A Semana da Consciência Negra
Louvar a abrangente e definitiva herança africana na formação do país
A semana da consciência negra é comemorada na data de morte de Zumbi dos Palmares, 20 de novembro, para quem o mais importante não era viver livre, mas libertar todos os negros ainda escravos do Brasil.
É errado supor que todos os negros fossem escravos, ou de que só eram livres nos quilombos. Os negros casavam, inclusive entre si e de papel passado, tinham posses e possuíam uma elite. Muitas vezes compraram a própria alforria ou a de outros escravos, como a história tanto mostra, mas que continua encoberta na historicidade oficial do Brasil.
Foram cerca de 4 milhões de africanos trazidos para o Brasil pelo tráfico de escravos, sendo 1,5 milhão na sua última fase, entre 1800 e 1850. Calcula-se que por volta de 1800 os mestiços (mulatos e caboclos) já representavam de 20% a 30% da população total. Com estes números é possível ter a dimensão do que foi a vinda do negro para a estratificação social brasileira. Em 1860, os negros eram 45% da população brasileira. Logo após a guerra do Paraguai, 15 anos depois, esse índice caiu para apenas 15%. No mesmo período, os brancos quase duplicaram sua participação na sociedade brasileira.
Desde o fim do século XIX até quase o início dos anos 30 do século passado era comum, entre intelectuais brasileiros, culpar os negros, mestiços e índios pelo atraso do País. A embranquecimento da população ocorrida no século XIX não foi à toa, muitos pensavam que só assim o Brasil seria uma nação competitiva com as demais potências da época.
Surge, então, em 1930, uma teoria que pode resolver problema tão difícil. É a democracia racial. Essa teoria terá como principal mentor Gilberto Freyre, e como principal referência bibliográfica a sua obra “Casa Grande e Senzala”.
Freyre argumenta que a colonização portuguesa, em relação a outras práticas de escravidão, foi uma colonização que, a grosso modo, não maltratou tanto o negro. E quando isso acontecia, as punições eram justas. Nasce assim, a teoria da harmonia entre negros e brancos. O que antes era o defeito do Brasil - o grande número de negros e o alto grau de miscigenação -, passou a ser qualidade. O Brasil era um país formado a partir da contribuição dos negros, dos brancos e dos índios, e essas três raças viviam de forma harmônica. Não havia discriminação no país. Do cruzamento das três raças surgia o “brasileiro”. Resultado: não fazia mais sentido discutir sobre questões raciais já que o “brasileiro” sintetizava, de forma harmoniosa, as contribuições raciais. Essa visão de “paraíso racial” parecia perfeita quando comparada a outras realidades, principalmente a norte-americana, onde as fronteiras raciais se desenhavam com mais nitidez.
Este “paraíso racial” ajudou a mascarar uma situação a que não havia sido criada uma solução: a da verdadeira inserção do negro na sociedade brasileira. Até 1988, o problema parecia que não existia, mas na nova Constituição Federal o assunto foi tratado com o zelo que se devia. Hoje existe apenas a quinta geração depois da abolição da escravatura. Os bisavós de muitos de vivenciaram a escravatura, o que significa que existe um certo costume de imaginar os negros em funções subalternas. O primeiro negro a entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) aconteceu no novo milênio apenas. Assim como a primeira senadora negra só veio a ocorrer no final do século passado.
Recentemente, o Ministério da Justiça fez circular o mais completo documento sobre a criminalidade no Brasil, diagnosticando as suas raízes e sugerindo maneiras de combatê-la. O documento do Ministério da Justiça afirma que “o problema mais dramático é o verdadeiro genocídio a que vem sendo submetida à juventude brasileira, especialmente a juventude pobre, do sexo masculino e, em particular, os jovens negros. A magnitude do problema é tal, que suas conseqüências já são perceptíveis na estrutura demográfica. A estratificação etária da população apresenta um déficit de jovens do sexo masculino apenas comparável ao que se verifica em sociedades que se encontram em guerra. É como se o Brasil experimentasse os efeitos devastadores de uma guerra civil sem bandeira, sem propósito, sem ideologia e sem razão”.
O progresso realizado desde a promulgação da Constituição de 1988 não foi tampouco insignificante: igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; assegurar os direitos dos remanescentes de quilombos; o desenvolvimento de políticas para promoção da igualdade racial; nomeação de ministros e secretarias. Hoje, pensar a questão negra, significa articulá-las, por exemplo, com a política, dívida externa, desemprego, sistema de habitação, saúde, educação, cultura, etc. Porque pensar a questão negra é pensar o Brasil.
A origem da herança africana no Brasil
A importância da cultura negra é de tal ordem que ela se explicita na cotidianidade dos nossos falares, gestos, movimentos e modos de ser que atuam de tal maneira que deles, muitas vezes, nem se tem consciência. E é isso que caracteriza a cultura viva de um povo.
Os primeiros grupos de negros desembarcaram na Bahia por volta de 1550. Eram de origem banto e procediam, em sua maioria, dos Reinos do Congo, Dongo e Benguela. Trouxeram um riquíssimo patrimônio civilizatório, transmitiram e expandiram tradições ancestrais que influenciaram, entre outros, a língua, os costumes, a alimentação, a medicina e a arte no Brasil. Introduziram métodos agrícolas aperfeiçoados, transplantaram vários produtos que, graças aos seus cuidados, se aclimaram perfeitamente e foram assimilados na culinária de toda a população. Com seus fortíssimos valores coletivos marcaram toda a formação social brasileira.
O negro e a ancestralidade nas artes plásticas brasileira
No campo artístico podemos destacar Antônio Francisco da Costa Lisboa, o Aleijadinho. Filho de mãe africana e pai português, Aleijadinho nasceu em 1730, em Vila Rica, atual Ouro Preto. Como entalhador decorou interiores de igrejas de várias cidades mineiras, principalmente em Vila Rica. Era também excelente escultor, deixando uma série de estátuas que compõem o conjunto do santuário de Bom Jesus, em Congonhas.
Além de Aleijadinho, vários artistas plásticos negros se destacaram através dos tempos. Podemos destacar o escultor Francisco Manoel das Chagas, o Cabra; o cenógrafo, desenhista e caricaturista Crispim do Amaral; o pintor José Teófilo de Jesus; o pintor Estevão Roberto da Silva; o taipeiro Joaquim Pinto de Oliveira Thebas; o desenhista, gravador e escultor José da Paixão; o artista plástico Gabriel Joaquim dos Santos; o entalhador Agnaldo Manoel dos Santos e o escultor Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim, entre tantos outros.
O negro e a ancestralidade musical brasileira
O lundu é uma canção originada nas danças africanas, que tem, por isso, um caráter rítmico, cadenciado e um sentido mais sensual. Há ainda a congada, o jongo, o semba, a umbigada e etc. Todos eles considerados ancestrais da música popular brasileira, juntamente com a modinha, um ritmo europeu trazido pelos portugueses.
No começo do século XX os negros pobres – recém-libertos, moradores de cortiços no Rio de Janeiro – continuam exercitando seus batuques e rodas de capoeira. De outro, acontecem os pagodes nas célebres festas nas casas das tias baianas (a mais famosa é a Tia Ciata no Rio de Janeiro), depois dos ritos de devoção aos orixás. O Carnaval cresce em importância e incorpora os desordenados blocos dos negros, com suas batucadas, e os ranchos organizados pelos mestiços, que se agrupam em corporações profissionais nas quais se desenvolve a marcha-rancho.
Donga (Ernesto dos Santos) registra o samba carnavalesco Pelo Telefone em 1917. Apesar de estar musicalmente mais próxima de um maxixe, a composição marca, ao mesmo tempo, o começo da profissionalização na música popular e o nascimento oficial do samba. Também é de 1917 a primeira gravação de uma canção de Pixinguinha, um dos mais importantes compositores populares do país, tanto de canções como de música instrumental. Ele estabelece as bases da música popular, particularmente do choro, e dá início a uma linguagem orquestral brasileira. Outros nomes ligados à criação e ao amadurecimento do samba são Caninha (João Lins de Moraes) e João da Baiana (João Machado Guedes).
Durante a década de 20 e 30 dá-se a estruturação do samba – até então muito ligado musicalmente ao maxixe – e consolidam-se as bases para praticamente todos os outros movimentos musicais. O aparecimento e a grande expansão do rádio possibilitam o surgimento dos primeiros ídolos populares. São inúmeros os compositores e intérpretes negros que despontam nesse período. Sinhô (1888-1930), o rei do samba; Ismael Silva, que dá forma definitiva ao gênero; Lupicínio Rodrigues, o compositor das grandes dores de amor.
Heróis negros da Guerra do Paraguai
Apesar de toda discriminação, a participação do negro na Guerra do Paraguai foi tão importante para o Brasil que alguns deles chegaram até a voltar das batalhas como heróis.
Dentre os heróis negros da Guerra do Paraguai podemos destacar: Cesário Alves da Costa, que demonstrou tanta bravura na tomada do Forte Curuzu que foi promovido a sargento, fato raro no sistema escravocrata. Outro negro promovido foi Antonio Francisco de Melo, da Marinha. Melo se destacou tanto na batalha do Riachuelo, e em outras batalhas, que começou a guerra como cadete, passou a sargento e chegou a capitão. Seu batalhão era todo formado por negros. Quando chegou a capitão, foi afastado do comando das batalhas. Marcílio Dias também ficou famoso por sua bravura. Foi ferido e morto na batalha do Riachuelo. Hoje em dia virou um pelotão da marinha que é a guardiã do busto feito em sua homenagem.
Alguns casos chegaram ao terreno do lendário e mitológico. Um deles fala de um negro chamado Jesus que executou o toque de avançar com sua corneta presa apenas entre os lábios, pois estava com os braços mutilados.
Mulheres negras do Brasil Imperial
As mulheres negras tiveram papel fundamental na luta abolicionista brasileira. Nas sociedades africanas, diferente da européia de então, as mulheres eram iguais aos homens e faziam todas as tarefas que lhes cabiam: chefiando tribos e nações; participando de batalhas e de caçadas; realizando rituais. Na história do Brasil temos Chica da Silva como fomentadora de rebeliões que visavam à fuga para os quilombos.
Mulher de temperamento forte, Chica participava ativamente da vida cultural. Construiu salas de espetáculo para a apresentação de artistas conceituados da época e organizou uma escola de pintores. Ajudou na construção do Convento de Macaúbas, onde educou nove filhas. Entre os seus filhos temos um desembargador, um naturalista, um padre, uma freira. Financiou a alforria de vários escravos e investiu recursos na organização da Inconfidência Mineira. Sob a influência de Chica da Silva, João Fernandes, seu marido, libertava os escravos que encontrassem diamante com mais de 60 quilates.
Chica não foi só uma exceção. Mas é mais comum encontrar histórias como a da escrava Anastácia, mulher bonita e desejada pelos feitores, que foi de encontro ao seu destino ao recusar os convites amorosos de seus senhores, ela não acreditava que ninguém pudesse ser senhor de seu corpo, foi submetida à tortura e à imposição de uma máscara de ferro no rosto que só era retirada para a alimentação. Acabou morrendo, doente, mas virou santa para a população pobre que reconhece nela o surgimento de muitos milagres.
As mulheres cativas, apesar de estarem inseridas, como os homens, em tarefas produtivas, tinham a função de reprodutoras, o que não permitia a realização do lucro esperado. Desta forma eram freqüentemente destinadas às necessidades e solicitações da casa-grande, servindo, entre outras atribuições, como objeto sexual e ama-de-leite. Em uma sociedade patriarcal, onde o poder e a vontade dos homens era imperativo e os desejos sexuais no casamento cerceados por regras morais e valores religiosos, as escravas eram obrigadas a satisfazer a libido tanto do senhor quanto de seus filhos, sendo submetidas a todo o tipo de fantasias. As senhoras, por sua vez, sentiam os laços abençoados e sacramentados da família ameaçados por este tipo de prática, tornando-se por vezes mais cruéis do que os feitores.
O quilombo de Palmares
Já no ano de 1572, há revoltas e fugas em massa. Inspirados na resistência comandada pela Rainha Nzinga Mbandi Ngola Kiluanji do Ndongo – a Rainha Ginga, eternizada nas congadas – contra os portugueses, um grupo de negros fugitivos se juntaram ao líder Ganga Zumba e, em 1604, subiram a Serra da Barriga (AL), lançando ali as bases do primeiro estado negro livre brasileiro, o Quilombo dos Palmares, onde habitaram durante todo o século XVII. A história registrou Aqualtune como uma das grandes lideranças desta região, símbolo das centenas de mulheres negras anônimas que viveram livres nos muitos quilombos formados no interior do país.
José Felício dos Santos em seu livro ‘Ganga Zumba’ assim narra o início do quilombo dos Palmares:
“Ninguém sabe ao certo quando começou a história do rei Zumbi.
Velhos livros contam que, um dia, trinta ou quarenta escravos guinês fugidos de uma fazenda nordestina fundaram um núcleo independente em um outeiro inóspito da serra da Barriga, nas Alagoas, então Capitania de Pernambuco.
Talvez isso tivesse acontecido por volta de 1605.
Mais tarde, com o esparrame da notícia pelos ainda novos engenhos e povoados onde só o que imperava era a prepotência dos brancos, aquele núcleo dos desassombros cresceu rapidamente por via de novas levas oprimidas que principiaram a buscar refúgio naquelas ermas seguranças ... Palmares foi uma exceção magnífica, um fruto sublime da sede de libertação que, a par do banzo mortal, atacava os negros mais nobres entregues às contingências do cativeiro, apenas aportados ao Brasil, Cuba e, ocasionalmente, a outros países americanos”.
A luta pela abolição
O Brasil foi um dos últimos países das Américas (o outro era Cuba) a abolir a escravatura, que só veio em 1889, com a promulgação da Lei Áurea pela Princesa Isabel, mas este projeto só ganhou corpo devido a intensa pressão política praticada pelos abolicionistas: negros, mestiços, ex-escravos sensíveis e solidários aos escravos, intelectuais que tinham como referencial as doutrinas liberais e evolucionistas. Entre os abolicionistas negros podemos destacar: José do Patrocínio, Luís Gama, André Rebouças, Cruz e Souza.
Luiz Gama, tipógrafo, soldado, escrivão de polícia e jornalista. Filho natural de uma africana livre, da Nação Nagô, que levava o nome de Luíza Mahin, tendo sido presa várias vezes por suspeita de envolvimento em planos de insurreições de escravos e de um senhor rico e herdeiro de umas principais famílias portuguesas da Bahia que dispensou ao filho a atenção necessária. Mas, ao perder seus bens e riquezas, devido aos vícios do jogo, se viu obrigado a vender o jovem Luiz Gama, com apenas 10 anos, para ressarcir algumas velhas dívidas.
Luiz Gama foi criado por um português de nome Vieira que lhe ensinou as prendas domésticas para que se tornasse um pajem (empregado particular dos senhores), mas, sem o seu senhor saber, aprendeu a ler e escrever com a ajuda de um sobrinho de Vieira estudante de Humanidades e que passara um período de férias no Brasil. E foi a compreensão da escrita que o libertou da condição de escravo, fugindo de casa para se alistar na marinha brasileira. Foi aconselhado a dar baixa, seis anos depois, tendo chegado a cabo de esquadra graduado, por ato de insubordinação, por ter ameaçado um oficial que o teria desacatado. Assim descreveu seu biógrafo: "um homem de cor, mal egresso do cativeiro, pobre, paupérrimo, sem outras armas que não uma primorosa inteligência e uma indomável coragem moral, teve a audácia de enfrentar o opressivo regime social, vigente há milênios, sozinho, isolado, contra tudo e contra todos, numa hora em que era crime por em dúvida a legalidade da instituição. A presença de brancos e negros, pobres e ricos, moços e velhos, transformou em ato público o que deveria ter sido apenas um sepultamento. Naquele mesmo momento, Gama tornou-se símbolo do movimento abolicionista paulista e de seu radicalismo."
Um outro negro percorreu um caminho inverso ao de Gama. Era pertencente a uma pequena elite negra e mulata que existia no Brasil do século XIX e que acumulava posses, conseguia, através de apoios e amizade, ascender socialmente, adquirindo um tratamento igualitário. André Rebouças, inventor, político, pensador do abolicionismo, monarquista, engenheiro pela Escola Militar, membro da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, do clube de Engenharia e do círculo de personalidades influentes como o Visconde de Taunay, o Barão do Rio Branco e do próprio Imperador D. Pedro II, fez parte de um grupo pequeno, mas representativo, de reformadores, que apresentava avançadas propostas sobre a problemática da terra. Para o engenheiro, não era só importante a libertação dos escravos, mas o que fazer com que esse contingente de trabalhadores tivesse o que fazer com a liberdade em mãos. O problema não era só a escravidão, mas também o latifúndio e a monocultura. Rebouças afirmava que o País era tomado por um verdadeiro ‘feudalismo’. “A nossa propriedade territorial está tão concentrada, tão mal dividida, tão mal distribuída, que neste vasto Império, afora os sertões e os lugares incomunicáveis, não há terras para serem cultivadas pelos brasileiros e estrangeiros, que não têm outra esperança senão nas subdivisões tardias que a morte e as sucessões podem operar”.
José do Patrocínio, jornalista, orador, poeta e romancista, um dos fundadores da ABL e combatente tenaz do abolicionismo, ficou conhecido pelo seu grande poder de oratória. Era chamado de o “Tigre da Abolição”. Patrocínio era adepto do isabelismo, ou seja, acreditava que o fim da escravidão se deu devido a um grande ato de bondade da princesa e que a monarquia tinha que ser preservada. Em defesa da monarquia, Patrocínio vai arregimentar negros para criar a Guarda Negra. Esse batalhão tinha como objetivo impedir a propaganda republicana mesmo que fosse necessário o uso da força.
Apesar de Patrocínio ter depois aderido à República e ter proposto a criação de um partido negro no Brasil, sua imagem sempre foi ligada a sua imensa gratidão à Princesa Isabel.
Sendo um dos mais importantes poetas brasileiros, João da Cruz e Souza foi figura de destaque contra a escravidão. Filho de ex-escravos, nasceu em Santa Catarina e sofreu muito preconceito racial. Como militante abolicionista editou o jornal “O Moleque”. Os temas de suas poesias voltavam-se freqüentemente para os marginalizados e miseráveis, em particular os negros. Cruz e Souza foi apelidado de “Dante Negro” e seu trabalho é um marco na literatura brasileira.
O negro na política
No campo político os negros tiveram papel de destaque em todas as revoluções brasileiras. Na Conjuração Baiana, que propunha uma nova ordem para o Brasil em substituição à ordem vigente: República, igualdade, fraternidade, liberdade, abolição dos escravos, comércio livre entre todos os povos, um salário mais elevado para os soldados, promoção para os oficiais, colaboração entre as classes, fundação de uma igreja brasileira desligada da Cúria romana, etc. Idéias que favoreciam principalmente as classes populares, negros e escravos.
Na lista dos implicados e registrados nos Autos da Devassa da Conjuração Baiana encontra-se um número significativo de pessoas identificadas como pardos, pardos livres, pardos escravos, escravos, pardos alfaiates, pardos forros.
No período regencial a cena política continuou conturbada. Várias revoltas eclodiram pelo país. Eram províncias querendo maior autonomia, lutas para a implementação da República, insatisfação de proprietários rurais com o governo regencial, levantes populares, divergências entre portugueses e brasileiros.
Entre as revoltas da época regencial, podemos destacar a Sabinada (1834-1837 - Bahia); a Guerra dos Farrapos (1835-1845 - Sul do país); a Cabanagem (1835-1840 - Pará); e a Balaiada (1838-1841 - Maranhão).
Na Balaiada e na Cabanagem a participação de negros foi importante não só em termos numéricos como também em termos de liderança. Na Balaiada, por exemplo, dois dos seus líderes negros vão ter importância fundamental: Raimundo Gomes e Cosme Bento das Chagas.
No final do século XIX e início do XX, tivemos outros personagens negros que marcaram o pensamento brasileiro. Podemos citar: Tobias Barreto, jurista, poeta e filósofo; os filósofos Tito Lívio de Castro e Farias Brito; o romancista Teixeira e Souza; a poetisa Auta de Souza; o psiquiatra Juliano Moreira; o teólogo e poeta Dom Silvério Gomes Pimenta, a romancista Maria Firma dos Reis e Machado de Assis, entre outros.
Na República Velha e na Nova, o negro continuou sem o acesso pleno à cidadania e sem poder político. Eram discriminados no trabalho, não controlavam as instituições. Em 1919 houve uma greve geral na Cervejaria Brahma feita pelos condutores, todos os portugueses que lá trabalhavam ou os brancos de pele foram readmitidos quando finda a reivindicação pelos funcionários. Aos negros, bem, muitos foram demitidos e outros tantos continuaram a receber salário inferior aos outros.
A primeira deputada negra a ser eleita ocorreu em Santa Catarina (SC) no ano de 1934 quando houveram as primeiras eleições em que as mulheres brasileiras puderam votar e serem votadas. Foi a primeira onda do feminismo brasileiro. Antonieta de barros foi eleita pelo Partido Liberal Catarinense, era além de política, também jornalista, escritora e educadora.
Em 1975 há uma segunda onda feminista no Brasil que impulsiona várias candidaturas de negros, porém uma que se deve ressaltar o nome de Benedita da Silva, a primeira negra a atingir os mais altos cargos da história do Brasil: vereadora, deputada federal constituinte, reeleita para um segundo mandato em 1990, senadora, em 1994, com mais de 2 milhões e 400 mil votos, e vice-governadora no pleito de 1998 e autora do projeto que inscreveu Zumbi dos Palmares no panteão dos heróis nacionais.
O negro nos esportes
O esporte, segundo cientistas sociais, permitiu que os negros se destacassem. ''É um espaço democrático ao contrário de outros setores da sociedade'', enfatiza o antropólogo César Gordon, integrante do grupo de pesquisa Esporte e Cultura. ''A visão preconceituosa que se tinha do negro vai se invertendo com as conquistas dos atletas negros. Há uma revalorização da população negra, que, no entanto, ainda guarda elementos da teoria racial. Tem-se a idéia de que o negro tem espaço na dança, na música, naquilo que mexe com o corpo, com a ginga. Com o intelecto, não'', completa César. O depoimento do jogador Róbson, que jogou no Fluminense na década de 50, no livro de Mário Filho, dá bem a noção do que é isso: ''Já fui negro e sei o que é isso''. Ele se referia ao preconceito de antes do sucesso, quando ainda ''era negro''; depois de receber aplausos das multidões, por seu talento, passou a sentir-se ''branco''.
Ídolo de um esporte que une, no Brasil, sob a mesma paixão, 30 milhões de praticantes de todas as raças, credos, pensamentos, idéias, Pelé retrata o exemplo de negro bem-sucedido que venceu na vida graças ao talento. Num dos mais democráticos ambientes da sociedade (o futebol), o Rei conquistou seu espaço, quaisquer fossem sua raça, credo, pensamento, idéia. Escreveu Mário Filho no seu livro ‘O negro no futebol brasileiro’, de 1947: ''Dondinho era preto, preta era dona Celeste, preta vovó Ambrosina, preto o tio Jorge, pretos Zoca e Maria Lúcia. Como se envergonhar da cor dos pais, da avó que lhe ensinara a rezar, do bom tio Jorge, que pegava o ordenado e entregava-o à irmã para inteirar as despesas da casa, dos irmãos que tinha de proteger? A cor dele era igual. Tinha de ser preto. Se não fosse preto não seria Pelé.''
A posição do negro no esporte teve dois aspectos: no primeiro, não tinha vez; depois, ganhou projeção de acordo com sua excelência. Mesmo hoje, a tese de que os campos são igualitários encontra críticos. ''A visibilidade que os atletas negros têm em determinados esportes é fruto não de oportunidades democráticas e, sim, de habilidades aliadas a fatores econômicos'', acredita o compositor e escritor Nei Lopes. ''Esportes como futebol, corridas, basquete não exigem grandes investimentos em cursos, equipamentos, materiais. E aí fica mais fácil para os mais pobres, como a maioria dos negros.''
O negro nas ciências
Um dos homens mais importantes pensadores do Brasil, o Professor Milton Santos, dizia: “O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político. A escravidão marcou o território, marcou os espíritos e marca ainda hoje as relações sociais deste país.”
Mas, sem sombra de dúvida, André Rebouças, inventor, político, pensador do abolicionismo, monarquista, engenheiro pela Escola Militar, membro da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, do clube de Engenharia e do círculo de personalidades influentes como o Visconde de Taunay, o Barão do Rio Branco e do próprio Imperador D. Pedro II foi um dos mais fantásticos personagem da história brasileira.
Um dos artefatos militares mais utilizados nos últimos dois séculos foi sua criação: o torpedo. Esta peça da artilharia naval foi usada e com sucesso na Guerra do Paraguai, aumentando significantemente as perdas paraguaias.
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