uma retomada da demanda. E quando a desvalorização ocorre apesar de tudo, é muito pouco e tarde demais: Léon Blum aceitou negociar sua taxa e as medidas que a acompanhavam com os britânicos e os norte-americanos. Apesar de uma fuga maciça de capitais, Blum renunciou também ao controle do câmbio, que, no entanto, constava do programa da esquerda. Era, segundo ele, um sistema “que, além de qualquer outra razão, o governo considera incompatível com as afinidades e as necessidades de sua política internacional”. Os conservadores britânicos obtiveram o que queriam. Iriam exigir, pouco depois, que a “coalizão dos regimes democráticos”, elogiada por Emmanuel Monick, abandonasse ao fascismo a Espanha republicana.
Modelo francês de economia
No imediato pós-guerra, uma “construção da Europa”, poderosamente incentivada pelos Estados Unidos, uniu os socialistas a coalizões de “terceira força” pouco empenhadas na preocupação com o progresso social. No entanto, instruída por seus dissabores anteriores, a esquerda francesa (inclusive os comunistas) criou ou corroborou, a partir de 1945, instrumentos de intervenção pública (controle da moeda, do crédito, das “altas da economias”) destinados a lhe permitirem não depender sempre da boa vontade do capital. Segundo as palavras do general De Gaulle, o contexto da época, “social ou socialista”, permitiu que essas transformações fossem “realizadas sem sobressaltos. É claro que os privilegiados as receberam melancolicamente. Alguns chegam a fazer censuras secretas que ficam para mais tarde. Mas, por enquanto, todos, avaliando a força da corrente, logo se conformaram com ela e ainda mais facilmente na medida em que temiam que coisas muito piores pudessem acontecer” 9.
Porém, esse “mais tarde” chegaria muito depressa... A necessidade de créditos norte-americanos, vindo respaldar o “programa europeu” que os Estados Unidos apoiavam, esvaziou de suas potencialidades socialistas as transformações provenientes da Libertação. Teria, então, sido um fracasso total? Não, pois simultaneamente foi construído esse “modelo francês” de economia mista atualmente atacado pelos liberais. No entanto, se quase todos foram intervencionistas em 1944-1947, para uns, o Estado devia substituir um sistema capitalista a um só tempo ineficaz e socialmente injusto; para outros, o papel do poder público consistia em incentivar a energia do setor privado, e não em substituí-lo, por mais tempo do que o necessário.
Simultaneamente comissário do Plano e “homem dos norte-americanos”, Jean Monnet, encarnava a segunda escola de pensamento. Longe de ter como projeto uma França socialista, o “Pai da Europa”, entrevia sobretudo uma situação em que, como nos Estados Unidos, os capitalistas estariam imbuídos do dinamismo conferido pelo espírito empreendedor. Apoiados nos créditos do Plano Marshall, o Estado e o projeto europeu deveriam, segundo ele, sacudir um patronato nacional conservador e não proceder à redistribuição do poder econômico10.
Reviravolta liberal dos socialistas
A análise de Monnet encontrou seguidores na esquerda reformista. É claro que o partido socialista SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária) dava a impressão de imaginar, na época da Libertação, que “os acontecimentos iriam impor à Europa a adoção da via do socialismo”. Mas, a partir de 1950, Léon Blum admitiu que uma “intervenção ativa do Estado” poderia também, como nos Estados Unidos, regenerar utilmente o sistema vigente: “Enquanto a lei do capitalismo norte-americano é: ‘Permitir que nasçam jovens empresas’, parece que a lei do capitalismo francês é: ‘Permitir que empresas antigas não morram”. Trinta anos mais tarde, Lionel Jospin dá a impressão de repercutir essas idéias: “A França não tem uma classe de patrões à altura de sua capacidade e de suas ambições. É um dado de sua história. Enfraquecer o setor público, deixar o comando à parte mais retrógrada do patronato – que tudo embolsa, mas não solta nada – não criará confiança nem dinamismo.”
Só progressivamente seria preciso optar entre o objetivo de uma “modernização” impulsionada pelos poderes públicos (empresas nacionalizadas, política do crédito) e o de um nivelamento por pressão da concorrência européia. Tanto uma via como a outra pareciam, na verdade, apoiar-se mutuamente até o dia em que o dogma liberal se radicalizasse. “A Europa” não continuou a obrigar a privatizar, nem a fazer pressão sobre as conquistas dos assalariados. Os Estados Unidos também não: empresas nacionalizadas (Charbonnages, SNCF, EDF) fizeram parte do número dos principais beneficiários do Plano Marshall; por preocupação em conter o comunismo no Velho Continente, Washington deplorou – vários anos depois da guerra – a lamentável sorte reservada à classe operária francesa.
A partir de 1947, a necessidade de créditos norte-americanos, a Guerra Fria e as aventuras coloniais destruíram qualquer perspectiva de um governo de esquerda na França. A partir de então, aliada ao centro-direita, a SFIO lançou-se a um discurso “europeu”, destinado a embelezar uma política interna anti-social e uma subordinação atlântica no exterior. O final da década de 1940 prenunciava, portanto, um pouco a tendência direitista que iria ocorrer em 1983, dois anos depois da eleição de François Mitterrand para presidente. Desta vez, corroborada pelo aburguesamento de sua base social, a reviravolta liberal dos socialistas parecia consumada.
Nova cartilha dos socialistas
Segundo uma análise convencional, a esquerda teria, em 1981, cometido um terrível equívoco ao implementar um programa radical que ignorava a extensão da imbricação da França na economia internacional. Esse erro teria sido prontamente traduzido por uma série de crises financeiras (déficits, desvalorizações). Estas crises teriam obrigado os socialistas a voltarem o mais rápido possível para o caminho das políticas de “rigor”, adotadas por seus predecessores conservadores (Giscard d’Estaing e Barre) e por seus parceiros europeus (Helmut Kohl e Margaret Thatcher).
Na verdade, essa reconstituição é parcialmente inexata. Pois a esquerda não esperou 1983 para compreender que a interdependência econômica poderia derrubar uma política solitária de “ruptura com o capitalismo”. Segundo ela, um país que adotasse uma política de retomada do crescimento deveria “poder tirar vantagem da necessidade de limitar um aumento sem limite [das importações] que impediria o reinício de sua expansão”.
A concorrência e a especialização estavam condicionadas a um resultado: “A liberdade comercial não é um dogma. É um meio que se justifica na medida em que contribui para o crescimento e para mais empregos, e não, quando seu efeito é propagar alternadamente ou a um só tempo a inflação, a deflação e o desemprego11.” Finalmente, a “reconquista do mercado interno” impunha que o controle monetário fosse menor: “No âmbito europeu, o Partido Socialista não pode aprovar o salário atual, ou seja, o alinhamento das moedas mais fracas pelo marco alemão, que, esperando um novo ataque catastrófico, justifica uma austeridade reforçada”.
A utopia de reposição
A maioria dessas orientações comerciais e monetárias, no entanto, foram deixadas de lado por François Mitterrand no próprio dia de sua posse12. Cita-se aqui o parecer dado por Emmanuel Monick em 1936, uma vez que, segundo o próprio Jacques Delors, a opção de 1981 (confirmada dois anos mais tarde) se explicou em parte pelo desejo de não ameaçar a “correspondência necessária entre a política econômica do presidente da República e sua política externa”. Ou seja, seus “esforços para retomar a construção européia”.
Depois de 1983, o projeto de “ruptura com o capitalismo” foi enterrado. Assim como na década de 1950, a temática “européia” serviu-lhe de utopia de reposição. No entanto, devido ao encaminhamento abertamente liberal e de livre mercado adotado pela construção comunitária, a reviravolta do “rigor” não pode somente representar o refúgio de uma estratégia socialista em posição de inferioridade. Deveria se tornar o prelúdio de sua rejeição definitiva. Muitos dos instrumentos nacionais forjados no passado pela esquerda francesa, a fim de equilibrar o poder do capital (controle democrático da política monetária, dos investimentos, papel dos serviços públicos) seriam, aliás, destruídos por ela no altar do grande mercado.
Antecipando, desde junho de 1982, a reviravolta dos socialistas franceses, Pierre Rosanvallon apresenta as imposições daquilo que ainda era chamado de “mundialização”: “Numa economia aberta, a margem de manobra é estreita. Não se trocam apenas bens e serviços; são inevitavelmente políticas econômicas que se acaba também por ser obrigado a importar13.” Ora, para Rosanvallon e seus amigos moderados, não convinha sobretudo reduzir a restrição exercida por uma “economia aberta” sobre uma aspiração à mudança da sociedade. Era necessário, ao contrário, ratificar a estreiteza da margem de manobra dela decorrente. Ela proibiria os governantes de esquerda de “fazerem bobagens”, ou, com outras palavras, de permanecerem fiéis a um programa que procurava conter a dominação do capital. A armadilha do comércio internacional iria mesmo, esperava Rosanvallon, precipitar o “fim da exceção francesa” cuja morte ele constataria, em 1988 – um pouco prematura? –, com dois de seus amigos da Fundação Saint-Simon14.
“Não há alternativa”
Em setembro de 1989, Michel Rocard procederia a outros funerais. Primeiro-ministro na época, ele enterrou as esperanças de uma Europa social que seu partido acalentara por muito tempo: “Temos uma maioria de governos conservadores na Comunidade. Eles pensam que a melhor maneira de fazer expansão é deixar as pessoas ganharem dinheiro de qualquer forma, praticamente não taxar o capital e seus rendimentos15.” Sua conclusão? “As regras do jogo do capitalismo internacional sancionam toda política social audaciosa. É preciso assumir as regras desse jogo cruel para construir a Europa16.” Algumas semanas mais tarde, a queda do muro de Berlim trouxe uma justificativa retrospectiva aos dirigentes recentes da esquerda do governo. Eles poderiam, a partir de então, retomar, mas sob a forma da desolação fingida, o grito de vitória de Margaret Thatcher: “Não há outra alternativa”.
O socialista Pascal Lamy acaba de ser designado diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), ou seja, policial da ordem liberal internacional. Anteriormente ele fora conselheiro do primeiro-ministro Pierre Mauroy, depois de Jacques Delors, na Comissão Européia, e finalmente dirigira um grande banco em vias de ser privatizado. A mutação parece terminada. E, no livre comércio professado por Pascal Lamy, o internacionalismo progressista pesa menos do que o fechamento de um espaço mercantil que saberá impor à sociedade regras favoráveis aos empregadores: “Os empresários franceses são europeus, porque compreenderam que a reordenação e a ‘mercantilização’ da economia francesa foram feitas pela Europa, graças à Europa e por causa da Europa17.” Seja promessa de liberdade, de abertura, de mestiçagem, seja proclamação de impotência em transformar a ordem social, a “globalização”, a “Europa” (pouco a pouco despojada de todas as suas proteções comunitárias) construíram uma máquina de guerra que permitiu desfazer o contrato social “sem dar um tiro”, manipular o sentimento internacionalista para favorecer as solidariedades do capital, reivindicar a defesa do “encanador polonês” para impor que vença o mais barato, falar insistentemente na existência de “imposições internacionais” para ocultar que a pressão delas foi aumentada por uma vontade e por políticas18.
Esse discurso da fatalidade fingida e essa pedagogia da submissão são uma característica permanente da História. O imprevisível sucesso do 29 de maio francês não basta para reverter a devastação social que elas impuseram ao mundo. Mas desde que uma tal vitória possa encorajar novas ofensivas, ela já abre a perspectiva de novas surpresas.
Não é de hoje que a utopia européia é pretexto para os socialistas franceses abrirem mão de sua plataforma política para atender aos interesses do capital
Serge Halimi
Transformação social ou recurso às “imposições européias”? Só uma reescrita conservadora da História levou a considerar como inédita uma questão que não o é. Mas não é recente o risco de uma coalizão entre as ambições da esquerda francesa e o ambiente internacional, que a incita a deixar de lado suas pretensões.
O debate referente ao projeto de Constituição Européia reativou termos conhecidos. De um lado, aqueles que, preocupados em romper com a ordem liberal, perguntam: “Não é característico de qualquer empresa fixar objetivos antes de reunir todas as condições?” De outro, aqueles que não crêem mais na transformação da sociedade concluem: “E você poderá dizer tudo o que quiser aos empresários, e eu também. Eles irão sempre para onde houver a melhor produtividade, o melhor rendimento e o maior lucro”. A primeira citação provém do Projeto Socialista de 1980; a segunda teve como autor o homem que fizera desse projeto o arcabouço de seu programa presidencial. Entre as duas posições, a voluntarista e a desesperançada, treze anos se passaram – no final dos quais François Mitterrand, confrontado com a derrota eleitoral de seus amigos políticos, não podia fazer nada melhor do que teorizar sobre sua impotência.
Em termos absolutos, a aposta de utilizar a Europa como uma alavanca para romper com a ordem existente na França não é incongruente. Segundo as palavras de Victor Hugo, se os “soberbos miseráveis” da Revolução Francesa ultrajaram outrora “o mundo ofuscado” das monarquias continentais, a França progressista, em contrapartida, soubera tirar proveito das análises do alemão Karl Marx sobre o Segundo Império, da ação do húngaro Léo Frankel, ministro do Trabalho durante a Comuna de Paris, da contribuição decisiva da Mão de Obra Imigrante (MOI) na formação dos primeiros grupos de resistência, da colaboração dos republicanos espanhóis para a ação clandestina desta última.
Metamorfose européia
Mas para além dessa História, falar de “solidariedades européias” serviu, em geral, para os socialistas franceses, como prelúdio – ou pretexto – para uma reviravolta conservadora1. Na década de 1930, a aliança franco-britânica levou a Frente Popular a contradizer suas ambições econômicas e a abandonar a República espanhola. No imediato pós-guerra, “a Europa” tornou-se a utopia substituta que permitiu disfarçar renúncias fundamentais, políticas e estratégicas. Mais próximo de nossa realidade, ela serviu de instrumento para a redefinição filosófica do projeto da esquerda, de “máquina para arrefecer as paixões nacionais2”. Inclusive quando os socialistas simulam entrever por trás de um “mercado em que a concorrência é livre e não falsa” a “construção de espaços de regulação que se juntam aos Estados-nações para controlar as turbulências do capital3”.
Em geral, a evolução da esquerda governamental aderiu a de uma Comunidade Européia cada vez mais preocupada em proteger o “capital” das “turbulências” da reivindicação social. Essa dupla metamorfose, nacional e européia, enfatiza a dificuldade própria a qualquer comparação histórica: ao longo dos anos, as palavras “esquerda”, “direita”, “concorrência”, “regulação” mudaram de sentido4. No ponto de partida, o liberal tem de ser contido; no ponto de chegada, o socialismo se converteu.
Tomemos dois exemplos simétricos. Raymond Barre, tradutor em 1956 dos textos do economista austríaco ultraliberal Friedrich Hayek, tornou-se, onze anos depois, vice-presidente do Comissão Européia. Seu mandato em Bruxelas, que coincidia com grandes greves operárias na França (1968) e na Itália (1969), proibiu-o, no entanto, como a qualquer outro, de se inspirar nas idéias de Hayek, a menos que recorresse a uma enérgica resposta social. Mas, de forma inversa, quando a contra-revolução liberal impôs seu ritmo, o socialista Jacques Delors foi um de seus arquitetos no ministério da Fazenda francês (1981-1984) e depois na presidência da Comissão Européia (1985-1994). E iria poder se gabar de ter, em Paris, “obtido a supressão da indexação dos salários sem nenhuma greve”.
A opção da Frente Popular
Algumas semanas atrás, preocupado com a força do movimento de oposição ao projeto de Constituição, o historiador conservador René Rémond lamentava que “a utopia revolucionária” estivesse “matando a utopia européia5”. Provavelmente o inverso o teria incomodado menos. E foi o que ocorreu em várias ocasiões.
Em 1936, o governo de Léon Blum6 pretendeu tirar a economia francesa de uma depressão que os socialistas analisaram em termos keynesianos: “Esta crise é provocada por uma ruptura de equilíbrio entre a produção e a capacidade aquisitiva geral”. Apoiado em uma política de retomada orçamentária, o aumento dos salários, consecutivo às grandes greves de junho de 1936, deveria, segundo eles, contribuir para o incentivo da atividade e a diminuição do desemprego. Mas o êxito de semelhante estratégia exigiria uma desvalorização imediata do franco e um controle cambial.
A prioridade concedida à aliança britânica conduziu a Frente Popular a renunciar a isso. Um especialista influente, Emmanuel Monick7, apresentou a Léon Blum a arbitragem que lhe competia nos seguintes termos: “Das duas uma: ou o senhor instaura o controle do câmbio, impõe um dirigismo estrito e põe a França em regime autárquico – e então o senhor será obrigado a instituir um regime autoritário, que pode evoluir para o totalitarismo; ou o senhor abre as fronteiras, mantém um regime de liberdade cambial, e deve então buscar o apoio de Londres e Washington para operar um ajuste das moedas, ao mesmo tempo que uma coalizão dos regimes democráticos.” 8 Totalitarismo solitário ou democracias solidárias: tal “opção” – como aquela, idêntica, que surgiu em março de 1983 – não permite muita hesitação...
Esta opção iria tirar a possibilidade de ação da Frente Popular. Os efeitos deflacionistas de uma moeda supervalorizada anulam o incentivo previsto com uma retomada da demanda. E quando a desvalorização ocorre apesar de tudo, é muito pouco e tarde demais: Léon Blum aceitou negociar sua taxa e as medidas que a acompanhavam com os britânicos e os norte-americanos. Apesar de uma fuga maciça de capitais, Blum renunciou também ao controle do câmbio, que, no entanto, constava do programa da esquerda. Era, segundo ele, um sistema “que, além de qualquer outra razão, o governo considera incompatível com as afinidades e as necessidades de sua política internacional”. Os conservadores britânicos obtiveram o que queriam. Iriam exigir, pouco depois, que a “coalizão dos regimes democráticos”, elogiada por Emmanuel Monick, abandonasse ao fascismo a Espanha republicana.
Modelo francês de economia
No imediato pós-guerra, uma “construção da Europa”, poderosamente incentivada pelos Estados Unidos, uniu os socialistas a coalizões de “terceira força” pouco empenhadas na preocupação com o progresso social. No entanto, instruída por seus dissabores anteriores, a esquerda francesa (inclusive os comunistas) criou ou corroborou, a partir de 1945, instrumentos de intervenção pública (controle da moeda, do crédito, das “altas da economias”) destinados a lhe permitirem não depender sempre da boa vontade do capital. Segundo as palavras do general De Gaulle, o contexto da época, “social ou socialista”, permitiu que essas transformações fossem “realizadas sem sobressaltos. É claro que os privilegiados as receberam melancolicamente. Alguns chegam a fazer censuras secretas que ficam para mais tarde. Mas, por enquanto, todos, avaliando a força da corrente, logo se conformaram com ela e ainda mais facilmente na medida em que temiam que coisas muito piores pudessem acontecer” 9.
Porém, esse “mais tarde” chegaria muito depressa... A necessidade de créditos norte-americanos, vindo respaldar o “programa europeu” que os Estados Unidos apoiavam, esvaziou de suas potencialidades socialistas as transformações provenientes da Libertação. Teria, então, sido um fracasso total? Não, pois simultaneamente foi construído esse “modelo francês” de economia mista atualmente atacado pelos liberais. No entanto, se quase todos foram intervencionistas em 1944-1947, para uns, o Estado devia substituir um sistema capitalista a um só tempo ineficaz e socialmente injusto; para outros, o papel do poder público consistia em incentivar a energia do setor privado, e não em substituí-lo, por mais tempo do que o necessário.
Simultaneamente comissário do Plano e “homem dos norte-americanos”, Jean Monnet, encarnava a segunda escola de pensamento. Longe de ter como projeto uma França socialista, o “Pai da Europa”, entrevia sobretudo uma situação em que, como nos Estados Unidos, os capitalistas estariam imbuídos do dinamismo conferido pelo espírito empreendedor. Apoiados nos créditos do Plano Marshall, o Estado e o projeto europeu deveriam, segundo ele, sacudir um patronato nacional conservador e não proceder à redistribuição do poder econômico10.
Reviravolta liberal dos socialistas
A análise de Monnet encontrou seguidores na esquerda reformista. É claro que o partido socialista SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária) dava a impressão de imaginar, na época da Libertação, que “os acontecimentos iriam impor à Europa a adoção da via do socialismo”. Mas, a partir de 1950, Léon Blum admitiu que uma “intervenção ativa do Estado” poderia também, como nos Estados Unidos, regenerar utilmente o sistema vigente: “Enquanto a lei do capitalismo norte-americano é: ‘Permitir que nasçam jovens empresas’, parece que a lei do capitalismo francês é: ‘Permitir que empresas antigas não morram”. Trinta anos mais tarde, Lionel Jospin dá a impressão de repercutir essas idéias: “A França não tem uma classe de patrões à altura de sua capacidade e de suas ambições. É um dado de sua história. Enfraquecer o setor público, deixar o comando à parte mais retrógrada do patronato – que tudo embolsa, mas não solta nada – não criará confiança nem dinamismo.”
Só progressivamente seria preciso optar entre o objetivo de uma “modernização” impulsionada pelos poderes públicos (empresas nacionalizadas, política do crédito) e o de um nivelamento por pressão da concorrência européia. Tanto uma via como a outra pareciam, na verdade, apoiar-se mutuamente até o dia em que o dogma liberal se radicalizasse. “A Europa” não continuou a obrigar a privatizar, nem a fazer pressão sobre as conquistas dos assalariados. Os Estados Unidos também não: empresas nacionalizadas (Charbonnages, SNCF, EDF) fizeram parte do número dos principais beneficiários do Plano Marshall; por preocupação em conter o comunismo no Velho Continente, Washington deplorou – vários anos depois da guerra – a lamentável sorte reservada à classe operária francesa.
A partir de 1947, a necessidade de créditos norte-americanos, a Guerra Fria e as aventuras coloniais destruíram qualquer perspectiva de um governo de esquerda na França. A partir de então, aliada ao centro-direita, a SFIO lançou-se a um discurso “europeu”, destinado a embelezar uma política interna anti-social e uma subordinação atlântica no exterior. O final da década de 1940 prenunciava, portanto, um pouco a tendência direitista que iria ocorrer em 1983, dois anos depois da eleição de François Mitterrand para presidente. Desta vez, corroborada pelo aburguesamento de sua base social, a reviravolta liberal dos socialistas parecia consumada.
Nova cartilha dos socialistas
Segundo uma análise convencional, a esquerda teria, em 1981, cometido um terrível equívoco ao implementar um programa radical que ignorava a extensão da imbricação da França na economia internacional. Esse erro teria sido prontamente traduzido por uma série de crises financeiras (déficits, desvalorizações). Estas crises teriam obrigado os socialistas a voltarem o mais rápido possível para o caminho das políticas de “rigor”, adotadas por seus predecessores conservadores (Giscard d’Estaing e Barre) e por seus parceiros europeus (Helmut Kohl e Margaret Thatcher).
Na verdade, essa reconstituição é parcialmente inexata. Pois a esquerda não esperou 1983 para compreender que a interdependência econômica poderia derrubar uma política solitária de “ruptura com o capitalismo”. Segundo ela, um país que adotasse uma política de retomada do crescimento deveria “poder tirar vantagem da necessidade de limitar um aumento sem limite [das importações] que impediria o reinício de sua expansão”.
A concorrência e a especialização estavam condicionadas a um resultado: “A liberdade comercial não é um dogma. É um meio que se justifica na medida em que contribui para o crescimento e para mais empregos, e não, quando seu efeito é propagar alternadamente ou a um só tempo a inflação, a deflação e o desemprego11.” Finalmente, a “reconquista do mercado interno” impunha que o controle monetário fosse menor: “No âmbito europeu, o Partido Socialista não pode aprovar o salário atual, ou seja, o alinhamento das moedas mais fracas pelo marco alemão, que, esperando um novo ataque catastrófico, justifica uma austeridade reforçada”.
A utopia de reposição
A maioria dessas orientações comerciais e monetárias, no entanto, foram deixadas de lado por François Mitterrand no próprio dia de sua posse12. Cita-se aqui o parecer dado por Emmanuel Monick em 1936, uma vez que, segundo o próprio Jacques Delors, a opção de 1981 (confirmada dois anos mais tarde) se explicou em parte pelo desejo de não ameaçar a “correspondência necessária entre a política econômica do presidente da República e sua política externa”. Ou seja, seus “esforços para retomar a construção européia”.
Depois de 1983, o projeto de “ruptura com o capitalismo” foi enterrado. Assim como na década de 1950, a temática “européia” serviu-lhe de utopia de reposição. No entanto, devido ao encaminhamento abertamente liberal e de livre mercado adotado pela construção comunitária, a reviravolta do “rigor” não pode somente representar o refúgio de uma estratégia socialista em posição de inferioridade. Deveria se tornar o prelúdio de sua rejeição definitiva. Muitos dos instrumentos nacionais forjados no passado pela esquerda francesa, a fim de equilibrar o poder do capital (controle democrático da política monetária, dos investimentos, papel dos serviços públicos) seriam, aliás, destruídos por ela no altar do grande mercado.
Antecipando, desde junho de 1982, a reviravolta dos socialistas franceses, Pierre Rosanvallon apresenta as imposições daquilo que ainda era chamado de “mundialização”: “Numa economia aberta, a margem de manobra é estreita. Não se trocam apenas bens e serviços; são inevitavelmente políticas econômicas que se acaba também por ser obrigado a importar13.” Ora, para Rosanvallon e seus amigos moderados, não convinha sobretudo reduzir a restrição exercida por uma “economia aberta” sobre uma aspiração à mudança da sociedade. Era necessário, ao contrário, ratificar a estreiteza da margem de manobra dela decorrente. Ela proibiria os governantes de esquerda de “fazerem bobagens”, ou, com outras palavras, de permanecerem fiéis a um programa que procurava conter a dominação do capital. A armadilha do comércio internacional iria mesmo, esperava Rosanvallon, precipitar o “fim da exceção francesa” cuja morte ele constataria, em 1988 – um pouco prematura? –, com dois de seus amigos da Fundação Saint-Simon14.
“Não há alternativa”
Em setembro de 1989, Michel Rocard procederia a outros funerais. Primeiro-ministro na época, ele enterrou as esperanças de uma Europa social que seu partido acalentara por muito tempo: “Temos uma maioria de governos conservadores na Comunidade. Eles pensam que a melhor maneira de fazer expansão é deixar as pessoas ganharem dinheiro de qualquer forma, praticamente não taxar o capital e seus rendimentos15.” Sua conclusão? “As regras do jogo do capitalismo internacional sancionam toda política social audaciosa. É preciso assumir as regras desse jogo cruel para construir a Europa16.” Algumas semanas mais tarde, a queda do muro de Berlim trouxe uma justificativa retrospectiva aos dirigentes recentes da esquerda do governo. Eles poderiam, a partir de então, retomar, mas sob a forma da desolação fingida, o grito de vitória de Margaret Thatcher: “Não há outra alternativa”.
O socialista Pascal Lamy acaba de ser designado diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), ou seja, policial da ordem liberal internacional. Anteriormente ele fora conselheiro do primeiro-ministro Pierre Mauroy, depois de Jacques Delors, na Comissão Européia, e finalmente dirigira um grande banco em vias de ser privatizado. A mutação parece terminada. E, no livre comércio professado por Pascal Lamy, o internacionalismo progressista pesa menos do que o fechamento de um espaço mercantil que saberá impor à sociedade regras favoráveis aos empregadores: “Os empresários franceses são europeus, porque compreenderam que a reordenação e a ‘mercantilização’ da economia francesa foram feitas pela Europa, graças à Europa e por causa da Europa17.” Seja promessa de liberdade, de abertura, de mestiçagem, seja proclamação de impotência em transformar a ordem social, a “globalização”, a “Europa” (pouco a pouco despojada de todas as suas proteções comunitárias) construíram uma máquina de guerra que permitiu desfazer o contrato social “sem dar um tiro”, manipular o sentimento internacionalista para favorecer as solidariedades do capital, reivindicar a defesa do “encanador polonês” para impor que vença o mais barato, falar insistentemente na existência de “imposições internacionais” para ocultar que a pressão delas foi aumentada por uma vontade e por políticas18.
Esse discurso da fatalidade fingida e essa pedagogia da submissão são uma característica permanente da História. O imprevisível sucesso do 29 de maio francês não basta para reverter a devastação social que elas impuseram ao mundo. Mas desde que uma tal vitória possa encorajar novas ofensivas, ela já abre a perspectiva de novas surpresas.
(Trad.: Regina Salgado Campos)
- Ler de Anne-Cécile Robert, “La gauche dans son labyrinthe”, Le Monde diplomatique, maio de 2005.
- Conforme a expressão de Bernard-Henri Lévy, que aceitou fazer uma declaração ao Monde, 28 de maio de 2005.
- Ler, de François Hollande, “Les transformations du capitalisme”, La Revue socialiste, abril de 2005.
- Cf. Frédéric Lordon, “L’Europe concurrentielle, ou la haine de l’Etat”, http://econon.free.fr/Lordonhtml.html
- Le Monde, 6 de maio de 2005.
- Cf. Quand la gauche essayait, Arléa, Paris, 2000.
- Adido financeiro da embaixada da França em Londres, ele viria a ser dirigente do Banque de France na libertação.
- In Jean Lacouture, Léon Blum, ed. Le Seuil, Paris, 1977, p. 325.
- Ler, de Charles De Gaulle, Mémoires de guerre, le salut, ed. Plon, p. 121. Mesmo uma pequena formação centrista, a União Democrática e Socialista da Resistência (UDSR), declarava então o fim da “burguesia triunfante”, “enterrada no passado”.
- Cf. Quand la gauche essayait, ed. Arléa, Paris, 2000.
- Parti socialiste, Projet socialiste, ed. Club socialiste du livre, Paris, 1980, pp.222-224.
- Segundo as próprias declarações de seu primeiro-ministro na época. Ler, de Pierre Mauroy, C’est ici le chemin, ed. Flammarion, Paris, pp.17-28, e Quand la gauche essayait, op. cit.
- Ler, de Pierre Rosanvallon, “Le choc déflationniste et après”, Libération, 23 de junho de 1982.
- Ler, de Jacques Julliard, Pierre Nora e Pierre Rosanvallon, La fin de l’exception française, ed. Calmann-Lévy e Fundação Saint-Simon, Paris, 1988.
- Le Point, 4 de setembro de 1989.
- Citado por L’Humanité, 23 de outubro de 1989.
- Ler, de Pascal Lamy, “Le modèle français vu d’Europe”, Le Débat, Paris, n. 134, março-abril 2005.
- Cf. Le Grand bond en arrière: Comment l’ordre libéral s’est imposé au monde, ed. Fayard, Paris, 2004.
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O FH parece que engana quem ao afirmar que não quer que tudo pegue fogo. Como se não estivesse derramando a gasolina há muito...
Impeachment No!
A oposição não quer o impeachment pelo simples fato que se Lula sair agora quem assumirá será o Zé Alencar. Ministro da defesa, contra os banqueiros, contra os EUA e com muita disposição.
Na torcida
Espero que o governo e, por consequência, o PT consigam dar a volta por cima.
Pensamento do dia
Por mais críticas que sejam a situação e as circunstâncias, não aceite o desespero; nas ocasiões em que tudo leva ao medo, não se deve ter medo de nada; quando se está rodeado de perigos, não se deve temer perigo algum; quando já se esgotaram os recursos, deve-se contar com todos os recursos; quando se é surpreendido, deve-se surpreender o próprio inimigo. (Sun Tsé)
O FH parece que engana quem ao afirmar que não quer que tudo pegue fogo. Como se não estivesse derramando a gasolina há muito...
Impeachment No!
A oposição não quer o impeachment pelo simples fato que se Lula sair agora quem assumirá será o Zé Alencar. Ministro da defesa, contra os banqueiros, contra os EUA e com muita disposição.
Na torcida
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Pensamento do dia
Por mais críticas que sejam a situação e as circunstâncias, não aceite o desespero; nas ocasiões em que tudo leva ao medo, não se deve ter medo de nada; quando se está rodeado de perigos, não se deve temer perigo algum; quando já se esgotaram os recursos, deve-se contar com todos os recursos; quando se é surpreendido, deve-se surpreender o próprio inimigo. (Sun Tsé)
16 de jun. de 2005
Veritas
Arquivo X do Golpe
por Bruno de Assis Pessoa - brap@uol.com.br
Como PSDB, Veja & CIA articulam segundo golpe de estado em sete anos. Uma história de assassinatos, corrupção, abuso de menores e roubo.
Como ocorre ciclicamente, inicia-se a fase final de mais um golpe de Estado na América Latina, desta vez destinado a depor o presidente Luís Inácio Lula da Silva, legitimamente eleito pelo povo brasileiro. A exemplo do que ocorreu no Chile, em 1973, os neoliberais da elite pseudo-intelectual, os donos de latifúndios, os empresários da "imprensa" falida e os serviços de inteligência norte-americanos, preparam a derrubada do ex-metalúrgico Lula.
Os métodos do golpe, entretanto, se sofisticaram. Se Allende foi assassinado por projéteis de fogo, Lula está sendo envenenado por uma bem estudada campanha de desqualificação. Curiosamente, os "crimes" que lhe são atribuídos constituem-se em práticas criadas e mantidas por seus próprios inimigos. O grupo de ataque ao governo foi apelidado de Grupo Rio. Não se trata de uma homenagem ao Estado, mas de uma referência à Rua Rio de Janeiro, em Higienópolis, residência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O luxuoso e requintado apartamento foi palco das primeiras reuniões que traçaram a estratégia para o golpe de Estado. Na primeira assembléia, reuniram-se 13 pessoas. Na segunda, foram 19, incluindo um norte-americano que chegou num carro do consulado dos EUA em São Paulo. Depois do encontro, vários seguiram para uma casa de prazeres eróticos na Avenida Bandeirantes, nas imediações do aeroporto de Congonhas.
Em Português trôpego, o tal "gringo" teria falado mais sobre o presidente venezuelano Chavez do que sobre o plano para apear Lula do poder. A frase paradigmática de FHC neste dia teria sido: "É preciso paciência para desequilibrar, aos poucos; arrancar cada dedinho do pé do sátiro". Alguns bateram palmas para aplaudir a frase mal construída, mas que definia o projeto de ação do grupo, que FHC (pretendendo-se galhofeiro) preferiu chamar de "célula Sorbonne". Aliás, quando regado a bom vinho, o ex-presidente adora atribuir apelidos a seus desafetos: José Sarney é o "Morsa", Itamar é o "Costinha" e Ciro Gomes é o "Parasita".
Decidiu-se que tanques e canhões seriam substituídos por papel impresso e telas iluminadas. Poderosos senhores da comunicação foram chamados a integrar o grupo. Nessa época, o setor já vivia uma grave crise, com empresas atoladas em dívidas com bancos, à beira da insolvência. Os que não haviam se arrumado com o novo governo tinham a chance de receber polpudas contribuições de apoiadores externos. Os aliados de primeira hora foram Roberto Civita, da Editora Abril, e a chamada banda podre da família Mesquita, os descendentes de Ruy Mesquita.
O falido e o ladrão doméstico
A idéia era destacar o clã Mesquita para uma luta prévia, destinada a desacreditar a prefeita Marta Suplicy. Os jornais da casa deveriam criar "pautas" para que o resto da imprensa corroesse a popularidade da prefeita. O projeto era fincar a bandeira do Grupo Rio em São Paulo a partir da eleição de José Serra. Civita teria como incumbência fomentar uma ação nacional por meio da revista Veja. Civita e FHC mantêm antiga amizade. O grupo do ex-presidente ajudou a criar o modelo de ideologia que é propagada pela revista, uma colorida e didática cartilha neoliberal. Civita é conhecido por sua língua afiada e descontrolada. Certa vez, numa reunião com executivos do grupo, chamou Pelé de "negrinho do pastoreio". Em outra ocasião, disse que a ex-ministra Erundina era "uma gabirua que fedia a merda".
As histórias de Veja misturam roteiros de filmes sobre a Máfia com bizarrias hard-core. Durante muitos anos, o feitor de Civita em Veja foi o truculento Eduardo Oinegue Faro, uma espécie de Jason Blair brasileiro, capaz de "fazer (ou inventar) qualquer negócio", seja para vender revista ou para destruir uma personalidade pública. Exagerado em suas doses, Oinegue foi transferido para a revista Exame. Há poucos meses, o "padrinho Civita" sofreu ao saber que seu pupilo o estava roubando, exatamente conforme nos roteiros dos filmes sobre a Cosa Nostra. Oinegue Faro estava embolsando mais de um milhão de Reais em negócios inescrupulosos com um lobista. Triste fim para uma história de confiança na "famiglia".
O jornalista que tinha um "pepino" a resolver
O redator-chefe de Veja é outro protagonista de casos escabrosos. Depressivo crônico, tem fixação doentia pelo tema solidão. Vítima de impulsos suicidas, julga-se inferior e não devidamente reconhecido. Parte de sua conduta patológica gerou um livro interessante e revelador: o Antinarciso. Certa manhã, a secretária de Veja recebeu um telefonema insólito de Sabino, que estava num hotel fubango no centro de São Paulo. A dedicada funcionária teve de se desdobrar para encontrar um proctologista do hospital Albert Einstein. Foram três horas de angústia até que o especialista chegasse ao quarto 62. Quem quiser, pode checar. Mais uma eternidade até que o enorme pepino pudesse ser extraído do reto do jornalista.
Assassino pago em ouro
No caso do Grupo Estado, é de se admirar que a família tenha recorrido aos serviços de consultoria de um ex-funcionário para desenvolver seu plano de ação. O escolhido foi Antonio Marcos Pimenta Neves, ex-chefão do jornal O Estado, amante rejeitado que, em 2000, assassinou na ex-namorada, a também jornalista Sandra Gomide. Por quê? Porque Pimenta Neves sempre manteve uma relação de amizade com Fernando Henrique Cardoso. Aliás, o crime aconteceu exatamente em Ibiúna, município a 70 quilômetros de São Paulo, onde o ex-presidente tem uma de suas casas de campo.
Violador de crianças
Entre os articuladores políticos do golpe, a liderança da tropa de choque coube ao senador amazonense Arthur Virgílio, um homem que se confessa atraído pelo submundo. Virgílio é um alegre freqüentador de bordéis e tem queda por "carnes novas". O líder do PSDB foi o carrasco da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Graças a sua dedicada (e desesperada) atuação, o vice-governador do Amazonas, Omar Aziz (PFL), escapou da Justiça.
Os relatórios da comissão mostravam que Aziz era também cliente de uma rede de prostituição envolvendo adolescentes de até 16 anos. Em Manaus, o comparsa de Virgílio participava de um esquema de aliciamento de menores com a conhecida cafetina Cris. Os depoimentos da CPI traziam o depoimento de uma mãe que comprovava a exploração sexual de sua filha de 14 anos. Na época, Virgílio tentou negar que também tivesse presenteado a menina com jóias e dinheiro.
Espancador de mulheres
No Grupo do Rio, a alta intelectualidade está representada também por José Arthur Gianotti, uma espécie de Maquiavel tupinambá, cuja função é fornecer ao amigo FHC pílulas filosóficas que previnam contra eventuais crises de consciência. Gianotti é o homem das éticas relativas, o dourador de fins que justifiquem qualquer meio ignominioso de busca do poder. Homem de estresses e ego inflado, é daqueles que não admitem refutações, características conhecidas de seus "colegas" de Universidade de São Paulo. Anos atrás, durante um debate com a esposa, irritou-se e a espancou. A mulher acabou perdendo parcialmente a audição de um ouvido. De suas histórias escabrosas, esta é a que mais se ouve nos corredores da USP.
O mesmo ocorreu com os casos de suborno contidos na chamada Pasta Rosa. O então Procurador-Geral, Geraldo Brindeiro, recorreu ao jeitinho brasileiro para engavetar as denúncias. Agora, o que mais espanta foi a complacência da imprensa com a compra de votos para a mudança da Constituição que permitiu a reeleição de FHC. João Maia e Ronivon Santiago, Zila Bezerra, Osmir Lima e Chicão Brígido eram apenas a ponta do iceberg de um gigantesco sistema de corrupção gerenciado pelo PSDB. Como sempre, a imprensa diminuiu a importância dos fatos, na mesma medida em que exagera qualquer irregularidade no governo Lula.
Como comprar um jornalista a preço de banana
Em todas essas ações, a CIA deu total apoio a seus parceiros do governo tucano (o governo do Apagão), inclusive com municiamento financeiro. Jornalistas e políticos foram comprados em verdadeiras operações de guerra, numa reedição das PP e Kukage, nas quais as ações jamais são atribuídas ao governo norte-americano, mas a outros grupos ou instituições. Muitas dessas ações são tão escancaradas que não exigem qualquer sigilo, conforme admite o ex-chefe do FBI no Brasil, Carlos Costa, em suas entrevistas a Carta Capital. As sedes do poder, em Brasília, estão grampeadas e os Estados Unidos monitoram o Brasil 24 por dia.
Um bilhete deixado na mesa de reunião do Grupo Rio estampava uma lista de formadores de opinião que deveriam ser convencidos a receber "suporte" do grupo externo. Alguns dos 31 (sobre) nomes eram: Rodrigues, Noblat, Gancia, Carmo, Fibe, Nunes, Alencar, Casoy, Marques, Schwartsman e Cony. A base para as ações de flerte seriam fornecidas pelos senhores Mac-Laughlin , Wilkinson e Rohter.
A farsa de Maurício Marinho
Nem o mais ingênuo dos corruptos recebe pagamentos em sua sala de trabalho, em bolos semelhantes àqueles manuseados por donos de postos de gasolina. Maurício Marinho, que é esperto demais, vendeu-se como ator e não como facilitador. Afinal, a "bola" é pequena demais para quem corre tanto risco.
Depois que a poeira baixar, MM certamente vai desfrutar de seu verdadeiro butim. Quem vê a fita com atenção, percebe que os atores estão mal treinados.
Assassinato de Luis Eduardo Magalhães: o primeiro golpe de Estado do Grupo Rio – 1998
O Grupo Rio não estava oficialmente constituído naquela época, mas seu núcleo duro já existia. À época, estava morrendo o velho "Serjão", gerente de todo o sistema de corrupção e coleta de propinas do PSDB. Simultaneamente, uma nova estrela despontava no firmamento político: Luís Eduardo Magalhães. Segundo os analistas do governo, LEM tendia a se tornar um candidato imbatível nas eleições presidenciais. Além disso, o deputado confessara a amigos que no momento certo desbarataria a quadrilha que disseminava a corrupção por Brasília.
Morto "Serjão", temeu-se que LEM desencadeasse uma pronta ação de limpeza no legislativo. Nesse momento, a articulação entre o governo e seus parceiros externos mostrou-se eficaz. A "inoculação" teria ocorrido, morbidamente, durante os serviços fúnebres do corruptor-mor. Os requintes da operação incluíram a prescrição de uma dose que permitisse a morte num 21 de Abril. A sofisticação simbólica tinha um motivo: uma assinatura sinistra. O serviço de assassinato encomendado a Newton Cruz por Maluf, em 1985, fora repassado a outro grupo. Tancredo Neves, assassinado, viria a morrer também num 21 de abril.
Opinião
"No governo tucano, a denúncia do mensalão não teria provocado grandes marés". O fantasma dos militares não existe, mas nas últimas colunas que escreve para o jornal Valor Econômico, publicadas às quintas-feiras, ele farejou um "golpe branco" contra Lula no movimento da oposição e, principalmente, do PSDB. Pró-reitor da Universidade Candido Mendes, Wanderley Guilherme dos Santos chegou a ironizar os tucanos, resgatando a imagem de Carlos Lacerda, um político que andava sempre com uma proposta de golpe na cabeça: "O lacerdismo mudou-se para São Paulo", escreveu, após pensar sobre a frase do ex-presidente Fernando Henrique de que havia uma "crise institucional" no País.
Nesta entrevista a CartaCapital, ele explica a crise pela missão político-eleitoral dos tucanos de algemar o governo para enfraquecer a candidatura Lula em 2006. Diz que, para alcançar esse objetivo, o PSDB chegou a pensar em um "golpe branco", o impeachment, a partir das denúncias de corrupção. Mas recuou. Acredita que o partido não promoverá a iniciativa, mas, se ela surgir, apoiará. Ou seja, se o cavalo passar arriado, o ex-presidente Fernando Henrique montaria. CartaCapital: Há uma crise política grave neste momento? Wanderley Guilherme dos Santos: A palavra crise entrou no vocabulário diário da política desde janeiro de 2003. Falou-se de crise todos os dias. Agora, sim, há uma crise política. É uma crise importante. Mas é uma crise normal em sistemas democráticos funcionando, operando. Quer dizer, democracia com uma oposição musculosa como não havia, por exemplo, no governo Fernando Henrique. (leia o post abaixo com a entrevista completa de Wanderley Guilherme dos Santos)
por Bruno de Assis Pessoa - brap@uol.com.br
Como PSDB, Veja & CIA articulam segundo golpe de estado em sete anos. Uma história de assassinatos, corrupção, abuso de menores e roubo.
Como ocorre ciclicamente, inicia-se a fase final de mais um golpe de Estado na América Latina, desta vez destinado a depor o presidente Luís Inácio Lula da Silva, legitimamente eleito pelo povo brasileiro. A exemplo do que ocorreu no Chile, em 1973, os neoliberais da elite pseudo-intelectual, os donos de latifúndios, os empresários da "imprensa" falida e os serviços de inteligência norte-americanos, preparam a derrubada do ex-metalúrgico Lula.
Os métodos do golpe, entretanto, se sofisticaram. Se Allende foi assassinado por projéteis de fogo, Lula está sendo envenenado por uma bem estudada campanha de desqualificação. Curiosamente, os "crimes" que lhe são atribuídos constituem-se em práticas criadas e mantidas por seus próprios inimigos. O grupo de ataque ao governo foi apelidado de Grupo Rio. Não se trata de uma homenagem ao Estado, mas de uma referência à Rua Rio de Janeiro, em Higienópolis, residência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O luxuoso e requintado apartamento foi palco das primeiras reuniões que traçaram a estratégia para o golpe de Estado. Na primeira assembléia, reuniram-se 13 pessoas. Na segunda, foram 19, incluindo um norte-americano que chegou num carro do consulado dos EUA em São Paulo. Depois do encontro, vários seguiram para uma casa de prazeres eróticos na Avenida Bandeirantes, nas imediações do aeroporto de Congonhas.
Em Português trôpego, o tal "gringo" teria falado mais sobre o presidente venezuelano Chavez do que sobre o plano para apear Lula do poder. A frase paradigmática de FHC neste dia teria sido: "É preciso paciência para desequilibrar, aos poucos; arrancar cada dedinho do pé do sátiro". Alguns bateram palmas para aplaudir a frase mal construída, mas que definia o projeto de ação do grupo, que FHC (pretendendo-se galhofeiro) preferiu chamar de "célula Sorbonne". Aliás, quando regado a bom vinho, o ex-presidente adora atribuir apelidos a seus desafetos: José Sarney é o "Morsa", Itamar é o "Costinha" e Ciro Gomes é o "Parasita".
Decidiu-se que tanques e canhões seriam substituídos por papel impresso e telas iluminadas. Poderosos senhores da comunicação foram chamados a integrar o grupo. Nessa época, o setor já vivia uma grave crise, com empresas atoladas em dívidas com bancos, à beira da insolvência. Os que não haviam se arrumado com o novo governo tinham a chance de receber polpudas contribuições de apoiadores externos. Os aliados de primeira hora foram Roberto Civita, da Editora Abril, e a chamada banda podre da família Mesquita, os descendentes de Ruy Mesquita.
O falido e o ladrão doméstico
A idéia era destacar o clã Mesquita para uma luta prévia, destinada a desacreditar a prefeita Marta Suplicy. Os jornais da casa deveriam criar "pautas" para que o resto da imprensa corroesse a popularidade da prefeita. O projeto era fincar a bandeira do Grupo Rio em São Paulo a partir da eleição de José Serra. Civita teria como incumbência fomentar uma ação nacional por meio da revista Veja. Civita e FHC mantêm antiga amizade. O grupo do ex-presidente ajudou a criar o modelo de ideologia que é propagada pela revista, uma colorida e didática cartilha neoliberal. Civita é conhecido por sua língua afiada e descontrolada. Certa vez, numa reunião com executivos do grupo, chamou Pelé de "negrinho do pastoreio". Em outra ocasião, disse que a ex-ministra Erundina era "uma gabirua que fedia a merda".
As histórias de Veja misturam roteiros de filmes sobre a Máfia com bizarrias hard-core. Durante muitos anos, o feitor de Civita em Veja foi o truculento Eduardo Oinegue Faro, uma espécie de Jason Blair brasileiro, capaz de "fazer (ou inventar) qualquer negócio", seja para vender revista ou para destruir uma personalidade pública. Exagerado em suas doses, Oinegue foi transferido para a revista Exame. Há poucos meses, o "padrinho Civita" sofreu ao saber que seu pupilo o estava roubando, exatamente conforme nos roteiros dos filmes sobre a Cosa Nostra. Oinegue Faro estava embolsando mais de um milhão de Reais em negócios inescrupulosos com um lobista. Triste fim para uma história de confiança na "famiglia".
O jornalista que tinha um "pepino" a resolver
O redator-chefe de Veja é outro protagonista de casos escabrosos. Depressivo crônico, tem fixação doentia pelo tema solidão. Vítima de impulsos suicidas, julga-se inferior e não devidamente reconhecido. Parte de sua conduta patológica gerou um livro interessante e revelador: o Antinarciso. Certa manhã, a secretária de Veja recebeu um telefonema insólito de Sabino, que estava num hotel fubango no centro de São Paulo. A dedicada funcionária teve de se desdobrar para encontrar um proctologista do hospital Albert Einstein. Foram três horas de angústia até que o especialista chegasse ao quarto 62. Quem quiser, pode checar. Mais uma eternidade até que o enorme pepino pudesse ser extraído do reto do jornalista.
Assassino pago em ouro
No caso do Grupo Estado, é de se admirar que a família tenha recorrido aos serviços de consultoria de um ex-funcionário para desenvolver seu plano de ação. O escolhido foi Antonio Marcos Pimenta Neves, ex-chefão do jornal O Estado, amante rejeitado que, em 2000, assassinou na ex-namorada, a também jornalista Sandra Gomide. Por quê? Porque Pimenta Neves sempre manteve uma relação de amizade com Fernando Henrique Cardoso. Aliás, o crime aconteceu exatamente em Ibiúna, município a 70 quilômetros de São Paulo, onde o ex-presidente tem uma de suas casas de campo.
Violador de crianças
Entre os articuladores políticos do golpe, a liderança da tropa de choque coube ao senador amazonense Arthur Virgílio, um homem que se confessa atraído pelo submundo. Virgílio é um alegre freqüentador de bordéis e tem queda por "carnes novas". O líder do PSDB foi o carrasco da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Graças a sua dedicada (e desesperada) atuação, o vice-governador do Amazonas, Omar Aziz (PFL), escapou da Justiça.
Os relatórios da comissão mostravam que Aziz era também cliente de uma rede de prostituição envolvendo adolescentes de até 16 anos. Em Manaus, o comparsa de Virgílio participava de um esquema de aliciamento de menores com a conhecida cafetina Cris. Os depoimentos da CPI traziam o depoimento de uma mãe que comprovava a exploração sexual de sua filha de 14 anos. Na época, Virgílio tentou negar que também tivesse presenteado a menina com jóias e dinheiro.
Espancador de mulheres
No Grupo do Rio, a alta intelectualidade está representada também por José Arthur Gianotti, uma espécie de Maquiavel tupinambá, cuja função é fornecer ao amigo FHC pílulas filosóficas que previnam contra eventuais crises de consciência. Gianotti é o homem das éticas relativas, o dourador de fins que justifiquem qualquer meio ignominioso de busca do poder. Homem de estresses e ego inflado, é daqueles que não admitem refutações, características conhecidas de seus "colegas" de Universidade de São Paulo. Anos atrás, durante um debate com a esposa, irritou-se e a espancou. A mulher acabou perdendo parcialmente a audição de um ouvido. De suas histórias escabrosas, esta é a que mais se ouve nos corredores da USP.
O mesmo ocorreu com os casos de suborno contidos na chamada Pasta Rosa. O então Procurador-Geral, Geraldo Brindeiro, recorreu ao jeitinho brasileiro para engavetar as denúncias. Agora, o que mais espanta foi a complacência da imprensa com a compra de votos para a mudança da Constituição que permitiu a reeleição de FHC. João Maia e Ronivon Santiago, Zila Bezerra, Osmir Lima e Chicão Brígido eram apenas a ponta do iceberg de um gigantesco sistema de corrupção gerenciado pelo PSDB. Como sempre, a imprensa diminuiu a importância dos fatos, na mesma medida em que exagera qualquer irregularidade no governo Lula.
Como comprar um jornalista a preço de banana
Em todas essas ações, a CIA deu total apoio a seus parceiros do governo tucano (o governo do Apagão), inclusive com municiamento financeiro. Jornalistas e políticos foram comprados em verdadeiras operações de guerra, numa reedição das PP e Kukage, nas quais as ações jamais são atribuídas ao governo norte-americano, mas a outros grupos ou instituições. Muitas dessas ações são tão escancaradas que não exigem qualquer sigilo, conforme admite o ex-chefe do FBI no Brasil, Carlos Costa, em suas entrevistas a Carta Capital. As sedes do poder, em Brasília, estão grampeadas e os Estados Unidos monitoram o Brasil 24 por dia.
Um bilhete deixado na mesa de reunião do Grupo Rio estampava uma lista de formadores de opinião que deveriam ser convencidos a receber "suporte" do grupo externo. Alguns dos 31 (sobre) nomes eram: Rodrigues, Noblat, Gancia, Carmo, Fibe, Nunes, Alencar, Casoy, Marques, Schwartsman e Cony. A base para as ações de flerte seriam fornecidas pelos senhores Mac-Laughlin , Wilkinson e Rohter.
A farsa de Maurício Marinho
Nem o mais ingênuo dos corruptos recebe pagamentos em sua sala de trabalho, em bolos semelhantes àqueles manuseados por donos de postos de gasolina. Maurício Marinho, que é esperto demais, vendeu-se como ator e não como facilitador. Afinal, a "bola" é pequena demais para quem corre tanto risco.
Depois que a poeira baixar, MM certamente vai desfrutar de seu verdadeiro butim. Quem vê a fita com atenção, percebe que os atores estão mal treinados.
Assassinato de Luis Eduardo Magalhães: o primeiro golpe de Estado do Grupo Rio – 1998
O Grupo Rio não estava oficialmente constituído naquela época, mas seu núcleo duro já existia. À época, estava morrendo o velho "Serjão", gerente de todo o sistema de corrupção e coleta de propinas do PSDB. Simultaneamente, uma nova estrela despontava no firmamento político: Luís Eduardo Magalhães. Segundo os analistas do governo, LEM tendia a se tornar um candidato imbatível nas eleições presidenciais. Além disso, o deputado confessara a amigos que no momento certo desbarataria a quadrilha que disseminava a corrupção por Brasília.
Morto "Serjão", temeu-se que LEM desencadeasse uma pronta ação de limpeza no legislativo. Nesse momento, a articulação entre o governo e seus parceiros externos mostrou-se eficaz. A "inoculação" teria ocorrido, morbidamente, durante os serviços fúnebres do corruptor-mor. Os requintes da operação incluíram a prescrição de uma dose que permitisse a morte num 21 de Abril. A sofisticação simbólica tinha um motivo: uma assinatura sinistra. O serviço de assassinato encomendado a Newton Cruz por Maluf, em 1985, fora repassado a outro grupo. Tancredo Neves, assassinado, viria a morrer também num 21 de abril.
Opinião
"No governo tucano, a denúncia do mensalão não teria provocado grandes marés". O fantasma dos militares não existe, mas nas últimas colunas que escreve para o jornal Valor Econômico, publicadas às quintas-feiras, ele farejou um "golpe branco" contra Lula no movimento da oposição e, principalmente, do PSDB. Pró-reitor da Universidade Candido Mendes, Wanderley Guilherme dos Santos chegou a ironizar os tucanos, resgatando a imagem de Carlos Lacerda, um político que andava sempre com uma proposta de golpe na cabeça: "O lacerdismo mudou-se para São Paulo", escreveu, após pensar sobre a frase do ex-presidente Fernando Henrique de que havia uma "crise institucional" no País.
Nesta entrevista a CartaCapital, ele explica a crise pela missão político-eleitoral dos tucanos de algemar o governo para enfraquecer a candidatura Lula em 2006. Diz que, para alcançar esse objetivo, o PSDB chegou a pensar em um "golpe branco", o impeachment, a partir das denúncias de corrupção. Mas recuou. Acredita que o partido não promoverá a iniciativa, mas, se ela surgir, apoiará. Ou seja, se o cavalo passar arriado, o ex-presidente Fernando Henrique montaria. CartaCapital: Há uma crise política grave neste momento? Wanderley Guilherme dos Santos: A palavra crise entrou no vocabulário diário da política desde janeiro de 2003. Falou-se de crise todos os dias. Agora, sim, há uma crise política. É uma crise importante. Mas é uma crise normal em sistemas democráticos funcionando, operando. Quer dizer, democracia com uma oposição musculosa como não havia, por exemplo, no governo Fernando Henrique. (leia o post abaixo com a entrevista completa de Wanderley Guilherme dos Santos)
14 de jun. de 2005
Golpe Branco de Bico Comprido
FHC APOIARIA “GOLPE BRANCO”
"No governo tucano, a denúncia do mensalão não teria provocado grandes marés"
Para Wanderley Guilherme dos Santos, o PSDB não quer o impeachment de Lula, mas não recuará se houver essa possibilidade
Por Maurício Dias
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos é um dos mais renomados e respeitados acadêmicos do País. Na extensa lista de trabalhos publicados por ele, um, especialmente, virou referência bibliográfica. No calor das lutas políticas do início dos anos 60, ele escreveu um livro – Quem Vai Dar o Golpe no Brasil – que prenunciou a derrubada do presidente Goulart em 1964. Ele farejou o golpe militar.
O fantasma dos militares não existe, mas nas últimas colunas que escreve para o jornal Valor Econômico, publicadas às quintas-feiras, ele farejou um “golpe branco” contra Lula no movimento da oposição e, principalmente, do PSDB. Pró-reitor da Universidade Candido Mendes, Wanderley Guilherme dos Santos chegou a ironizar os tucanos, resgatando a imagem de Carlos Lacerda, um político que andava sempre com uma proposta de golpe na cabeça: “O lacerdismo mudou-se para São Paulo”, escreveu, após pensar sobre a frase do ex-presidente Fernando Henrique de que havia uma “crise institucional” no País.
Nesta entrevista a CartaCapital, ele explica a crise pela missão político-eleitoral dos tucanos de algemar o governo para enfraquecer a candidatura Lula em 2006. Diz que, para alcançar esse objetivo, o PSDB chegou a pensar em um “golpe branco”, o impeachment, a partir das denúncias de corrupção. Mas recuou. Acredita que o partido não promoverá a iniciativa, mas, se ela surgir, apoiará. Ou seja, se o cavalo passar arriado, o ex-presidente Fernando Henrique montaria.
CartaCapital: Há uma crise política grave neste momento? Wanderley Guilherme dos Santos: A palavra crise entrou no vocabulário diário da política desde janeiro de 2003. Falou-se de crise todos os dias. Agora, sim, há uma crise política. É uma crise importante. Mas é uma crise normal em sistemas democráticos funcionando, operando. Quer dizer, democracia com uma oposição musculosa como não havia, por exemplo, no governo Fernando Henrique.
CC: Oposição mais forte...
WGS: Agora tem. Não tinha imprensa contra, agora tem. Vivemos um período democraticamente muito mais vivo do que no governo passado. A oposição agora é uma oposição forte. Tem capacidade de agitar e criar problemas e de interferir na agenda política. Por conseqüência, a maioria da imprensa está com a oposição.
CC: O PT, na oposição, não tinha essa força?
WGS: De maneira nenhuma. O PT mobilizava, no máximo, 140 deputados durante todo o período. Se o PT tivesse o poder oposicionista que tem hoje a oposição a Lula, o então presidente Fernando Henrique Cardoso não teria aprovado 21 emendas constitucionais.
CC: O senhor quer dizer que a imprensa não oferecia aos petistas a receptividade que oferece agora à oposição tucano-pefelista?
WGS: Não havia essa simpatia. Isso dá uma outra moldura ao conflito, à disputa democrática. Ela fica mais elétrica e torna maior a possibilidade de se ter crises políticas. Existe uma crise importante agora.
CC: E qual a razão dela?
WGS: Ela não tem uma única causa. Não se trata apenas da causa dos interessados mais evidentes que são os próprios políticos. Aqueles que, num contexto de crítica, têm aumentado o seu poder de barganha, o peso ponderado deles dentro das negociações. Para os políticos de oposição esse é um momento muito importante. Interessa a eles que a crise seja caracterizada como tal: uma crise. Ou seja, o governo está em débito em relação a uma agenda de questões e de perguntas. Por outro lado, é verdade também que se essa denúncia do mensalão tivesse sido feita durante o governo Fernando Henrique não teria provocado grandes marés...
CC: Por quê?
WGS: Primeiro, porque é uma denúncia genérica. Há pagamentos mensais feitos pelo tesoureiro do partido do governo etc. etc. Isso se disse à vontade do Sérgio Motta em situação muito mais complicada, que foi o processo de aprovação da reeleição. E não aconteceu nada porque a oposição não tinha capacidade de fazer acontecer, não tinha grandes políticos querendo fazer acontecer e não tinha a imprensa querendo fazer acontecer. E, assim, não aconteceu. E isso envolvia uma figura chamada Sérgio Motta. O deputado Roberto Jefferson tem um currículo que, por si só, não transfere credibilidade e peso às declarações. Sobretudo em declarações dessa generalidade. Dessa forma, é claro que a questão não está nem no conteúdo da declaração nem em quem declarou. Mesmo que seja verdade, embora não seja fato provado ainda, não foi isso que moveu os interessados. Foi outra coisa.
CC: Ou seja, embora a denúncia tenha sido genérica e falte ao denunciante a necessária credibilidade, logo criou-se um terremoto...
WGS: Portanto, há outras linhas de causalidade além do interesse do deputado Jefferson de se defender e de envolver outras pessoas. Outra causa da crise me parece ser o temor que o PSDB tem de Anthony Garotinho. O pavor do PSDB é que o segundo turno seja com o Garotinho e não com o candidato do PSDB. A transformação da ética na política como divisor de águas, entre maioria e minoria no País, se bem-sucedido, derrota Garotinho. Entretanto, se não for, o eventual decréscimo eleitoral da situação cai no colo de Garotinho. Independentemente de Garotinho, há interesse de o PSDB macular a imagem do Lula. Desde janeiro de 2003 temos tido sucessivas rodadas de denúncias nos jornais acompanhadas de uma pesquisa...
CC: Uma tentativa de linchamento político?
WGS: Não, não chega a isso. São manobras identificáveis. Há sempre um caso: Waldomiro Diniz, a eleição para a presidência da Câmara, o cadastramento no Fome Zero. As pesquisas feitas na seqüência indicavam que, no entanto, a imagem do presidente não era afetada. Isso tem sido desesperador para a grande imprensa...
CC: Qual o interesse dela?
WGS: A democracia em países em desenvolvimento só fica efetivamente consolidada quando dispensar a imprensa, quando o que a imprensa quiser for irrelevante para a estabilidade do governo. A imprensa é um ator importante no que diz respeito à estabilidade do governo em países em desenvolvimento, como o Brasil.
CC: O senhor se refere à capacidade de formar marolas?
WGS: Marolas, não. Grandes furacões. A grande imprensa levou Getúlio ao suicídio com base em nada; quase impediu Juscelino de tomar posse, com base em nada; levou Jânio à renúncia, aproveitando-se da maluquice dele, com base em nada; a tentativa de impedir a posse de Goulart com base em nada. A grande imprensa em países em desenvolvimento é a grande porca das instituições, a grande emporcalhada.
CC: A imprensa é assim ou ela está assim?
WGS: A imprensa não é assim. Ela é assim num certo período dos países. Ela foi assim nos EUA, na Inglaterra, e não é mais. Isso não quer dizer que não haja a imprensa porca e, sim, que a grande imprensa deixou de ser porca. Não é o caso do Brasil. Isso é importante ficar registrado, porque na medida em que passa o tempo a gente esquece. Quando aconteceu em 1954 a gente deixou passar, assim como deixou passar em 1961. Então, não pode deixar passar, não. A imprensa levou Getúlio Vargas ao suicídio com inverdades e com fatos falsos, construídos. E promoveu um golpe de Estado em 1964. Não há como negar isso. Essa é uma outra linha de causalidade. Há dois anos e meio a imprensa tentava botar Lula debaixo de sua pauta. Conseguiu agora.
CC: Não é o papel da imprensa tomar conta, fiscalizar?
WGS: É. Tomar conta, sim. Desestabilizar, não. A estabilidade não pode depender de militar, nem da Igreja, nem da imprensa.
CC: As Forças Armadas...
WGS: Duvido que elas voltem a ter a importância que tiveram. Quando se pegava um tenente roubando e gritava “ladrão”, ele dizia: “Está ofendendo as Forças Armadas”. E os generais concordavam. Hoje acontece com jornalista. O jornalista faz uma barbaridade e alguém diz: “Ele fez uma infâmia”. Os grandes jornais alertam: “A liberdade de imprensa está sob ameaça”. É a maior corporação existente hoje no País com um poder infernal.
CC: Essas linhas de causalidade explicam a crise?
WGS: Elas não são responsáveis pelo que acabou sendo a crise. A dimensão da crise não estava na cabeça de ninguém. Assim como ninguém sabe o que vai acontecer. Foi por isso que começaram a puxar os freios.
CC: O comportamento da oposição ficou na linha demarcatória das ações políticas? Alguém, em sua opinião, cruzou a linha?
WGS: Depende do que se chama de cruzar a linha. Quando se começa a dizer, como foi dito, que há iminência de crise institucional está cruzando a linha...
CC: Quem disse isso foi o ex-presidente Fernando Henrique.
WGS: Vamos reler o último parágrafo do artigo de 5 de julho passado, que ele escreveu em O Globo: “Se nada for feito, caberá a quem venha a ser o candidato do PSDB nas próximas eleições apresentar ao eleitorado um programa muito claro com reformas eleitorais, partidárias e da máquina pública. Caberá anunciar de antemão a disposição, se eleito, de recorrer aos mecanismos de consulta à população para validar essas reformas e mesmo, se entender necessário, solicitar ao Congresso uma lei delegada para fazê-las”. Se anunciada por Lula, a proposta seria tomada como fato determinante para criar uma CPI. Ameaça de chavismo.
CC: Por que o PSDB teria chegado a esse ponto?
WGS: Pelo pavor do sucesso do governo Lula. O PSDB sabe que com mais dois anos de governo, como vinha até agora, ele levaria uma surra em 2006.
CC: Interessa a eles chegar ao impeachment?
WGS: Não acredito que eles queiram promover o impedimento de Lula. Mas, se houver a possibilidade, não recuarão. Se a chance aparecer, os tucanos vão apoiar esse golpe branco, porque o governo está sendo bem-sucedido. Se fosse um governo inepto, como se apregoa, o PSDB deixaria Lula em paz e o derrotaria facilmente no ano que vem.
CC: Mas o PSDB não inventou o episódio...
WGS: Caiu na mão do partido esse episódio de corrupção nos Correios.
CC: Declarações como a do governador Aécio Neves – de que Lula não é Collor – seriam uma pitada de bom senso?
WGS: É difícil querer dizer que não está interessado no mesmo movimento que levou ao impedimento de Collor, porque o governo Lula é diferente sem, ao mesmo tempo, chamar a atenção para o fato de que podem ser iguais. Quem foi que disse que era igual? A comparação pode estar na cabeça do formulador da frase.
CC: Frase sibilina.
WGS: Muito sibilina. O PSDB, sobretudo o tucanato paulista, está numa posição de oposição provocadora. Não diria mais que está na posição golpista que já teve e pode voltar a ela.
CC: Estaria havendo transferência de um confronto paulista para o plano nacional?
WGS: Uma parte do imbróglio, do lado tucano, tem a ver com a disputa interna – quem vai ser o candidato – que implica, entre outras coisas, bloquear Aécio Neves e Jereissati. Isso obriga, também, a fazer campanha contra o PT paulista. O PT nacional é o PT paulista levando para o plano federal desavenças locais, de São Paulo.
CC: Isso tem reflexos no governo Lula?
WGS: É uma parte da desarticulação do governo que vem se revelando de uma incompetência na política cotidiana, que não é incompetência normal do PT. Isso só pode ser explicado porque estão fazendo política de São Paulo no Planalto. Não há uma defesa organizada, concatenada em torno das realizações do governo Lula e é por isso que boa parte delas ninguém sabe. Há uma busca desesperada de consenso no governo que parece o processo decisório do PT.
CC: A quem caberia arbitrar para acelerar as decisões?
WGS: Estamos falando da falta de um articulador. No caso, falta o presidente Lula. Ele está exercendo mal o seu papel de presidente. Ele tem o mandato. Não pode levar esse tempo que levou para aparecer com um discurso pífio. Foi o pior discurso político que vi o Lula fazer.
CC: O que houve de tão grave na sua opinião?
WGS: Ele concedeu tudo à oposição. Jogou fora o discurso de posse que foi magistral. Ele disse, ao assumir, que o combate à fome e à miséria seriam a meta ordenadora do governo. Ao discursar no fórum global anticorrupção, ele disse que os países emergentes continuariam pobres enquanto não acabassem com a corrupção. Além de oportunismo, isso é uma tolice. Objetivamente, o presidente disse o seguinte: enquanto for pobre haverá corrupção. Ele concedeu o discurso à pauta da oposição. E falou que a corrupção só acabaria com uma reforma política. Ou seja, Fernando Henrique pautou o discurso de Lula.
"No governo tucano, a denúncia do mensalão não teria provocado grandes marés"
Para Wanderley Guilherme dos Santos, o PSDB não quer o impeachment de Lula, mas não recuará se houver essa possibilidade
Por Maurício Dias
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos é um dos mais renomados e respeitados acadêmicos do País. Na extensa lista de trabalhos publicados por ele, um, especialmente, virou referência bibliográfica. No calor das lutas políticas do início dos anos 60, ele escreveu um livro – Quem Vai Dar o Golpe no Brasil – que prenunciou a derrubada do presidente Goulart em 1964. Ele farejou o golpe militar.
O fantasma dos militares não existe, mas nas últimas colunas que escreve para o jornal Valor Econômico, publicadas às quintas-feiras, ele farejou um “golpe branco” contra Lula no movimento da oposição e, principalmente, do PSDB. Pró-reitor da Universidade Candido Mendes, Wanderley Guilherme dos Santos chegou a ironizar os tucanos, resgatando a imagem de Carlos Lacerda, um político que andava sempre com uma proposta de golpe na cabeça: “O lacerdismo mudou-se para São Paulo”, escreveu, após pensar sobre a frase do ex-presidente Fernando Henrique de que havia uma “crise institucional” no País.
Nesta entrevista a CartaCapital, ele explica a crise pela missão político-eleitoral dos tucanos de algemar o governo para enfraquecer a candidatura Lula em 2006. Diz que, para alcançar esse objetivo, o PSDB chegou a pensar em um “golpe branco”, o impeachment, a partir das denúncias de corrupção. Mas recuou. Acredita que o partido não promoverá a iniciativa, mas, se ela surgir, apoiará. Ou seja, se o cavalo passar arriado, o ex-presidente Fernando Henrique montaria.
CartaCapital: Há uma crise política grave neste momento? Wanderley Guilherme dos Santos: A palavra crise entrou no vocabulário diário da política desde janeiro de 2003. Falou-se de crise todos os dias. Agora, sim, há uma crise política. É uma crise importante. Mas é uma crise normal em sistemas democráticos funcionando, operando. Quer dizer, democracia com uma oposição musculosa como não havia, por exemplo, no governo Fernando Henrique.
CC: Oposição mais forte...
WGS: Agora tem. Não tinha imprensa contra, agora tem. Vivemos um período democraticamente muito mais vivo do que no governo passado. A oposição agora é uma oposição forte. Tem capacidade de agitar e criar problemas e de interferir na agenda política. Por conseqüência, a maioria da imprensa está com a oposição.
CC: O PT, na oposição, não tinha essa força?
WGS: De maneira nenhuma. O PT mobilizava, no máximo, 140 deputados durante todo o período. Se o PT tivesse o poder oposicionista que tem hoje a oposição a Lula, o então presidente Fernando Henrique Cardoso não teria aprovado 21 emendas constitucionais.
CC: O senhor quer dizer que a imprensa não oferecia aos petistas a receptividade que oferece agora à oposição tucano-pefelista?
WGS: Não havia essa simpatia. Isso dá uma outra moldura ao conflito, à disputa democrática. Ela fica mais elétrica e torna maior a possibilidade de se ter crises políticas. Existe uma crise importante agora.
CC: E qual a razão dela?
WGS: Ela não tem uma única causa. Não se trata apenas da causa dos interessados mais evidentes que são os próprios políticos. Aqueles que, num contexto de crítica, têm aumentado o seu poder de barganha, o peso ponderado deles dentro das negociações. Para os políticos de oposição esse é um momento muito importante. Interessa a eles que a crise seja caracterizada como tal: uma crise. Ou seja, o governo está em débito em relação a uma agenda de questões e de perguntas. Por outro lado, é verdade também que se essa denúncia do mensalão tivesse sido feita durante o governo Fernando Henrique não teria provocado grandes marés...
CC: Por quê?
WGS: Primeiro, porque é uma denúncia genérica. Há pagamentos mensais feitos pelo tesoureiro do partido do governo etc. etc. Isso se disse à vontade do Sérgio Motta em situação muito mais complicada, que foi o processo de aprovação da reeleição. E não aconteceu nada porque a oposição não tinha capacidade de fazer acontecer, não tinha grandes políticos querendo fazer acontecer e não tinha a imprensa querendo fazer acontecer. E, assim, não aconteceu. E isso envolvia uma figura chamada Sérgio Motta. O deputado Roberto Jefferson tem um currículo que, por si só, não transfere credibilidade e peso às declarações. Sobretudo em declarações dessa generalidade. Dessa forma, é claro que a questão não está nem no conteúdo da declaração nem em quem declarou. Mesmo que seja verdade, embora não seja fato provado ainda, não foi isso que moveu os interessados. Foi outra coisa.
CC: Ou seja, embora a denúncia tenha sido genérica e falte ao denunciante a necessária credibilidade, logo criou-se um terremoto...
WGS: Portanto, há outras linhas de causalidade além do interesse do deputado Jefferson de se defender e de envolver outras pessoas. Outra causa da crise me parece ser o temor que o PSDB tem de Anthony Garotinho. O pavor do PSDB é que o segundo turno seja com o Garotinho e não com o candidato do PSDB. A transformação da ética na política como divisor de águas, entre maioria e minoria no País, se bem-sucedido, derrota Garotinho. Entretanto, se não for, o eventual decréscimo eleitoral da situação cai no colo de Garotinho. Independentemente de Garotinho, há interesse de o PSDB macular a imagem do Lula. Desde janeiro de 2003 temos tido sucessivas rodadas de denúncias nos jornais acompanhadas de uma pesquisa...
CC: Uma tentativa de linchamento político?
WGS: Não, não chega a isso. São manobras identificáveis. Há sempre um caso: Waldomiro Diniz, a eleição para a presidência da Câmara, o cadastramento no Fome Zero. As pesquisas feitas na seqüência indicavam que, no entanto, a imagem do presidente não era afetada. Isso tem sido desesperador para a grande imprensa...
CC: Qual o interesse dela?
WGS: A democracia em países em desenvolvimento só fica efetivamente consolidada quando dispensar a imprensa, quando o que a imprensa quiser for irrelevante para a estabilidade do governo. A imprensa é um ator importante no que diz respeito à estabilidade do governo em países em desenvolvimento, como o Brasil.
CC: O senhor se refere à capacidade de formar marolas?
WGS: Marolas, não. Grandes furacões. A grande imprensa levou Getúlio ao suicídio com base em nada; quase impediu Juscelino de tomar posse, com base em nada; levou Jânio à renúncia, aproveitando-se da maluquice dele, com base em nada; a tentativa de impedir a posse de Goulart com base em nada. A grande imprensa em países em desenvolvimento é a grande porca das instituições, a grande emporcalhada.
CC: A imprensa é assim ou ela está assim?
WGS: A imprensa não é assim. Ela é assim num certo período dos países. Ela foi assim nos EUA, na Inglaterra, e não é mais. Isso não quer dizer que não haja a imprensa porca e, sim, que a grande imprensa deixou de ser porca. Não é o caso do Brasil. Isso é importante ficar registrado, porque na medida em que passa o tempo a gente esquece. Quando aconteceu em 1954 a gente deixou passar, assim como deixou passar em 1961. Então, não pode deixar passar, não. A imprensa levou Getúlio Vargas ao suicídio com inverdades e com fatos falsos, construídos. E promoveu um golpe de Estado em 1964. Não há como negar isso. Essa é uma outra linha de causalidade. Há dois anos e meio a imprensa tentava botar Lula debaixo de sua pauta. Conseguiu agora.
CC: Não é o papel da imprensa tomar conta, fiscalizar?
WGS: É. Tomar conta, sim. Desestabilizar, não. A estabilidade não pode depender de militar, nem da Igreja, nem da imprensa.
CC: As Forças Armadas...
WGS: Duvido que elas voltem a ter a importância que tiveram. Quando se pegava um tenente roubando e gritava “ladrão”, ele dizia: “Está ofendendo as Forças Armadas”. E os generais concordavam. Hoje acontece com jornalista. O jornalista faz uma barbaridade e alguém diz: “Ele fez uma infâmia”. Os grandes jornais alertam: “A liberdade de imprensa está sob ameaça”. É a maior corporação existente hoje no País com um poder infernal.
CC: Essas linhas de causalidade explicam a crise?
WGS: Elas não são responsáveis pelo que acabou sendo a crise. A dimensão da crise não estava na cabeça de ninguém. Assim como ninguém sabe o que vai acontecer. Foi por isso que começaram a puxar os freios.
CC: O comportamento da oposição ficou na linha demarcatória das ações políticas? Alguém, em sua opinião, cruzou a linha?
WGS: Depende do que se chama de cruzar a linha. Quando se começa a dizer, como foi dito, que há iminência de crise institucional está cruzando a linha...
CC: Quem disse isso foi o ex-presidente Fernando Henrique.
WGS: Vamos reler o último parágrafo do artigo de 5 de julho passado, que ele escreveu em O Globo: “Se nada for feito, caberá a quem venha a ser o candidato do PSDB nas próximas eleições apresentar ao eleitorado um programa muito claro com reformas eleitorais, partidárias e da máquina pública. Caberá anunciar de antemão a disposição, se eleito, de recorrer aos mecanismos de consulta à população para validar essas reformas e mesmo, se entender necessário, solicitar ao Congresso uma lei delegada para fazê-las”. Se anunciada por Lula, a proposta seria tomada como fato determinante para criar uma CPI. Ameaça de chavismo.
CC: Por que o PSDB teria chegado a esse ponto?
WGS: Pelo pavor do sucesso do governo Lula. O PSDB sabe que com mais dois anos de governo, como vinha até agora, ele levaria uma surra em 2006.
CC: Interessa a eles chegar ao impeachment?
WGS: Não acredito que eles queiram promover o impedimento de Lula. Mas, se houver a possibilidade, não recuarão. Se a chance aparecer, os tucanos vão apoiar esse golpe branco, porque o governo está sendo bem-sucedido. Se fosse um governo inepto, como se apregoa, o PSDB deixaria Lula em paz e o derrotaria facilmente no ano que vem.
CC: Mas o PSDB não inventou o episódio...
WGS: Caiu na mão do partido esse episódio de corrupção nos Correios.
CC: Declarações como a do governador Aécio Neves – de que Lula não é Collor – seriam uma pitada de bom senso?
WGS: É difícil querer dizer que não está interessado no mesmo movimento que levou ao impedimento de Collor, porque o governo Lula é diferente sem, ao mesmo tempo, chamar a atenção para o fato de que podem ser iguais. Quem foi que disse que era igual? A comparação pode estar na cabeça do formulador da frase.
CC: Frase sibilina.
WGS: Muito sibilina. O PSDB, sobretudo o tucanato paulista, está numa posição de oposição provocadora. Não diria mais que está na posição golpista que já teve e pode voltar a ela.
CC: Estaria havendo transferência de um confronto paulista para o plano nacional?
WGS: Uma parte do imbróglio, do lado tucano, tem a ver com a disputa interna – quem vai ser o candidato – que implica, entre outras coisas, bloquear Aécio Neves e Jereissati. Isso obriga, também, a fazer campanha contra o PT paulista. O PT nacional é o PT paulista levando para o plano federal desavenças locais, de São Paulo.
CC: Isso tem reflexos no governo Lula?
WGS: É uma parte da desarticulação do governo que vem se revelando de uma incompetência na política cotidiana, que não é incompetência normal do PT. Isso só pode ser explicado porque estão fazendo política de São Paulo no Planalto. Não há uma defesa organizada, concatenada em torno das realizações do governo Lula e é por isso que boa parte delas ninguém sabe. Há uma busca desesperada de consenso no governo que parece o processo decisório do PT.
CC: A quem caberia arbitrar para acelerar as decisões?
WGS: Estamos falando da falta de um articulador. No caso, falta o presidente Lula. Ele está exercendo mal o seu papel de presidente. Ele tem o mandato. Não pode levar esse tempo que levou para aparecer com um discurso pífio. Foi o pior discurso político que vi o Lula fazer.
CC: O que houve de tão grave na sua opinião?
WGS: Ele concedeu tudo à oposição. Jogou fora o discurso de posse que foi magistral. Ele disse, ao assumir, que o combate à fome e à miséria seriam a meta ordenadora do governo. Ao discursar no fórum global anticorrupção, ele disse que os países emergentes continuariam pobres enquanto não acabassem com a corrupção. Além de oportunismo, isso é uma tolice. Objetivamente, o presidente disse o seguinte: enquanto for pobre haverá corrupção. Ele concedeu o discurso à pauta da oposição. E falou que a corrupção só acabaria com uma reforma política. Ou seja, Fernando Henrique pautou o discurso de Lula.
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