O SENHOR DA GUERRA
(letra e música: Renato Russo)
Existe alguém esperando por você
Que vai comprar a sua juventude
E convencê-lo a vencer
Mais uma guerra sem razão
Já são tantas as crianças com armas na mão
Mas explicam novamente que a guerra gera empregos
Aumenta a produção
Uma guerra sempre avança a tecnologia
Mesmo sendo guerra santa
Quente, morna ou fria
Pra que exportar comida?
Se as armas dão mais lucros na exportação
Existe alguém que está contando com você
Pra lutar em seu lugar já que nessa guerra
Não é ele quem vai morrer
E quando longe de casa
Ferido e com frio o inimigo você espera
Ele estará com outros velhos
Inventando novos jogos de guerra
Que belíssimas cenas de destruição
Não teremos mais problemas
Com a superpopulação
Veja que uniforme lindo fizemos pra você
E lembre-se sempre que Deus está
Do lado de quem vai vencer
O senhor da guerra
Não gosta de crianças
29 de abr. de 2003
E la nave va
Sei não, mas quando Míriam Leitão resolve assumir a defesa da focalização, eu já sou contra. Quando leio que a turma da FGV (Marcelo Néri) é a favor da focalização, eu torço nariz e creio que continuo correto em achar que vão desmantelar algo que dá certo.
Quando começa os principais veículos a se juntar com teóricos para fazer lobbies por projetos é por quererem continuar como Rômulo e Remo na teta da loba.
Sei não, mas quando Míriam Leitão resolve assumir a defesa da focalização, eu já sou contra. Quando leio que a turma da FGV (Marcelo Néri) é a favor da focalização, eu torço nariz e creio que continuo correto em achar que vão desmantelar algo que dá certo.
Quando começa os principais veículos a se juntar com teóricos para fazer lobbies por projetos é por quererem continuar como Rômulo e Remo na teta da loba.
Lindibérgui, o esperneador crianção
Quando eleito em seu primeiro mandato no Congresso Nacional, o deputado cara-pintada vivia manguaçado. Sabe como é que é, as regalias do bar do congresso que teima em servir doses generosas de uísque aos congressistas. E assim vivia o parlamentar, bêbado, trepidante, sempre atrasado (afinal, a dose era grande) e perguntando no que tinha que votar e cômo.
Hoje não sei se continua na manguaça, mas ao que parece continua na contramão da história.
Quando eleito em seu primeiro mandato no Congresso Nacional, o deputado cara-pintada vivia manguaçado. Sabe como é que é, as regalias do bar do congresso que teima em servir doses generosas de uísque aos congressistas. E assim vivia o parlamentar, bêbado, trepidante, sempre atrasado (afinal, a dose era grande) e perguntando no que tinha que votar e cômo.
Hoje não sei se continua na manguaça, mas ao que parece continua na contramão da história.
28 de abr. de 2003
Cuba dói
(aquilo que dói, ensina)
por Homero Muñoz
DÓI a Galeano e Saramago que Cuba fuzilasse três seqüestradores e apreendesse um grupo de dissidentes.
Vou obviar as questões jurídicas porque não é o caso.
Vou também obviar o pragmatismo, o muito perigoso e complexo balanço das conveniências e inconveniências, do ponto de vista do futuro da Revolução cubana, pois, sem dúvida, não possuo (e acho que Galeano e Saramago tampouco), todos os argumentos para tamanha avaliação.
Gostaria de apontar para outro lado.
Poderia se afirmar que a Revolução cubana é de todos, na medida em que afeta todos. Nomeadamente aos latino-americanos que, desde a entrada dos barbudos em Havana, vimos transtrocadas todas as perspectivas de ação no subcontinente. Deste ponto de vista é que todos opinamos a respeito dos fatos e avatares desta Ilha, que quer queira quer não, tem virado ponto de referência mundial.
Porém, a Revolução cubana é isso, cubana. E são os cubanos quem fazem e desfazem. E defendem-na e aferram-se nela aqueles que têm vindo a construí-la com muito trabalho e esforço.
Sei que ninguém duvida isso. Mas o próprio tempo, sem pôr em dúvida isso, foi absolutamente obviado. E não achem que, tal qual Neruda, «peço silêncio». E tampouco claque acrítica.
Contudo, parece-me que as «boas notícias» que Galeano anuncia para os ianques, são fundamentalmente o coro de homens públicos, que, como se tivessem sido obrigados a fazê-lo, para que ninguém fosse confundi-los, de que algum leitor ignoto fosse pôr em dúvida suas trajetórias políticas ou literárias, esclareceu à imprensa sua posição contra a pena de morte e contra o fato de a Revolução ter prendido esses cidadãos cubanos.
As boas notícias para os ianques são que, depois de todo o que os cubanos disseram justificando sua eleição pelo sistema unipartidarista, venham estrondosamente discordar pessoas de inquestionável peso político, neste momento tão transcendental, com a «democracia cubana».
Aliás, se este fato de servir o prato ao império é feito alternando uma frase antiEUA com um porrete para Cuba, a equanimidade do escrevente salva-se e o imaculado vestido branco do equilíbrio tremula livre na haste libertária.
Como é lógico, depois vem a liberdade, a imundícia e a baixeza do império menoscabando, comprando, apodrecendo; colocando jornalistas onde apenas há mercenários, pagando salários para fabricar dissidências, escondendo todas as conspirações sob uma fachada de democracia segundo eles e contando com os intelectuais da esquerda que, das dunas de Lanzarote ou das praias uruguaias fazem, do culto aos pêlos de seu umbigo, um capítulo irresponsável na roda da história. O sino de vidro que impede este insignes paladinos da pureza se poluírem e, que de sua atalaia, possam nos mostrar o caminho, não protege a nós todos.
Se adicionarmos os Saramago, os Galeano e a CNN e colocássemos na tela, na mesa da gente do mundo, sem argumentos suficientes, sem a história, sem a visão do contexto que está indubitavelmente à disposição desta soma, o resultado que obtemos são só boas notícias para o império.
Acontece que, em minha opinião, eles escolhem pessimamente o momento e o contexto para emitirem suas opiniões.
Eu poderia mesmo estar conforme com alguns dos acertos, a preto e branco, repetidos até o cansaço pela mídia.
Porém, em meio à guerra, a uma guerra que é, aliás, contra nós todos, não podemos, de jeito nenhum, fornecer mais armas ao inimigo das que já tem.
Parece-me escutá-los dizer: «Os cubanos foram os que lhes forneceram as armas com sua atuação».
Ora, como isso nos pareceu mal, então vamos correr à imprensa internacional para esclarecermos que nós, os demais latino-americanos, não apoiamos tamanha atuação?
Para quem essas declarações?
Para seus leitores? Para o inimigo? Para eles próprios, isto é, para o espelho?
Ao pensarmos em que os cubanos forneceram tais armas aos ianques, então nós contribuímos e fornecemos-lhes mais? Dizemo-lhes: «Olhem, a América Latina toda está pendente de Cuba. Eh? Olhem, há intelectuais macanudos, que não concordamos nem com a democracia cubana, nem com a legalidade cubana, nem com Fidel, nem com o Partido Comunista Cubano, nem com a burocracia, nem com o G-2, nem com que sejam encarceradas pessoas por pensarem diferente, nem com a falta de liberdade da imprensa e de opinião em Cuba, entre outros.
Julgo que falta-lhes pouco para repetirem os textos ditados por Mas Canosa.
Imagino que já pensaram em que a chefia de Cuba colocou na balança os custos políticos por ter feito o que fez e ainda assim, o fez também (quando há alguns anos, estava dando passos para se aproximar dos «requerimentos», a fim de conseguir que se suspendesse o bloqueio).
Se Cuba soube fazer alguma coisa, essa tem sido se defender. Caso contrário, teria sucumbido.
E agora os ianques apertaram o acelerador (espero de que também reparassem nisso). O mundo está em guerra. declararam-nos guerra. E uma das etapas dessa guerra de consolidação imperial, vocês sabem muito, é Cuba.
Cá há duas trincheiras, a nossa e a do império (decerto, as guerras são o mais maniqueístas). O sr. Bush assim no-lo impôs.
Eu também gosto da cor cinza, mas, nalguns momentos da história, o cinzento só faz crescer a escuridão.
(aquilo que dói, ensina)
por Homero Muñoz
DÓI a Galeano e Saramago que Cuba fuzilasse três seqüestradores e apreendesse um grupo de dissidentes.
Vou obviar as questões jurídicas porque não é o caso.
Vou também obviar o pragmatismo, o muito perigoso e complexo balanço das conveniências e inconveniências, do ponto de vista do futuro da Revolução cubana, pois, sem dúvida, não possuo (e acho que Galeano e Saramago tampouco), todos os argumentos para tamanha avaliação.
Gostaria de apontar para outro lado.
Poderia se afirmar que a Revolução cubana é de todos, na medida em que afeta todos. Nomeadamente aos latino-americanos que, desde a entrada dos barbudos em Havana, vimos transtrocadas todas as perspectivas de ação no subcontinente. Deste ponto de vista é que todos opinamos a respeito dos fatos e avatares desta Ilha, que quer queira quer não, tem virado ponto de referência mundial.
Porém, a Revolução cubana é isso, cubana. E são os cubanos quem fazem e desfazem. E defendem-na e aferram-se nela aqueles que têm vindo a construí-la com muito trabalho e esforço.
Sei que ninguém duvida isso. Mas o próprio tempo, sem pôr em dúvida isso, foi absolutamente obviado. E não achem que, tal qual Neruda, «peço silêncio». E tampouco claque acrítica.
Contudo, parece-me que as «boas notícias» que Galeano anuncia para os ianques, são fundamentalmente o coro de homens públicos, que, como se tivessem sido obrigados a fazê-lo, para que ninguém fosse confundi-los, de que algum leitor ignoto fosse pôr em dúvida suas trajetórias políticas ou literárias, esclareceu à imprensa sua posição contra a pena de morte e contra o fato de a Revolução ter prendido esses cidadãos cubanos.
As boas notícias para os ianques são que, depois de todo o que os cubanos disseram justificando sua eleição pelo sistema unipartidarista, venham estrondosamente discordar pessoas de inquestionável peso político, neste momento tão transcendental, com a «democracia cubana».
Aliás, se este fato de servir o prato ao império é feito alternando uma frase antiEUA com um porrete para Cuba, a equanimidade do escrevente salva-se e o imaculado vestido branco do equilíbrio tremula livre na haste libertária.
Como é lógico, depois vem a liberdade, a imundícia e a baixeza do império menoscabando, comprando, apodrecendo; colocando jornalistas onde apenas há mercenários, pagando salários para fabricar dissidências, escondendo todas as conspirações sob uma fachada de democracia segundo eles e contando com os intelectuais da esquerda que, das dunas de Lanzarote ou das praias uruguaias fazem, do culto aos pêlos de seu umbigo, um capítulo irresponsável na roda da história. O sino de vidro que impede este insignes paladinos da pureza se poluírem e, que de sua atalaia, possam nos mostrar o caminho, não protege a nós todos.
Se adicionarmos os Saramago, os Galeano e a CNN e colocássemos na tela, na mesa da gente do mundo, sem argumentos suficientes, sem a história, sem a visão do contexto que está indubitavelmente à disposição desta soma, o resultado que obtemos são só boas notícias para o império.
Acontece que, em minha opinião, eles escolhem pessimamente o momento e o contexto para emitirem suas opiniões.
Eu poderia mesmo estar conforme com alguns dos acertos, a preto e branco, repetidos até o cansaço pela mídia.
Porém, em meio à guerra, a uma guerra que é, aliás, contra nós todos, não podemos, de jeito nenhum, fornecer mais armas ao inimigo das que já tem.
Parece-me escutá-los dizer: «Os cubanos foram os que lhes forneceram as armas com sua atuação».
Ora, como isso nos pareceu mal, então vamos correr à imprensa internacional para esclarecermos que nós, os demais latino-americanos, não apoiamos tamanha atuação?
Para quem essas declarações?
Para seus leitores? Para o inimigo? Para eles próprios, isto é, para o espelho?
Ao pensarmos em que os cubanos forneceram tais armas aos ianques, então nós contribuímos e fornecemos-lhes mais? Dizemo-lhes: «Olhem, a América Latina toda está pendente de Cuba. Eh? Olhem, há intelectuais macanudos, que não concordamos nem com a democracia cubana, nem com a legalidade cubana, nem com Fidel, nem com o Partido Comunista Cubano, nem com a burocracia, nem com o G-2, nem com que sejam encarceradas pessoas por pensarem diferente, nem com a falta de liberdade da imprensa e de opinião em Cuba, entre outros.
Julgo que falta-lhes pouco para repetirem os textos ditados por Mas Canosa.
Imagino que já pensaram em que a chefia de Cuba colocou na balança os custos políticos por ter feito o que fez e ainda assim, o fez também (quando há alguns anos, estava dando passos para se aproximar dos «requerimentos», a fim de conseguir que se suspendesse o bloqueio).
Se Cuba soube fazer alguma coisa, essa tem sido se defender. Caso contrário, teria sucumbido.
E agora os ianques apertaram o acelerador (espero de que também reparassem nisso). O mundo está em guerra. declararam-nos guerra. E uma das etapas dessa guerra de consolidação imperial, vocês sabem muito, é Cuba.
Cá há duas trincheiras, a nossa e a do império (decerto, as guerras são o mais maniqueístas). O sr. Bush assim no-lo impôs.
Eu também gosto da cor cinza, mas, nalguns momentos da história, o cinzento só faz crescer a escuridão.
Economista do PT faz críticas à proposta social de Palocci
Por Gabriela Athias
Depois que o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) divulgou, no último dia 10, o documento "Política Econômica e Reformas Estruturais", a economista Maria da Conceição Tavares, 73, perdeu a calma e mandou às favas o tom moderado que vinha usando diante da imprensa. "Quase tive um ataque quando li aquilo."
"Aquilo" é o documento em que a equipe econômica, contradizendo argumentos históricos do PT, atribuiu os problemas da economia brasileira à falta de ajuste fiscal. A sigla sempre bateu na tecla de que o déficit externo era a causa das mazelas do país.
Mas o que fez com que a economista, avessa a entrevistas, falasse à Folha foi o fato de o documento propor a focalização dos programas sociais -pela qual somente os realmente pobres seriam atendidos. Embora a expressão tenha sido usada de forma genérica, para Tavares, assessores de Palocci tentam introduzir no governo a idéia de acabar com a universalização dos benefícios sociais.
Folha - Por que o documento divulgado no último dia 10 pela equipe do ministro Palocci causou mal-estar entre os ministros da área social ao falar na focalização dos programas sociais?
Maria da Conceição Tavares - Causou mal estar em todo mundo. Não sou da área social e estou histérica. Temos políticas universais há mais de 30 anos. Somos o único país da América Latina que tem políticas universais. A focalização foi experimentada e empurrada pelo Banco Mundial na goela de todos os países e deu uma cagada. Não funciona nada. Desmontaram o sistema de saúde pública do Chile, que era o melhor da América Latina, desmontaram a Previdência e fizeram fundos de pensão e deu outra cagada, desmontaram o sistema de ensino público e foi a mesma coisa. Ainda fizeram a mesma coisa na Argentina. Chile e Argentina tinham historicamente os melhores programas de saúde e de educação e cobertura geral de políticas universais. Desmantelaram e obrigaram a fazer focalização.
Folha - Causa surpresa saber que num governo de esquerda há eco para esse tipo de proposta...
Tavares - O eco foi de raiva. Dentro do programa [divulgado pelo Ministério da Fazenda] há gente infiltrada que escreveu uma porcaria chamada Agenda Perdida [documento escrito pelos economista José Alexandre Scheinkman, Ricardo Paes de Barros e Marcos Lisboa], feita por um grupo de débeis mentais do Rio de Janeiro. Não são tão débeis mentais porque, além de fazer a Agenda, montaram um instituto, que é uma ONG, que recebe em torno de US$ 250 mil do Banco Mundial para fazer o tal estudo especial para focalizar. Assim como tivemos a desgraça de, no governo Fernando Henrique Cardoso, termos os economistas da PUC [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro] no programa econômico, desta vez temos também os da Fundação Getúlio Vargas, e não apenas infiltrados na área econômica. Esse Marcos Lisboa é um garoto semi-analfabeto que está encarregado de fazer política econômica, coisa que ele jamais fez na vida. Quiseram vender a Agenda para o PMDB, que não comprou, fizeram o mesmo com o Ciro [Gomes, candidato derrotado pelo PPS à Presidência e hoje ministro da Integração Nacional]. É um espanto que esse grupo de garotos espertos faça com dinheiro público e do Banco Mundial uma nova Agenda que proponha para o Brasil -o único país que tem políticas universais em saúde, no ensino público básico e no INSS, três redes universais que nunca ninguém conseguiu desmontar- a focalização dos programas sociais.
Folha - Apesar das críticas ao Marcos Lisboa, a política econômica do governo está sendo bem-sucedida...
Tavares - O Marcos Lisboa tem 38 anos e foi colega do meu filho na escola. Foi meu aluno, era um bom menino que adorava fazer modelos matemáticos e adora até hoje. Isso tem tanto a ver com política social quanto coisa nenhuma. É um direito do ministro levar quem quiser para a sua assessoria econômica, mas não é direito de um assessor palpitar sobre focalização e Agenda Perdida.
Folha - A sra. acredita que esse documento tenha sido feito à revelia do ministro Palocci?
Tavares - Eu não acho nada. Sei que quem escreveu o documento foi ele. O ministro Palocci escolheu para seu assessor econômico e do Tesouro [Joaquim Levy, ex-chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento no governo FHC] quem bem entendeu. Não são pessoas da confiança do PT e não têm nada a ver com o partido. É gente de quem ninguém nunca tinha ouvido falar. O Marcos Lisboa não tem a menor experiência de política econômica. Já o ministro é um cara inteligente e tem experiência. Então pensei: ele colocou lá uns papalvos [patetas" sem importância nenhuma porque é esperto e não vai ouvir conversa nenhuma. Além disso, o ministro Palocci conversa com diversos economistas: do Delfim [Netto, deputado pelo PP -antigo PPB- de São Paulo e ex-ministro da Fazenda] aos tucanos e a nós. O ministro Palocci fala com todo mundo.
Folha - Defender a focalização dos programas sociais é ser liberal?
Tavares - Estive em São Paulo [depois da divulgação do documento" e tive de ouvir o dr. Delfim Netto defender a Constituinte de 1988, onde estão consagrados os direitos universais nas três áreas: saúde, assistência social e Previdência Social. Isso vinha sendo construído como políticas universais desde o tempo da ditadura, logo, não é um problema de ser conservador. É um problema de ser pateta ou de má-fé. E esse pessoal está tentando dar as rédeas da política social do governo. É evidente que os ministros da área social estão possessos, mas não vão armar uma briga com o ministro Palocci, a quem terei o prazer de, assim que for a Brasília, ir visitar para perguntar o que é aquilo. Como um documento da Fazenda fala sobre focalização?
Folha - Há algum outro aspecto que a sra. critica no documento?
Tavares - Ele desmente o diagnóstico de todos os economistas bons desse país que colocaram no estrangulamento externo, no aumento dos passivos externos que o doutor Fernando Henrique nos deixou, os problemas da economia. Diz que não é nada disso e que o problema na verdade é que o governo passado não fez o ajuste fiscal, que tal? Um garoto falando contra o ponto de vista de todos os grandes empresários e economistas como Delfim Netto, [Luiz Carlos] Mendonça de Barros, do José Serra, do Luiz Carlos Bresser Pereira, do Yoshiaki Nakano, de Campinas inteiro... Se há unanimidade no diagnóstico econômico é que temos um problema de estrangulamento externo. É isso que nos faz tolerar a habilidade política do ministro Palocci em contornar uma situação que, em setembro, era ruinosa.
Folha - Apesar do que a senhora fala de Marcos Lisboa, a taxa de câmbio recuou, a inflação dá sinais de queda...
Tavares - O garoto não faz política econômica. Quem faz é o ministro, o presidente do Banco Central, a diretoria do BC e aquele garoto do Tesouro [Joaquim Levy], e não aquele menino [Lisboa], que não tem a menor condição de fazer política econômica por não ter experiência. O que ele faz são os documentos, aquela babaquice que o Consenso de Washington quer que a gente aplique. Ele que faça os documentos que quiser. Diga-se de passagem que o diagnóstico [contido no documento "Política Econômica e Reformas Estruturais"] é a gargalhada do Delfim e de todo mundo porque revela a mais profunda ignorância...
Folha - A política econômica do ministro Palocci está correta?
Maria da Conceição - Até aqui, sim. Agora vai complicar por causa do câmbio.
Folha - O câmbio deve ser controlado?
Tavares - Não acho nada. Se nem o presidente do FED [banco central norte-americano], Alan Greenspan, sabe o que fazer com a taxa de câmbio dele, como, diabo, você quer que eu diga o que vai acontecer com o câmbio? Acho apenas que deixar entrar capital morte súbita [especulativo e de curto prazo], como diz o Delfim, ou capital pirata, os US$ 5 bilhões, ajuda a revalorizar. Mas depois teremos outro ataque, que foi o que aconteceu no governo Fernando Henrique. Nesse sentido, essa política econômica é a mesma que a anterior e não deu bom resultado. Política cambial é a coisa mais difícil porque o BC, não tendo reservas, não tem raio de manobra para fazer política cambial. Logo, eu não estou criticando. Apenas digo que, se essa política durar muito, como diz o próprio presidente Lula, é ruim porque prejudica a retomada do crescimento, a substituição de importações, as exportações. Não tenho atacado nem o ministro Palocci nem o presidente do BC. Agora, os débeis mentais que ele tem de assessor, se não escrevessem nada ou ficassem calados, eu também não atacaria.
Folha - Há pontos corretos no documento: até hoje não reduzimos a desigualdade de renda, e nossos programas sociais não combateram a pobreza.
Tavares - Não é verdade. A Previdência e a Loas [Lei Orgânica de Assistência Social, que prevê o pagamento de aposentadoria a deficientes e para idosos com mais de 65 anos com renda per capita da família até R$ 25] são os maiores programas de transferência de renda da América Latina. Move não apenas a economia das pequenas cidades do Nordeste, como as de São Paulo e as do Rio de Janeiro.
Folha - Isso não muda o fato de que hoje o Brasil investe mais nos velhos do que nas crianças.
Tavares - Isso é porque o programa de leite e de nutrição do SUS foi abandonado pelo governo Fernando Henrique.
Folha - Não há programa de leite que faça com que um menino que nasceu na periferia de São Paulo quebre o ciclo de pobreza da sua família...
Tavares - A redução da mortalidade infantil deve-se à distribuição de leite do governo José Sarney. Gozado: cai a mortalidade, aumenta a alfabetização, os velhos recebem renda e não está funcionando? As estatísticas sociais apresentadas no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foram falsificadas. São essas coisas que fazem com que a sociedade diga, há uma década, que o serviço público não funciona, que o Estado é ineficiente e que tem de focalizar. Estou discutindo a universalização dos indicadores sociais. Para melhorar a distribuição de renda vai ser preciso fazer tudo: uma reforma tributária progressista, reforma agrária, que os donos de banco paguem imposto etc, etc.
(Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, 21/04/2003)
Por Gabriela Athias
Depois que o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) divulgou, no último dia 10, o documento "Política Econômica e Reformas Estruturais", a economista Maria da Conceição Tavares, 73, perdeu a calma e mandou às favas o tom moderado que vinha usando diante da imprensa. "Quase tive um ataque quando li aquilo."
"Aquilo" é o documento em que a equipe econômica, contradizendo argumentos históricos do PT, atribuiu os problemas da economia brasileira à falta de ajuste fiscal. A sigla sempre bateu na tecla de que o déficit externo era a causa das mazelas do país.
Mas o que fez com que a economista, avessa a entrevistas, falasse à Folha foi o fato de o documento propor a focalização dos programas sociais -pela qual somente os realmente pobres seriam atendidos. Embora a expressão tenha sido usada de forma genérica, para Tavares, assessores de Palocci tentam introduzir no governo a idéia de acabar com a universalização dos benefícios sociais.
Folha - Por que o documento divulgado no último dia 10 pela equipe do ministro Palocci causou mal-estar entre os ministros da área social ao falar na focalização dos programas sociais?
Maria da Conceição Tavares - Causou mal estar em todo mundo. Não sou da área social e estou histérica. Temos políticas universais há mais de 30 anos. Somos o único país da América Latina que tem políticas universais. A focalização foi experimentada e empurrada pelo Banco Mundial na goela de todos os países e deu uma cagada. Não funciona nada. Desmontaram o sistema de saúde pública do Chile, que era o melhor da América Latina, desmontaram a Previdência e fizeram fundos de pensão e deu outra cagada, desmontaram o sistema de ensino público e foi a mesma coisa. Ainda fizeram a mesma coisa na Argentina. Chile e Argentina tinham historicamente os melhores programas de saúde e de educação e cobertura geral de políticas universais. Desmantelaram e obrigaram a fazer focalização.
Folha - Causa surpresa saber que num governo de esquerda há eco para esse tipo de proposta...
Tavares - O eco foi de raiva. Dentro do programa [divulgado pelo Ministério da Fazenda] há gente infiltrada que escreveu uma porcaria chamada Agenda Perdida [documento escrito pelos economista José Alexandre Scheinkman, Ricardo Paes de Barros e Marcos Lisboa], feita por um grupo de débeis mentais do Rio de Janeiro. Não são tão débeis mentais porque, além de fazer a Agenda, montaram um instituto, que é uma ONG, que recebe em torno de US$ 250 mil do Banco Mundial para fazer o tal estudo especial para focalizar. Assim como tivemos a desgraça de, no governo Fernando Henrique Cardoso, termos os economistas da PUC [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro] no programa econômico, desta vez temos também os da Fundação Getúlio Vargas, e não apenas infiltrados na área econômica. Esse Marcos Lisboa é um garoto semi-analfabeto que está encarregado de fazer política econômica, coisa que ele jamais fez na vida. Quiseram vender a Agenda para o PMDB, que não comprou, fizeram o mesmo com o Ciro [Gomes, candidato derrotado pelo PPS à Presidência e hoje ministro da Integração Nacional]. É um espanto que esse grupo de garotos espertos faça com dinheiro público e do Banco Mundial uma nova Agenda que proponha para o Brasil -o único país que tem políticas universais em saúde, no ensino público básico e no INSS, três redes universais que nunca ninguém conseguiu desmontar- a focalização dos programas sociais.
Folha - Apesar das críticas ao Marcos Lisboa, a política econômica do governo está sendo bem-sucedida...
Tavares - O Marcos Lisboa tem 38 anos e foi colega do meu filho na escola. Foi meu aluno, era um bom menino que adorava fazer modelos matemáticos e adora até hoje. Isso tem tanto a ver com política social quanto coisa nenhuma. É um direito do ministro levar quem quiser para a sua assessoria econômica, mas não é direito de um assessor palpitar sobre focalização e Agenda Perdida.
Folha - A sra. acredita que esse documento tenha sido feito à revelia do ministro Palocci?
Tavares - Eu não acho nada. Sei que quem escreveu o documento foi ele. O ministro Palocci escolheu para seu assessor econômico e do Tesouro [Joaquim Levy, ex-chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento no governo FHC] quem bem entendeu. Não são pessoas da confiança do PT e não têm nada a ver com o partido. É gente de quem ninguém nunca tinha ouvido falar. O Marcos Lisboa não tem a menor experiência de política econômica. Já o ministro é um cara inteligente e tem experiência. Então pensei: ele colocou lá uns papalvos [patetas" sem importância nenhuma porque é esperto e não vai ouvir conversa nenhuma. Além disso, o ministro Palocci conversa com diversos economistas: do Delfim [Netto, deputado pelo PP -antigo PPB- de São Paulo e ex-ministro da Fazenda] aos tucanos e a nós. O ministro Palocci fala com todo mundo.
Folha - Defender a focalização dos programas sociais é ser liberal?
Tavares - Estive em São Paulo [depois da divulgação do documento" e tive de ouvir o dr. Delfim Netto defender a Constituinte de 1988, onde estão consagrados os direitos universais nas três áreas: saúde, assistência social e Previdência Social. Isso vinha sendo construído como políticas universais desde o tempo da ditadura, logo, não é um problema de ser conservador. É um problema de ser pateta ou de má-fé. E esse pessoal está tentando dar as rédeas da política social do governo. É evidente que os ministros da área social estão possessos, mas não vão armar uma briga com o ministro Palocci, a quem terei o prazer de, assim que for a Brasília, ir visitar para perguntar o que é aquilo. Como um documento da Fazenda fala sobre focalização?
Folha - Há algum outro aspecto que a sra. critica no documento?
Tavares - Ele desmente o diagnóstico de todos os economistas bons desse país que colocaram no estrangulamento externo, no aumento dos passivos externos que o doutor Fernando Henrique nos deixou, os problemas da economia. Diz que não é nada disso e que o problema na verdade é que o governo passado não fez o ajuste fiscal, que tal? Um garoto falando contra o ponto de vista de todos os grandes empresários e economistas como Delfim Netto, [Luiz Carlos] Mendonça de Barros, do José Serra, do Luiz Carlos Bresser Pereira, do Yoshiaki Nakano, de Campinas inteiro... Se há unanimidade no diagnóstico econômico é que temos um problema de estrangulamento externo. É isso que nos faz tolerar a habilidade política do ministro Palocci em contornar uma situação que, em setembro, era ruinosa.
Folha - Apesar do que a senhora fala de Marcos Lisboa, a taxa de câmbio recuou, a inflação dá sinais de queda...
Tavares - O garoto não faz política econômica. Quem faz é o ministro, o presidente do Banco Central, a diretoria do BC e aquele garoto do Tesouro [Joaquim Levy], e não aquele menino [Lisboa], que não tem a menor condição de fazer política econômica por não ter experiência. O que ele faz são os documentos, aquela babaquice que o Consenso de Washington quer que a gente aplique. Ele que faça os documentos que quiser. Diga-se de passagem que o diagnóstico [contido no documento "Política Econômica e Reformas Estruturais"] é a gargalhada do Delfim e de todo mundo porque revela a mais profunda ignorância...
Folha - A política econômica do ministro Palocci está correta?
Maria da Conceição - Até aqui, sim. Agora vai complicar por causa do câmbio.
Folha - O câmbio deve ser controlado?
Tavares - Não acho nada. Se nem o presidente do FED [banco central norte-americano], Alan Greenspan, sabe o que fazer com a taxa de câmbio dele, como, diabo, você quer que eu diga o que vai acontecer com o câmbio? Acho apenas que deixar entrar capital morte súbita [especulativo e de curto prazo], como diz o Delfim, ou capital pirata, os US$ 5 bilhões, ajuda a revalorizar. Mas depois teremos outro ataque, que foi o que aconteceu no governo Fernando Henrique. Nesse sentido, essa política econômica é a mesma que a anterior e não deu bom resultado. Política cambial é a coisa mais difícil porque o BC, não tendo reservas, não tem raio de manobra para fazer política cambial. Logo, eu não estou criticando. Apenas digo que, se essa política durar muito, como diz o próprio presidente Lula, é ruim porque prejudica a retomada do crescimento, a substituição de importações, as exportações. Não tenho atacado nem o ministro Palocci nem o presidente do BC. Agora, os débeis mentais que ele tem de assessor, se não escrevessem nada ou ficassem calados, eu também não atacaria.
Folha - Há pontos corretos no documento: até hoje não reduzimos a desigualdade de renda, e nossos programas sociais não combateram a pobreza.
Tavares - Não é verdade. A Previdência e a Loas [Lei Orgânica de Assistência Social, que prevê o pagamento de aposentadoria a deficientes e para idosos com mais de 65 anos com renda per capita da família até R$ 25] são os maiores programas de transferência de renda da América Latina. Move não apenas a economia das pequenas cidades do Nordeste, como as de São Paulo e as do Rio de Janeiro.
Folha - Isso não muda o fato de que hoje o Brasil investe mais nos velhos do que nas crianças.
Tavares - Isso é porque o programa de leite e de nutrição do SUS foi abandonado pelo governo Fernando Henrique.
Folha - Não há programa de leite que faça com que um menino que nasceu na periferia de São Paulo quebre o ciclo de pobreza da sua família...
Tavares - A redução da mortalidade infantil deve-se à distribuição de leite do governo José Sarney. Gozado: cai a mortalidade, aumenta a alfabetização, os velhos recebem renda e não está funcionando? As estatísticas sociais apresentadas no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foram falsificadas. São essas coisas que fazem com que a sociedade diga, há uma década, que o serviço público não funciona, que o Estado é ineficiente e que tem de focalizar. Estou discutindo a universalização dos indicadores sociais. Para melhorar a distribuição de renda vai ser preciso fazer tudo: uma reforma tributária progressista, reforma agrária, que os donos de banco paguem imposto etc, etc.
(Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, 21/04/2003)
25 de abr. de 2003
Do monoteísmo à ética capitalista
Por Fernando Eichenberg, de Paris
Os judeus correspondem à imagem de usurários retida pela memória da História? Suas relações com o dinheiro foram especiais e singulares? Seu papel nas engrenagens do capitalismo foi específico? Eles aproveitaram as guerras e as crises para acumular fortunas? Ou, ao contrário, foram eles banqueiros, ourives, financiadores porque não tinham acesso a outras profissões? São eles, hoje, mestres da globalização ou seu maior adversário? As inúmeras indagações listadas por Jacques Attali são o leitmotiv de sua obra "Les Juifs, le Monde et l´Argent", com lançamento previsto para breve no Brasil pela Editora Futura.
Ao investigar a história econômica dos judeus, Attali procurou descobrir por que "os inventores do monoteísmo se encontraram em situação de fundar a ética do capitalismo". Sua tese é simples: o papel particular protagonizado pelos judeu no desenvolvimento da economia e das finanças foi uma imposição e não necessariamente uma escolha. Jesus prega a aproximação de Deus na mendicidade, diz Attali. Já para os judeus, a pobreza é intolerável e a riqueza não é um fim, mas um meio de servir a Deus. O autor invoca o caráter nômade do povo judeu como uma das justificativas ao seu apego às formas líquidas de riquezas, e as contingências da história, que, por um longo tempo, colocaram os judeus como os únicos a quem era autorizado emprestar dinheiro. Em mais de 600 páginas, Attali atravessa séculos a fim de desvendar o falso e o verdadeiro nesse "tema tabu", do qual, diz, os "judeus só têm razões de se orgulhar".
Personagem polimorfo da paisagem intelectual francesa, além de autor de dezenas de obras (do ensaio, passando pelo teatro ao romance), Attali exibe um currículo diversificado: conselheiro especial do presidente François Mitterrand durante dez anos, de maio de 1981 a abril de 1991; fundador e primeiro presidente do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Berd); criador da Planet Finance, organização de captação de "microcréditos" para países do Terceiro Mundo; ou presidente da ACA, escritório especializado em consultoria para governos de países em desenvolvimento da Africa, Asia, Europa do Leste e América Latina. Para falar sobre as "polêmicas e sulfúreas" relações dos judeus com o dinheiro, Jacques Attali recebeu a reportagem do Valor na sua ampla residência, nos subúrbios de Paris, pouco antes de, no mesmo dia, embarcar para o Brasil, em mais uma de suas viagens incluídas na agenda do Planet Finance.
Valor: No livro, o sr. contesta o "mito" dos judeus como um povo fascinado pelo dinheiro, um meio privilegiado de exercício de poder. A sua perspectiva é outra: o inventor do monoteísmo ajudou a fundar a ética do capitalismo.
Jacques Attali: Eu quis tentar compreender o papel que os judeus puderam ter na história do mundo em relação à economia. Não escrevi o livro para destruir qualquer tese que seja, mas para tentar compreender. Mas, tentando compreender, me dei conta de que o mito era inexato. Mas, no início, não havia um parti pris de minha parte. O inventor do monoteísmo foi bastante instrumental na implantação de valores fundadores da ética do capitalismo, principalmente no fato de que o dinheiro só tem sentido se é colocado à serviço de um projeto que o ultrapassa e se é um instrumento à serviço do bem-estar coletivo, e não do bem-estar individual. Tudo isso incluído num conjunto de regras, princípios, procedimentos, de modos de comportamento e práticas bastante numerosas.
Valor: O sr. coloca o 'Antigo Testamento' e o período bíblico como um momento essencial da civilização, pela substituição dos sacrifícios humanos por uma indenização monetária: "o dinheiro interrompe a violência".
Attali: Há isso e também a idéia fundadora do pensamento judeu da negação da Lei do Talião. Com freqüência, no pensamento cristão, se crê que a lei "olho por olho e dente por dente", que consiste em matar pela vingança, é judia. Na verdade, no texto bíblico há a idéia de que é preciso substituir o ato de violência por uma indenização monetária. A grande idéia fundadora judia é a de parar com o ciclo de violência, não opor a vingança à violência. O dinheiro, a lei do mercado, se torna um modo de pacificação e de civilização.
Valor: Quais são as influências do 'Talmud de Jerusalém', no século IV, e do texto da Babilônia, no século VI, nesse contexto?
Attali: Os textos do "Talmud" são exemplos de jurisprudência que tentam explicar em detalhes como aplicar esses grandes princípios na vida cotidiana: por que podemos aceitar os empréstimos a juros, uma vez que depois ele será proibido pelas outras religiões; por que podemos aceitar os empréstimos com juros entre judeus e não judeus; por que podemos aceitar a venda de terras e em que condições. Eles resumem muitos dos problemas da economia moderna, e precisam mesmo, em detalhes, as leis do trabalho, o uso das letras de câmbio, os limites do lucro com a noção de "preço justo", etc.
Valor: O "imposto de solidariedade", o "tsedaka", seria a primeira aparição do imposto sobre a renda?
Attali: O "tsedaka" é um tipo de imposto de renda, pois diz que toda pessoa deve, voluntariamente, destinar em torno de 20% de seus ganhos aos pobres. Mas não pagando ao Estado, mas dando, seja diretamente ou numa forma anônima, aos pobres. É um imposto de redistribuição. Foi o que inspirou o meu projeto de microcréditos do Planet Finance. Maimonide dizia que o grau mais elevado da caridade consiste não em dar dinheiro a alguém, mas em emprestar o bastante para que ele nunca mais tenha necessidade de pedir novamente. Os microcréditos são extamente isso: ajudar as pessoas a ter o suficiente para não ter de depender mais da caridade. Com Planet Finance tentamos fazer isso pelo mundo todo e também no Brasil.
Valor: Para o sr., a oposição fundamental das relações entre judeus e cristãos em relação ao dinheiro é a razão de séculos de intolerância.
Attali: É uma das fontes da intolerância. O cristianismo, de uma certa maneira, teve para certos cristãos a atitude de ingratidão, que consiste em lamentar que os judeus sejam os inventores do monoteísmo. Eles foram ingratos em relação aqueles que trouxeram Deus, pois Deus é uma conquista judia. Igualmente, na medida em que os cristianismo interditou o empréstimo com juros, eles foram ingratos em relação aqueles que lhe emprestaram, não Deus, mas dinheiro. Há essa dupla ingratidão, que conduziu, em certos casos, a comportamentos de hostilidade. Nem sempre, pois também há entre judeus e cristãos, ao longo da história, relações extremamente próximas.
Valor: Segundo o sr., em torno do ano mil, haveria cerca de 150 mil judeus na Europa e durante três séculos ele seriam os únicos a poderem emprestar dinheiro. Na Idade Média, associa-se todo judeu a um credor e todo cristão a um devedor. O sr. diz que a Igreja assimilou o financiador ao diabo, como o dealer que fornece droga.
Attali: Os judeus não são apenas financiadores na Idade Média. Há muito poucos judeus na Europa e bruscamente há uma demanda de crédito, que não existia antes, e os judeus têm o direito de atender essa demanda. Eles se tornaram os banqueiros da Europa. Pode-se dizer que eles deflagraram o capitalismo europeu. A idéia de associar aquele que empresta dinheiro ao diabo está vinculada, por exemplo, ao não reembolso dos empréstimos por parte dos cristãos.
Valor: O sr. refuta Max Weber e sua tese, segundo a qual, o protestantismo seria uma das principais fontes de desenvolvimento do capitalismo nos séculos XVIII e XIX.
Attali: A idéia segundo a qual o protestantismo está na origem do capitalismo é uma tese absurda. O capitalismo começou muito antes da existência do protestantismo, pois ele surgiu, no minímo, no século XII na Europa. É verdade que o protestantismo, reencontrando os valores judeus - a idéia de que o dinheiro não é maléfico -, é uma redescoberta formidável dos princípios do judaísmo.
Valor: A imagem do judeu usurário se perpetuou até hoje, mas a influência judia na economia e no mundo das finanças não seria mais a mesma. Os banqueiros judeus do século 19, nos Estados Unidos e Viena, deram lugar a artistas ou psicanalistas nas gerações seguintes, segundo o sr. afirma em seu livro.
Attali: Isso tudo acabou. Os judeus tiveram um papel importante, essencialmente, no século XII e, nos Estados Unidos, no século XIX. Mas, nos EUA, eles concorriam com os protestantes, e não estavam em situação dominante. Haviam bancos judeus, mas não apenas bancos judeus. A importância judia no mundo das finanças desapareceu completamente, primeiro, no século XIV, quando os cristãos começaram a ter o direito de atuar como financiadores. Ela reapareceu um pouco depois nos Estados Unidos durante cinqüenta anos, entre 1860 e 1910, e então desapareceu. Depois que deixaram os bancos, muitos judeus investiram no meio do espetáculo. Os grandes estúdios como Fox, MGM, Universal, Warner Brothers surgiram graças a empresários judeus. Mas isso também terminou. Como eles sofriam com essa acusação de dar muita atenção ao dinheiro, os judeus também se detestavam a si próprios, pois isso alimentava um ódio a si mesmo. E eles passaram a atuar no teatro, por exemplo. Viena era completamente judia no teatro. E também no caso da psicanálise. A psicanálise é fundada, em muito, no ódio ao dinheiro. Houve uma instalação de um processo crítico do uso do dinheiro pelos judeus, o que os levou às profissões artísticas.
Valor: Seu livro recebeu algumas críticas por apresentar uma "relação idílica" dos judeus com o dinheiro, esquecendo-se de que o dinheiro judeu também teria sido usado para financiar guerras.
Attali: Financiar guerras, não especialmente. Eu mesmo digo que os Rotschild fizeram fortuna com o financiamento da guerra da Inglaterra contra Napoleão. É verdade que todo financiamento da defesa das potências européias contra Napoleão foi financiada pelos Rotschild. Mas isso não é financiar guerras, é financiar a defesa contra um invasor.
Valor: O sr. coloca Spinoza como o primeiro grande pensador judeu da modernidade, apóstolo de um Deus universal; critica o anti-semitismo de Voltaire como um sub-produto de um anticristianismo, e assinala a assimilação de judaísmo e capitalismo por Marx, como os dois inimigos a serem combatidos.
Attali: Spinoza é o primeiro que começa a distingüir claramente essa questão e que pensa fora do pensamento religioso. É um pensamento livre, que considera que se pode pensar a liberdade independente dos textos religiosos. Ele atinge a idéia de que Deus está por tudo, é abstrato, não é o Deus das Escrituras. Voltaire tem um lado anti-semita e também um lado admirativo em relação ao que o povo judeu contribuiu para a História. Para Marx, o capitalismo nasceu do judaísmo, então, para destruir o capitalismo é preciso destruir o judaísmo. Esse texto dele é incrivelmente anti-semita, se inscreve, aliás, no pensamento alemão, e também num tipo de ódio de si mesmo. Os marxistas não gostam muito de citar esse texto de Marx.
Valor: No capítulo sobre o Brasil, o sr. escreve quem, em 1648, dos 12 mil habitantes europeus em solo brasileiro, haviam cerca de 1,4 mil judeus, a maioria deles instalada em Recife. O sr. cita uma carta da época do governador de Recife, Adriaen Lems, queixando-se à Companhia das Indias de que os judeus não permitiam aos não judeus prosperarem por exagerarem nos lucros obtidos com o comércio de escravos, que às vezes alcançava 300% por cabeça.
Attali: Os judeus têm um papel particular no Brasil, pois eles partiram para o Brasil seja para fugir da colonização ou para expulsar os espanhóis. Eles foram com os holandeses, mais tolerantes. Mas foram, infelizmente, pegos quando os espanhóis expulsarem os holandeses. Nessa parte holandesa do Brasil eles são refinadores de açúcar e utilizam muitos escravos, como todo mundo na época, não se trata de uma especialidade judia. Depois, eles partirão nos navios holandeses, e é assim que chegarão a Manhattan. Mas se eles impediram os não judeus de prosperar, como diz essa carta, é talvez também pelo fato de que eles tratavam melhor os escravos. Nesse caso, eles não ajudaram no desenvolvimento capitalista porque foram impedidos, foram expulsos com a partida dos holandeses. Eles estavam com Maurício de Nassau, depois se foram. Foi o Brasil que os expulsou.
Valor: O sr. coloca, igualmente, o problema da indentidade judia com a banalização do nomadismo imposta pela globalização.
Attali: O povo judeu, como todo povo, está em permanente dialética entre uma terra e uma identidade que não é somente uma terra. Acredito que se verá o povo judeu, por muito tempo, nessa dualidade entre Israel e a Diáspora. O fato de que há uma terra de Israel não é o fim do nomadismo. Seria o fim do nomadismo se fosse o fim da Diáspora. O problema da identidade é colocado para os judeus assim como para todo mundo. Digo que o Brasil, que tomo seguido como exemplo no meu livro "Dicionário do Século XXI" é o modelo do futuro do mundo. É um modelo de mestiçagem, de misturas, nas quais as identidades podem ser questionadas. A identidade judia é questionada. Diz-se seguidamente, por exemplo, que mais de 52% dos casamentos judeus são uniões mistas. Não é uma estatística especialmente judia, mas que é válida para todo mundo. Matematicamente, o povo judeu vai desaparecer num século, por fusão com outros povos. Mas, como já se disse tantas vezes que o povo judeu vai desaparecer, já não sabemos se será o caso.
Valor: Por que perdura até hoje essa idéia do judeu associado ao dinheiro?
Attali: Porque os mitos levam muito tempo para morrer. Meu livro não foi contestado por ninguém em nenhum fato. Espero que ele ajude a fazer desaparecer esse mito. Foi preciso dois mil anos para criá-lo e serão precisos alguns séculos para que ele desapareça.
Por Fernando Eichenberg, de Paris
Os judeus correspondem à imagem de usurários retida pela memória da História? Suas relações com o dinheiro foram especiais e singulares? Seu papel nas engrenagens do capitalismo foi específico? Eles aproveitaram as guerras e as crises para acumular fortunas? Ou, ao contrário, foram eles banqueiros, ourives, financiadores porque não tinham acesso a outras profissões? São eles, hoje, mestres da globalização ou seu maior adversário? As inúmeras indagações listadas por Jacques Attali são o leitmotiv de sua obra "Les Juifs, le Monde et l´Argent", com lançamento previsto para breve no Brasil pela Editora Futura.
Ao investigar a história econômica dos judeus, Attali procurou descobrir por que "os inventores do monoteísmo se encontraram em situação de fundar a ética do capitalismo". Sua tese é simples: o papel particular protagonizado pelos judeu no desenvolvimento da economia e das finanças foi uma imposição e não necessariamente uma escolha. Jesus prega a aproximação de Deus na mendicidade, diz Attali. Já para os judeus, a pobreza é intolerável e a riqueza não é um fim, mas um meio de servir a Deus. O autor invoca o caráter nômade do povo judeu como uma das justificativas ao seu apego às formas líquidas de riquezas, e as contingências da história, que, por um longo tempo, colocaram os judeus como os únicos a quem era autorizado emprestar dinheiro. Em mais de 600 páginas, Attali atravessa séculos a fim de desvendar o falso e o verdadeiro nesse "tema tabu", do qual, diz, os "judeus só têm razões de se orgulhar".
Personagem polimorfo da paisagem intelectual francesa, além de autor de dezenas de obras (do ensaio, passando pelo teatro ao romance), Attali exibe um currículo diversificado: conselheiro especial do presidente François Mitterrand durante dez anos, de maio de 1981 a abril de 1991; fundador e primeiro presidente do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Berd); criador da Planet Finance, organização de captação de "microcréditos" para países do Terceiro Mundo; ou presidente da ACA, escritório especializado em consultoria para governos de países em desenvolvimento da Africa, Asia, Europa do Leste e América Latina. Para falar sobre as "polêmicas e sulfúreas" relações dos judeus com o dinheiro, Jacques Attali recebeu a reportagem do Valor na sua ampla residência, nos subúrbios de Paris, pouco antes de, no mesmo dia, embarcar para o Brasil, em mais uma de suas viagens incluídas na agenda do Planet Finance.
Valor: No livro, o sr. contesta o "mito" dos judeus como um povo fascinado pelo dinheiro, um meio privilegiado de exercício de poder. A sua perspectiva é outra: o inventor do monoteísmo ajudou a fundar a ética do capitalismo.
Jacques Attali: Eu quis tentar compreender o papel que os judeus puderam ter na história do mundo em relação à economia. Não escrevi o livro para destruir qualquer tese que seja, mas para tentar compreender. Mas, tentando compreender, me dei conta de que o mito era inexato. Mas, no início, não havia um parti pris de minha parte. O inventor do monoteísmo foi bastante instrumental na implantação de valores fundadores da ética do capitalismo, principalmente no fato de que o dinheiro só tem sentido se é colocado à serviço de um projeto que o ultrapassa e se é um instrumento à serviço do bem-estar coletivo, e não do bem-estar individual. Tudo isso incluído num conjunto de regras, princípios, procedimentos, de modos de comportamento e práticas bastante numerosas.
Valor: O sr. coloca o 'Antigo Testamento' e o período bíblico como um momento essencial da civilização, pela substituição dos sacrifícios humanos por uma indenização monetária: "o dinheiro interrompe a violência".
Attali: Há isso e também a idéia fundadora do pensamento judeu da negação da Lei do Talião. Com freqüência, no pensamento cristão, se crê que a lei "olho por olho e dente por dente", que consiste em matar pela vingança, é judia. Na verdade, no texto bíblico há a idéia de que é preciso substituir o ato de violência por uma indenização monetária. A grande idéia fundadora judia é a de parar com o ciclo de violência, não opor a vingança à violência. O dinheiro, a lei do mercado, se torna um modo de pacificação e de civilização.
Valor: Quais são as influências do 'Talmud de Jerusalém', no século IV, e do texto da Babilônia, no século VI, nesse contexto?
Attali: Os textos do "Talmud" são exemplos de jurisprudência que tentam explicar em detalhes como aplicar esses grandes princípios na vida cotidiana: por que podemos aceitar os empréstimos a juros, uma vez que depois ele será proibido pelas outras religiões; por que podemos aceitar os empréstimos com juros entre judeus e não judeus; por que podemos aceitar a venda de terras e em que condições. Eles resumem muitos dos problemas da economia moderna, e precisam mesmo, em detalhes, as leis do trabalho, o uso das letras de câmbio, os limites do lucro com a noção de "preço justo", etc.
Valor: O "imposto de solidariedade", o "tsedaka", seria a primeira aparição do imposto sobre a renda?
Attali: O "tsedaka" é um tipo de imposto de renda, pois diz que toda pessoa deve, voluntariamente, destinar em torno de 20% de seus ganhos aos pobres. Mas não pagando ao Estado, mas dando, seja diretamente ou numa forma anônima, aos pobres. É um imposto de redistribuição. Foi o que inspirou o meu projeto de microcréditos do Planet Finance. Maimonide dizia que o grau mais elevado da caridade consiste não em dar dinheiro a alguém, mas em emprestar o bastante para que ele nunca mais tenha necessidade de pedir novamente. Os microcréditos são extamente isso: ajudar as pessoas a ter o suficiente para não ter de depender mais da caridade. Com Planet Finance tentamos fazer isso pelo mundo todo e também no Brasil.
Valor: Para o sr., a oposição fundamental das relações entre judeus e cristãos em relação ao dinheiro é a razão de séculos de intolerância.
Attali: É uma das fontes da intolerância. O cristianismo, de uma certa maneira, teve para certos cristãos a atitude de ingratidão, que consiste em lamentar que os judeus sejam os inventores do monoteísmo. Eles foram ingratos em relação aqueles que trouxeram Deus, pois Deus é uma conquista judia. Igualmente, na medida em que os cristianismo interditou o empréstimo com juros, eles foram ingratos em relação aqueles que lhe emprestaram, não Deus, mas dinheiro. Há essa dupla ingratidão, que conduziu, em certos casos, a comportamentos de hostilidade. Nem sempre, pois também há entre judeus e cristãos, ao longo da história, relações extremamente próximas.
Valor: Segundo o sr., em torno do ano mil, haveria cerca de 150 mil judeus na Europa e durante três séculos ele seriam os únicos a poderem emprestar dinheiro. Na Idade Média, associa-se todo judeu a um credor e todo cristão a um devedor. O sr. diz que a Igreja assimilou o financiador ao diabo, como o dealer que fornece droga.
Attali: Os judeus não são apenas financiadores na Idade Média. Há muito poucos judeus na Europa e bruscamente há uma demanda de crédito, que não existia antes, e os judeus têm o direito de atender essa demanda. Eles se tornaram os banqueiros da Europa. Pode-se dizer que eles deflagraram o capitalismo europeu. A idéia de associar aquele que empresta dinheiro ao diabo está vinculada, por exemplo, ao não reembolso dos empréstimos por parte dos cristãos.
Valor: O sr. refuta Max Weber e sua tese, segundo a qual, o protestantismo seria uma das principais fontes de desenvolvimento do capitalismo nos séculos XVIII e XIX.
Attali: A idéia segundo a qual o protestantismo está na origem do capitalismo é uma tese absurda. O capitalismo começou muito antes da existência do protestantismo, pois ele surgiu, no minímo, no século XII na Europa. É verdade que o protestantismo, reencontrando os valores judeus - a idéia de que o dinheiro não é maléfico -, é uma redescoberta formidável dos princípios do judaísmo.
Valor: A imagem do judeu usurário se perpetuou até hoje, mas a influência judia na economia e no mundo das finanças não seria mais a mesma. Os banqueiros judeus do século 19, nos Estados Unidos e Viena, deram lugar a artistas ou psicanalistas nas gerações seguintes, segundo o sr. afirma em seu livro.
Attali: Isso tudo acabou. Os judeus tiveram um papel importante, essencialmente, no século XII e, nos Estados Unidos, no século XIX. Mas, nos EUA, eles concorriam com os protestantes, e não estavam em situação dominante. Haviam bancos judeus, mas não apenas bancos judeus. A importância judia no mundo das finanças desapareceu completamente, primeiro, no século XIV, quando os cristãos começaram a ter o direito de atuar como financiadores. Ela reapareceu um pouco depois nos Estados Unidos durante cinqüenta anos, entre 1860 e 1910, e então desapareceu. Depois que deixaram os bancos, muitos judeus investiram no meio do espetáculo. Os grandes estúdios como Fox, MGM, Universal, Warner Brothers surgiram graças a empresários judeus. Mas isso também terminou. Como eles sofriam com essa acusação de dar muita atenção ao dinheiro, os judeus também se detestavam a si próprios, pois isso alimentava um ódio a si mesmo. E eles passaram a atuar no teatro, por exemplo. Viena era completamente judia no teatro. E também no caso da psicanálise. A psicanálise é fundada, em muito, no ódio ao dinheiro. Houve uma instalação de um processo crítico do uso do dinheiro pelos judeus, o que os levou às profissões artísticas.
Valor: Seu livro recebeu algumas críticas por apresentar uma "relação idílica" dos judeus com o dinheiro, esquecendo-se de que o dinheiro judeu também teria sido usado para financiar guerras.
Attali: Financiar guerras, não especialmente. Eu mesmo digo que os Rotschild fizeram fortuna com o financiamento da guerra da Inglaterra contra Napoleão. É verdade que todo financiamento da defesa das potências européias contra Napoleão foi financiada pelos Rotschild. Mas isso não é financiar guerras, é financiar a defesa contra um invasor.
Valor: O sr. coloca Spinoza como o primeiro grande pensador judeu da modernidade, apóstolo de um Deus universal; critica o anti-semitismo de Voltaire como um sub-produto de um anticristianismo, e assinala a assimilação de judaísmo e capitalismo por Marx, como os dois inimigos a serem combatidos.
Attali: Spinoza é o primeiro que começa a distingüir claramente essa questão e que pensa fora do pensamento religioso. É um pensamento livre, que considera que se pode pensar a liberdade independente dos textos religiosos. Ele atinge a idéia de que Deus está por tudo, é abstrato, não é o Deus das Escrituras. Voltaire tem um lado anti-semita e também um lado admirativo em relação ao que o povo judeu contribuiu para a História. Para Marx, o capitalismo nasceu do judaísmo, então, para destruir o capitalismo é preciso destruir o judaísmo. Esse texto dele é incrivelmente anti-semita, se inscreve, aliás, no pensamento alemão, e também num tipo de ódio de si mesmo. Os marxistas não gostam muito de citar esse texto de Marx.
Valor: No capítulo sobre o Brasil, o sr. escreve quem, em 1648, dos 12 mil habitantes europeus em solo brasileiro, haviam cerca de 1,4 mil judeus, a maioria deles instalada em Recife. O sr. cita uma carta da época do governador de Recife, Adriaen Lems, queixando-se à Companhia das Indias de que os judeus não permitiam aos não judeus prosperarem por exagerarem nos lucros obtidos com o comércio de escravos, que às vezes alcançava 300% por cabeça.
Attali: Os judeus têm um papel particular no Brasil, pois eles partiram para o Brasil seja para fugir da colonização ou para expulsar os espanhóis. Eles foram com os holandeses, mais tolerantes. Mas foram, infelizmente, pegos quando os espanhóis expulsarem os holandeses. Nessa parte holandesa do Brasil eles são refinadores de açúcar e utilizam muitos escravos, como todo mundo na época, não se trata de uma especialidade judia. Depois, eles partirão nos navios holandeses, e é assim que chegarão a Manhattan. Mas se eles impediram os não judeus de prosperar, como diz essa carta, é talvez também pelo fato de que eles tratavam melhor os escravos. Nesse caso, eles não ajudaram no desenvolvimento capitalista porque foram impedidos, foram expulsos com a partida dos holandeses. Eles estavam com Maurício de Nassau, depois se foram. Foi o Brasil que os expulsou.
Valor: O sr. coloca, igualmente, o problema da indentidade judia com a banalização do nomadismo imposta pela globalização.
Attali: O povo judeu, como todo povo, está em permanente dialética entre uma terra e uma identidade que não é somente uma terra. Acredito que se verá o povo judeu, por muito tempo, nessa dualidade entre Israel e a Diáspora. O fato de que há uma terra de Israel não é o fim do nomadismo. Seria o fim do nomadismo se fosse o fim da Diáspora. O problema da identidade é colocado para os judeus assim como para todo mundo. Digo que o Brasil, que tomo seguido como exemplo no meu livro "Dicionário do Século XXI" é o modelo do futuro do mundo. É um modelo de mestiçagem, de misturas, nas quais as identidades podem ser questionadas. A identidade judia é questionada. Diz-se seguidamente, por exemplo, que mais de 52% dos casamentos judeus são uniões mistas. Não é uma estatística especialmente judia, mas que é válida para todo mundo. Matematicamente, o povo judeu vai desaparecer num século, por fusão com outros povos. Mas, como já se disse tantas vezes que o povo judeu vai desaparecer, já não sabemos se será o caso.
Valor: Por que perdura até hoje essa idéia do judeu associado ao dinheiro?
Attali: Porque os mitos levam muito tempo para morrer. Meu livro não foi contestado por ninguém em nenhum fato. Espero que ele ajude a fazer desaparecer esse mito. Foi preciso dois mil anos para criá-lo e serão precisos alguns séculos para que ele desapareça.
23 de abr. de 2003
O endividamento que ameaça o Império
Com uma estrutura financeira em falência, os EUA apresentam um endividamento que escapa a qualquer controle. A degradação da poupança e um déficit corrente insustentável são parte do quadro clínico de uma doença da ordem social do país
por Frederic Clairmont*
Ainda estou lendo, mas é pólvora pura, segue o link.
Com uma estrutura financeira em falência, os EUA apresentam um endividamento que escapa a qualquer controle. A degradação da poupança e um déficit corrente insustentável são parte do quadro clínico de uma doença da ordem social do país
por Frederic Clairmont*
Ainda estou lendo, mas é pólvora pura, segue o link.
O off jornalístico
Quer coisa mais babaca do que dizer que o off jornalístico tem ética e, portanto deve ser sempre respeitado. Sempre nada.
O jornalista que utilizar de informações obtidas em off para prejudicar um terceiro, sapiente que as informações a ele passada vieram de forma ilegal estará agindo ou como marionete ou conivente. É isso.
Quer coisa mais babaca do que dizer que o off jornalístico tem ética e, portanto deve ser sempre respeitado. Sempre nada.
O jornalista que utilizar de informações obtidas em off para prejudicar um terceiro, sapiente que as informações a ele passada vieram de forma ilegal estará agindo ou como marionete ou conivente. É isso.
O 'novo' secretário de (in)segurança do RJ
Rosinha Noteus Garotinho nomeia seu marido o secretário de segurança pública do Rio de Janeiro. O engraçado, ou trágico, é que este, quando ex-governador, permitiu o uso indiscriminado de celulares nos presídios de segurança máxima do estado. De repente é isso que pode dar certo, a permissividade do desorganizado poder do Estado com o crime organizado, fazendo com que os fascínoras resconstruam as teias de operações em nosso solo . Com o crime voltando a obter dinheiro e comércio livre, a baderna por eles imposta cessará. Não duvido que bastantes traficantes serão presos ou mortos, mas serão os pequenos, aqueles que podem ser trocados por um grão (ou seria pó?) de liberdade.
Em tempos: Josias Quintal era a quem a raia miúda comentava que andava a frequentar a roseira da governadora, que sendo planta não seria trepadeira. Será que alguém foi pego regando planta alheia?
Rosinha Noteus Garotinho nomeia seu marido o secretário de segurança pública do Rio de Janeiro. O engraçado, ou trágico, é que este, quando ex-governador, permitiu o uso indiscriminado de celulares nos presídios de segurança máxima do estado. De repente é isso que pode dar certo, a permissividade do desorganizado poder do Estado com o crime organizado, fazendo com que os fascínoras resconstruam as teias de operações em nosso solo . Com o crime voltando a obter dinheiro e comércio livre, a baderna por eles imposta cessará. Não duvido que bastantes traficantes serão presos ou mortos, mas serão os pequenos, aqueles que podem ser trocados por um grão (ou seria pó?) de liberdade.
Em tempos: Josias Quintal era a quem a raia miúda comentava que andava a frequentar a roseira da governadora, que sendo planta não seria trepadeira. Será que alguém foi pego regando planta alheia?
17 de abr. de 2003
Enquanto isso no Oriente Médio...
Os EUA já pedem o fim do embargo para poderem vender o petróleo iraquiano. Fecharam o oleoduto que fornecia à Síria 200.000 barris de petróleo por dia.
França e Rússia são contrárias ao fim do embargo imediato, pois o petróleo iraquiano é estatizado, se não há governo, quem irá vender?
Já háentre os árabes uma vontade de expurgar qualquer armas de destruição em massas de seus territórios, só que, obviamente, eles querem estender isso aos seus irmãos judeus que detêm mais de duzentas bombas atômicas.
Os EUA já pedem o fim do embargo para poderem vender o petróleo iraquiano. Fecharam o oleoduto que fornecia à Síria 200.000 barris de petróleo por dia.
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Já háentre os árabes uma vontade de expurgar qualquer armas de destruição em massas de seus territórios, só que, obviamente, eles querem estender isso aos seus irmãos judeus que detêm mais de duzentas bombas atômicas.
A guerra deles e as nossas “guerras”
Maria da Conceição Tavares
Folha SP, 13/04/2003
Os falcões do Departamento de Defesa já estão para além de Bagdá em todos os sentidos, inclusive os pejorativos, o que leva a superpotência a uma retórica de escalada no terreno minado do Oriente Médio. A disputa pelo espólio da guerra (petróleo e reconstrução) é escandalosa e coloca as demais potências aliadas e rivais numa contestação surda ou aberta contra as pretensões geoeconômicas e geopolíticas da superpotência.
Esta guerra não teve os efeitos estimulantes sobre a economia norte-americana do tipo dos que ocorreram no período Roosevelt na 2ª guerra mundial ou mesmo de Reagan na escalada final da guerra fria. O complexo militar-industrial dentro dos EUA já tem uma dimensão gigantesca e ultramoderna que não envolve a “construção” de uma “Nova Economia”. Esta já ocorreu e está em recessão desde 2001. As despesas das tropas de ocupação e da reconstrução do Iraque são fora do país e podem beneficiar apenas os lucros de algumas grandes empresas, mas não têm efeito multiplicador de renda e nem de retomada do investimento na economia interna. O último relatório do FMI sobre “Perspectivas da Economia Mundial” avisa: “Dados os riscos e limitações que envolvem a economia norte-americana é urgente a redução da dependência da economia global em relação aos EUA”.
Enquanto isso as nossas “batalhas” imediatas pela estabilização da economia e pelo avanço da cultura político-democrática brasileira incluindo o debate com representantes da sociedade civil em todos os planos e no Conselho Econômico-Social, deram a pauta do 1º trimestre.
As previsões mais pessimistas sobre conjuntura de dois meses atrás (inclusive as minhas e do editorial desta Folha, ambas publicadas no dia 16/02/2003) não se verificaram porque o preço do petróleo e o câmbio caíram e a taxa de inflação cedeu. Fazer previsões sobre uma conjuntura tão incerta, concorde-se ou não com a política macroeconômica, só dá certo por acaso. Mesmo as velhas identidades (supostamente de equilíbrio ou de paridade) como o juro interno = juro externo + risco Brasil + taxa de inflação, não tem o menor sentido (o Dr. Delfin que me perdoe). Em mercados especulativos em que existe arbitragem presente e futura entre juro e câmbio, nenhuma “identidade simples” resiste e tão pouco a capacidade de predição de modelos mais sofisticados.
A política macro-econômica virou uma arte de contornar conjunturas adversas e de fazer apostas conservadoras, que só podem dar certo a curto prazo com a atração de capitais compensatórios ou especulativos. No 1º trimestre de 2003 entraram cerca de US$ 5 bilhões de curto prazo, o que explica a queda drástica do cupom cambial em dólar. As políticas de investimento, desenvolvimento e emprego, porém, são de outra natureza e tem de ser iniciadas olhando o estado das cadeias produtivas, da capacidade de expansão de crédito interno e externo de longo prazo a juros mais baixos e da disposição do setor privado de investir antes que chegue rapidamente à plena ocupação de capacidade. O crescimento das exportações e da substituição de importações, que permitem enfrentar a restrição externa a médio prazo, serão dificultadas se o câmbio se apreciar ou flutuar demais. O crédito externo de longo prazo com menor taxa de juros em dólar já está sendo oferecido às grandes empresas exportadoras e às agências públicas de fomento. A dificuldade é encontrar tomadores (muitos deles ainda endividados) por causa do risco cambial.
Do ponto de vista do emprego as oportunidades e os recursos para setores tradicionalmente empregadores de mão de obra - construção civil e saneamento – existem. O problema está nas atuais condições de financiamento para a população de nível de renda mais baixo. Programas como o de primeiro emprego e cooperativas de trabalhadores podem ajudar se forem bem concebidos e executados. As políticas sociais de caráter universal, como saúde e educação, além de serem altamente empregadoras, têm as maiores redes territoriais do país que podem ser coordenadas para dar uma cobertura mais abrangente ao combate à fome e à subnutrição. O mesmo vale para o resgate de uma política mais ampla de seguridade social. As redes de crédito às pequenas empresas podem ser ampliadas pelo BB e pela CEF, que tem o maior número de agências no país inteiro, desde que sejam autorizadas a praticar crédito supervisionado com menores taxas de juros.
Estes foram alguns dos temas que foram discutidos na reunião da bancada do PT, na 3ª feira passada na Câmara dos Deputados, da qual participamos como expositores eu e o Senador Aloizio Mercadante. Tentamos explicar claramente a evolução da conjuntura de setembro de 2002 para cá, e discutir as notícias positivas e as dificuldades que temos pela frente. Relembramos também qual é o nosso projeto de desenvolvimento para o país, as linhas gerais de nossa inserção internacional e a necessidade de redução de nossa dependência financeira da economia global. Não ocultamos os obstáculos que temos de vencer para retomar o crescimento sustentado, a começar pelo da restrição externa e o da reconstrução da infraestrutura. Já a inclusão social é uma política de grande complexidade e envergadura que exigirá desde movimentos localizados mais rápidos até estratégias coordenadas de médio e longo prazo.
A segurança da população em novos moldes também faz parte das “nossas guerras” particulares que é preciso combater com urgência e com o apoio recíproco dos governos estaduais e da União e que supõe maior vigilância das fronteiras. Em resumo: as guerras da superpotência se resolvem pela força, as nossas têm de ser travadas com paciência, diálogo e consensos majoritários ou acordos parciais para mudar a nossa cultura política e reorganizar o Estado em todos os níveis.
Maria da Conceição Tavares
Folha SP, 13/04/2003
Os falcões do Departamento de Defesa já estão para além de Bagdá em todos os sentidos, inclusive os pejorativos, o que leva a superpotência a uma retórica de escalada no terreno minado do Oriente Médio. A disputa pelo espólio da guerra (petróleo e reconstrução) é escandalosa e coloca as demais potências aliadas e rivais numa contestação surda ou aberta contra as pretensões geoeconômicas e geopolíticas da superpotência.
Esta guerra não teve os efeitos estimulantes sobre a economia norte-americana do tipo dos que ocorreram no período Roosevelt na 2ª guerra mundial ou mesmo de Reagan na escalada final da guerra fria. O complexo militar-industrial dentro dos EUA já tem uma dimensão gigantesca e ultramoderna que não envolve a “construção” de uma “Nova Economia”. Esta já ocorreu e está em recessão desde 2001. As despesas das tropas de ocupação e da reconstrução do Iraque são fora do país e podem beneficiar apenas os lucros de algumas grandes empresas, mas não têm efeito multiplicador de renda e nem de retomada do investimento na economia interna. O último relatório do FMI sobre “Perspectivas da Economia Mundial” avisa: “Dados os riscos e limitações que envolvem a economia norte-americana é urgente a redução da dependência da economia global em relação aos EUA”.
Enquanto isso as nossas “batalhas” imediatas pela estabilização da economia e pelo avanço da cultura político-democrática brasileira incluindo o debate com representantes da sociedade civil em todos os planos e no Conselho Econômico-Social, deram a pauta do 1º trimestre.
As previsões mais pessimistas sobre conjuntura de dois meses atrás (inclusive as minhas e do editorial desta Folha, ambas publicadas no dia 16/02/2003) não se verificaram porque o preço do petróleo e o câmbio caíram e a taxa de inflação cedeu. Fazer previsões sobre uma conjuntura tão incerta, concorde-se ou não com a política macroeconômica, só dá certo por acaso. Mesmo as velhas identidades (supostamente de equilíbrio ou de paridade) como o juro interno = juro externo + risco Brasil + taxa de inflação, não tem o menor sentido (o Dr. Delfin que me perdoe). Em mercados especulativos em que existe arbitragem presente e futura entre juro e câmbio, nenhuma “identidade simples” resiste e tão pouco a capacidade de predição de modelos mais sofisticados.
A política macro-econômica virou uma arte de contornar conjunturas adversas e de fazer apostas conservadoras, que só podem dar certo a curto prazo com a atração de capitais compensatórios ou especulativos. No 1º trimestre de 2003 entraram cerca de US$ 5 bilhões de curto prazo, o que explica a queda drástica do cupom cambial em dólar. As políticas de investimento, desenvolvimento e emprego, porém, são de outra natureza e tem de ser iniciadas olhando o estado das cadeias produtivas, da capacidade de expansão de crédito interno e externo de longo prazo a juros mais baixos e da disposição do setor privado de investir antes que chegue rapidamente à plena ocupação de capacidade. O crescimento das exportações e da substituição de importações, que permitem enfrentar a restrição externa a médio prazo, serão dificultadas se o câmbio se apreciar ou flutuar demais. O crédito externo de longo prazo com menor taxa de juros em dólar já está sendo oferecido às grandes empresas exportadoras e às agências públicas de fomento. A dificuldade é encontrar tomadores (muitos deles ainda endividados) por causa do risco cambial.
Do ponto de vista do emprego as oportunidades e os recursos para setores tradicionalmente empregadores de mão de obra - construção civil e saneamento – existem. O problema está nas atuais condições de financiamento para a população de nível de renda mais baixo. Programas como o de primeiro emprego e cooperativas de trabalhadores podem ajudar se forem bem concebidos e executados. As políticas sociais de caráter universal, como saúde e educação, além de serem altamente empregadoras, têm as maiores redes territoriais do país que podem ser coordenadas para dar uma cobertura mais abrangente ao combate à fome e à subnutrição. O mesmo vale para o resgate de uma política mais ampla de seguridade social. As redes de crédito às pequenas empresas podem ser ampliadas pelo BB e pela CEF, que tem o maior número de agências no país inteiro, desde que sejam autorizadas a praticar crédito supervisionado com menores taxas de juros.
Estes foram alguns dos temas que foram discutidos na reunião da bancada do PT, na 3ª feira passada na Câmara dos Deputados, da qual participamos como expositores eu e o Senador Aloizio Mercadante. Tentamos explicar claramente a evolução da conjuntura de setembro de 2002 para cá, e discutir as notícias positivas e as dificuldades que temos pela frente. Relembramos também qual é o nosso projeto de desenvolvimento para o país, as linhas gerais de nossa inserção internacional e a necessidade de redução de nossa dependência financeira da economia global. Não ocultamos os obstáculos que temos de vencer para retomar o crescimento sustentado, a começar pelo da restrição externa e o da reconstrução da infraestrutura. Já a inclusão social é uma política de grande complexidade e envergadura que exigirá desde movimentos localizados mais rápidos até estratégias coordenadas de médio e longo prazo.
A segurança da população em novos moldes também faz parte das “nossas guerras” particulares que é preciso combater com urgência e com o apoio recíproco dos governos estaduais e da União e que supõe maior vigilância das fronteiras. Em resumo: as guerras da superpotência se resolvem pela força, as nossas têm de ser travadas com paciência, diálogo e consensos majoritários ou acordos parciais para mudar a nossa cultura política e reorganizar o Estado em todos os níveis.
Fala sério...
Este papo de que Rússia e França eram contrárias à guerra pois haviam vendido armas para o Iraque é uma balela, estória para boi dormir.
É verdade de que elas estavam lucrando, mesmo com o embargo, com o petróleo iraquiano. Só quem não lucrava com 'aquele' ouro negro era os EUA.
E isso motivou os diferentes sentimentos no Conselho de Segurança.
Este papo de que Rússia e França eram contrárias à guerra pois haviam vendido armas para o Iraque é uma balela, estória para boi dormir.
É verdade de que elas estavam lucrando, mesmo com o embargo, com o petróleo iraquiano. Só quem não lucrava com 'aquele' ouro negro era os EUA.
E isso motivou os diferentes sentimentos no Conselho de Segurança.
16 de abr. de 2003
Entrevista de Alecastro para Valor em 16 de abril
A estratégia da política externa brasileira foi montada quando a União Européia parecia fornecer um contrapeso consistente aos EUA. A guerra deixou em evidência que não há poder que confronte a hiperpotência americana.
Aos 57 anos, sendo que 25 deles no passados na França, o historiador Luiz Felipe de Alencastro , professor-catedrático da Universidade de Paris 4 (Sorbonne), defende uma reformulação na política externa brasileira. "A diplomacia é um domínio que não responde às regras de democracia; é regida por relações de forças onde um país como o nosso pesa pouco". Alencastro cobra ainda que o governo e o PT declarem "repúdio" às condenações que Cuba impôs à sua oposição democrática.
O historiador avalia positivamente as chances de sucesso do governo no Congresso. Para ele, nenhuma das reformas arriscam o presidente ao mesmo erro político do seu antecessor, a negociação de vida ou morte da emenda da reeleição. Sem uma barganha do porte daquela que viciou a base parlamentar do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; Lula, mesmo sem uma maioria consolidada, não está condenado a dificuldades intransponíveis no Congresso.
A seguir, a entrevista que Alencastro deu ao Valor por telefone de Paris.
Valor: O que mudou no governo Lula nesses primeiros cem dias?
Luiz Felipe Alencastro :O governo Lula afastou a bancarrota financeira que ia engolfar o país. Havia gente poderosa azarando o novo governo e a situação herdada era difícil. Na campanha eleitoral o próprio FHC afirmou que o Brasil podia virar uma outra Argentina, reconhecendo a vulnerabilidade do país após seus oito anos de governo. Além de tirar a crise da frente do país, a eleição de Lula deu lugar a uma mudança política importante. Pela primeira vez, a esquerda brasileira vence as eleições presidenciais. Considerando que Jango havia sido eleito vice-presidente e que sua presidência resultou da renúncia de Jânio, a eleição de Lula ganha um significado inédito. A democracia não consiste apenas na realização de eleições livres e no respeito às liberdades públicas. É preciso que as eleições possibilitem, em prazos mais ou menos regulares, uma mudança política capaz de levar a oposição ao governo. Nesse ponto, devemos reconhecer a parte que cabe a FHC como garantidor de uma transição presidencial exemplar.
Valor: A mudança é de conteúdo ou de estilo?
Alencastro :A mudança ocorre nos dois planos. Há um contato direto do presidente e do ministério com a realidade brasileira. O melhor no governo é que ele tem a cara do Brasil. E isso nunca aconteceu. Não é só porque Benedita, Marina e Gil se tornaram ministros. É também porque há um médico, ex-prefeito de uma cidade média, que é ministro da Fazenda, num país que viveu durante 40 anos sob a arrogância e a tirania de economistas sabichões. O fato de ele ter bom senso e administrar a economia com competência é algo que reforça a autoconfiança do país.
Valor: Qual a importância dessa cara do Brasil no governo?
Alencastro : Isso revigora os parâmetros democráticos no Brasil e no exterior. Uma parte da esquerda ocidental, condescendente com Fidel Castro, passou a criticá-lo duramente. Isso não se fazia porque parecia que a América Latina não conseguia implementar mudanças sociais no quadro constitucional. Daí a tolerância com um ditador que ao menos mudava a sociedade ou com o comandante Marcos, que não quer saber de eleições. Com a eleição de Lula, o eleitorado brasileiro mudou a perspectiva, dando um padrão democrático e civilizador para a América Latina. A imagem do comandante de boina, guerrilheiro de fuzil na mão, tornou-se anacrônica e depreciada. A nova imagem da esquerda latino-americana é o presidente eleito, sindicalista, dirigente partidário que está de terno e barba aparada. Isso também gera uma grande responsabilidade para o governo. Aliás, o governo e o PT deveriam ter declarado seu repúdio às condenações que Cuba inflingiu agora à sua oposição democrática. Fidel é um ditador tapado que quer morrer no poder, sem preparar a transição de seu regime, deixando seu povo exposto ao revanchismo dos anticastristas de Miami.
Valor: Como a imagem do governo reflete nas pesquisas?
Alencastro : A ação do presidente nos lugares críticos, nos assuntos postos em pauta nas viagens dentro e fora do país, tem tido grande importância. No presidencialismo, o presidente é chefe de Estado e chefe de governo, exercendo política de intervenção e de exemplaridade que Lula está praticando plenamente, como mostram as sondagens que dão uma apreciação positiva do governo. Isso posto, Lula desencadeou expectativas difíceis de administrar. Elas procedem de horizontes amplos, vão desde o MST até os professores e empresários médios, e concernem ainda gerações anteriores, dos que militaram por um socialismo democrático no Brasil e viam essas perspectivas frustradas desde a redemocratização de 1945. Antônio Cândido que, junto com Celso Furtado e outros intelectuais, manteve vivas essas esperanças, escreveu um artigo muito significativo sobre esse tema no dia seguinte à eleição de Lula.
Valor: FHC tinha uma moeda por trás da sua popularidade e Lula? Basta a personalização da figura do Lula para sustentá-la?
Fidel é um ditador tapado que quer morrer no poder, sem preparar a transição de seu regime
Alencastro : O real foi poderoso na conquista dos dois mandatos de FHC. Mas ele também foi um presidente popular e democrata. Contudo, Lula não reúne somente o carisma de um presidente com forte identificação popular. Lula é também o fundador do PT. Um partido democrático organizado nacionalmente, de baixo para cima - pela primeira vez na América Latina - com condições de responder a boa parte das expectativas criadas pela eleição, servindo como termômetro da sociedade. A presença do PT evitará o descolamento, que sempre houve, entre o presidente e as forças políticas que o elegeram. FHC disse em Paris que o PSDB nunca funcionou como um partido social democrata. Acho que o PT é um partido com esse potencial, inclusive com um nível de crítica ao próprio governo. O Brasil nunca teve uma experiência como essa.
Valor: A crítica diz respeito aos radicais do PT?
Alencastro : Os partidos se formavam por filiações pessoais. Não havia tendências organizadas. Quem estava descontente saía e fundava outro. O PT administra discussões internas há 20 anos. Isso existe desde sempre nos partidos das democracias ocidentais. O partido conservador britânico viu a oposição interna de John Major tomar o lugar de Margaret Thatcher. Agora o trabalhista Robin Cox criticou Blair e demitiu-se do ministério, armando o embrião de uma nova política para o Labour. Os congressos do Partido Socialista francês são sempre o teatro de debates antagônicos. Há um pouco de desconhecimento no Brasil desse tipo de debate intrapartidário, fundamental na democracia.
Valor: Como Lula deveria formar uma maioria sólida no Congresso?
Alencastro : Como estamos num presidencialismo de coalizão, conforme a definição de Sérgio Abranches, no qual o presidente não tem forçosamente a maioria no Congresso, há um complicador no poder e até um problema de recrutamento de quadros. Há cargos de segundo escalão que ainda não estão preenchidos. O que torna mais complexa a tarefa de administrar o país. Ainda assim penso que a situação mudou. O governo FHC queria votar a emenda da reeleição desde o dia que assumiu. Foi uma das razões que o travaram. O senador Montoro tinha proposto tirar a emenda da reeleição do Congresso e organizar um referendo sobre a matéria. Acho que teria sido uma solução mais democrática e muito melhor, inclusive para o governo FHC. Esse foi o erro político mais grave do governo anterior. Lula não tem nenhum problema desse tamanho rolando no Congresso.
Valor: Vai ser diferente a relação com o Congresso no governo Lula?
Alencastro : Sim. Há um certo consenso na classe política, mesmo dos políticos mais conservadores, de que José Dirceu é um grande quadro político. Nunca houve na Casa Civil alguém com essa experiência de negociação e de firmeza política como Dirceu. A comparação com o general Golbery, mentor da ditadura, é absurda e insultante para o eleitorado brasileiro. Esse artigo 192 da Constituição, que era motivo de piada, estava aí desde 1988. Os governos anteriores fingiam que ele não existia, agora está sendo solucionado. No presidencialismo não só as eleições que possibilitam as alianças. As eleições para senadores e governadores abrem a via para acordos e criam uma margem de manobra para a política presidencial. O fato do sistema ser pluripartidário tem inconvenientes, mas tem vantagens também. Os congressistas querem se reeleger e podem oferecer um apoio à política presidencial à medida que seus mandatos forem se aproximando do fim. Agora houve a mudança do vice-governador de Minas, saindo do PFL para o PL. É preciso gerir isso com bom senso. Collor criou aquele partido de aventureiros do qual hoje ninguém se lembra, e de repente estava todo mundo entrando no PRN. O poder presidencial atrai adesões que devem ser administradas para cumprir a vontade dos eleitores e reforçar a democracia.
Valor: As reformas que o governo está encaminhando no Congresso não são populares. Quais são os reflexos na popularidade de Lula?
Alencastro : Esse foi um dos mal entendidos da eleição. Há gente que pensa que dá para recorrer sempre ao Tesouro Nacional, independentemente das crises ocorrendo dentro e fora do país. Isso vem da herança paternalista, do trabalhismo varguista e brizolista. Enquanto a maioria dos aposentados sofre, uma minoria de privilegiados se beneficia de polpudas aposentadorias públicas que não tem paralelo nem nos países desenvolvidos. Vai ser preciso uma política de diálogo e informação da opinião pública. Nesse caso é possível ter uma aliança mais vasta que a própria esquerda. A reforma da Previdência já está desenhada há 30 anos nas curvas demográficas brasileiras, e resulta da queda de natalidade e da redução do trabalho formal. É uma tendência bem estabelecida nos países desenvolvidos. O gargalo da Previdência está sendo debatido pelos governos europeus, não importando a sua coloração política.
Valor: As expectativas já estão sendo frustradas?
Alencastro : Certamente. À medida que o governo se afastou do porto festivo que marcou a eleição de Lula, o tempo mudou e surgem as turbulências. Os pequenos e médios empresários, que votaram no Lula, reclamam dos patamares elevados em que os juros estão sendo mantidos. Há um expectativa frustrada no andamento da reforma agrária, da retomada do crescimento econômico e da implementação das políticas sociais.
Valor: O governo diz ao seu partido que esse é um momento de transição econômica para a mudança. Dá para acreditar nesse discurso?
Alencastro : As sondagens mostram que a opinião pública aceita essas explicações. Afinal, a guerra do Iraque complicou o quadro internacional. Falou-se que o preço do petróleo ia estourar. Agora, baixou de novo. Mas há outras surpresas externas. Começa a se ver que o Iraque está demolido e com uma dívida externa elevada. Pode ser que o alívio do preço do petróleo seja passageiro. Nos EUA, setores democratas estão achando que a guerra abortou a retomada econômica e contam vencer Bush na próxima eleição. Na Europa a situação é grave e há a ameaça da deflação. Penso que nos seis primeiros meses o governo pode argumentar a partir dos problemas internos que herdou e os problemas externos que apareceram. Mas depois vai começar a cobrança. Guardadas as devidas proporções foi assim que aconteceu com a prefeita Marta Suplicy.
Valor: E as críticas à execução dos programas sociais?
Alencastro : Fui colega do José Graziano, responsável pelo Fome Zero, na Unicamp. Ele foi um dos organizadores da Caravana da Cidadania, e merece todo o respeito. Mas acho que houve uma má-avaliação da implementação desse programa no topo da administração federal. É um dos setores em que a expectativa foi mais frustrada. Isso foi dito dentro do próprio governo. Essa é a cara do governo Lula dentro e fora do país. É o tipo de iniciativa que devia estar mais avançada, os impasses que atravessa comprometem o governo.
Valor: Como o governo tem se saído na política externa?
Alencastro : O engajamento simultâneo de Lula em Porto Alegre e em Davos foi muito bom. Ele posicionou-se como um mediador categorizado entre as duas metades do planeta. O fato de que seu nome tenha sido lembrado para o Prêmio Nobel da Paz confirma esse sucesso. Sua atividade na área internacional surpreendeu, já que era a praia do Fernando Henrique - o presidente poliglota, universitário de grande reputação que conhecia pessoalmente algumas lideranças internacionais. Parecia que Lula ia ter uma política externa muito mais discreta. E ao contrário, ele avançou bastante.
Valor: E interferência na Venezuela?
Alencastro : No começo do governo houve um entusiasmo que levou a um erro de cálculo na Venezuela. É certo que o Brasil ajudou a acalmar essa crise, mas a política externa está cheia de arapucas. Trata-se de um domínio que não responde às regras de democracia. A diplomacia é regida por relações de forças onde um país como o nosso pesa pouco. A guerra do Iraque deixou evidente a hiperpotência americana que atropela as organizações internacionais, a ONU e desarticula União Européia. É preciso reavaliar a estratégia da política externa brasileira, montada na altura em que a União Européia parecia fornecer um contrapeso consistente aos EUA. A guerra retardou essas perspectivas.
Valor: O não-apoio à invasão do Iraque pode estremecer as relações bilaterais entre Brasil e os EUA?
Alencastro : O fato de o Itamaraty ter sido a favor da ONU e de uma solução pacífica no Iraque foi positivo e corresponde à tradição de nossa política externa. Ir além disso teria sido temerário. O país ainda está muito vulnerável a uma sacudida dos EUA. Não tenhamos ilusões. Chirac só não sofreu uma retaliação imediata porque tem o escudo do euro. Se a França ainda tivesse o franco a história seria diferente. A moeda francesa teria sofrido uma desvalorização cambial e Paris se alinharia com Washington. Foi o que aconteceu na crise de Suez, em 1956, quando Eisenhower deixou a libra inglesa cair para forçar o primeiro ministro Anthony Eden retirar as tropas britânicas do Egito.
Valor: E a posição de fortalecer o Mercosul antes da Alca?
Alencastro : A médio prazo essa política parece comprometida. A crise de Argentina é tão grave que seu empenho na construção do Mercosul se tornou problemático. É difícil dizer isso, mas talvez a hora do Mercosul já tenha passado.
A estratégia da política externa brasileira foi montada quando a União Européia parecia fornecer um contrapeso consistente aos EUA. A guerra deixou em evidência que não há poder que confronte a hiperpotência americana.
Aos 57 anos, sendo que 25 deles no passados na França, o historiador Luiz Felipe de Alencastro , professor-catedrático da Universidade de Paris 4 (Sorbonne), defende uma reformulação na política externa brasileira. "A diplomacia é um domínio que não responde às regras de democracia; é regida por relações de forças onde um país como o nosso pesa pouco". Alencastro cobra ainda que o governo e o PT declarem "repúdio" às condenações que Cuba impôs à sua oposição democrática.
O historiador avalia positivamente as chances de sucesso do governo no Congresso. Para ele, nenhuma das reformas arriscam o presidente ao mesmo erro político do seu antecessor, a negociação de vida ou morte da emenda da reeleição. Sem uma barganha do porte daquela que viciou a base parlamentar do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; Lula, mesmo sem uma maioria consolidada, não está condenado a dificuldades intransponíveis no Congresso.
A seguir, a entrevista que Alencastro deu ao Valor por telefone de Paris.
Valor: O que mudou no governo Lula nesses primeiros cem dias?
Luiz Felipe Alencastro :O governo Lula afastou a bancarrota financeira que ia engolfar o país. Havia gente poderosa azarando o novo governo e a situação herdada era difícil. Na campanha eleitoral o próprio FHC afirmou que o Brasil podia virar uma outra Argentina, reconhecendo a vulnerabilidade do país após seus oito anos de governo. Além de tirar a crise da frente do país, a eleição de Lula deu lugar a uma mudança política importante. Pela primeira vez, a esquerda brasileira vence as eleições presidenciais. Considerando que Jango havia sido eleito vice-presidente e que sua presidência resultou da renúncia de Jânio, a eleição de Lula ganha um significado inédito. A democracia não consiste apenas na realização de eleições livres e no respeito às liberdades públicas. É preciso que as eleições possibilitem, em prazos mais ou menos regulares, uma mudança política capaz de levar a oposição ao governo. Nesse ponto, devemos reconhecer a parte que cabe a FHC como garantidor de uma transição presidencial exemplar.
Valor: A mudança é de conteúdo ou de estilo?
Alencastro :A mudança ocorre nos dois planos. Há um contato direto do presidente e do ministério com a realidade brasileira. O melhor no governo é que ele tem a cara do Brasil. E isso nunca aconteceu. Não é só porque Benedita, Marina e Gil se tornaram ministros. É também porque há um médico, ex-prefeito de uma cidade média, que é ministro da Fazenda, num país que viveu durante 40 anos sob a arrogância e a tirania de economistas sabichões. O fato de ele ter bom senso e administrar a economia com competência é algo que reforça a autoconfiança do país.
Valor: Qual a importância dessa cara do Brasil no governo?
Alencastro : Isso revigora os parâmetros democráticos no Brasil e no exterior. Uma parte da esquerda ocidental, condescendente com Fidel Castro, passou a criticá-lo duramente. Isso não se fazia porque parecia que a América Latina não conseguia implementar mudanças sociais no quadro constitucional. Daí a tolerância com um ditador que ao menos mudava a sociedade ou com o comandante Marcos, que não quer saber de eleições. Com a eleição de Lula, o eleitorado brasileiro mudou a perspectiva, dando um padrão democrático e civilizador para a América Latina. A imagem do comandante de boina, guerrilheiro de fuzil na mão, tornou-se anacrônica e depreciada. A nova imagem da esquerda latino-americana é o presidente eleito, sindicalista, dirigente partidário que está de terno e barba aparada. Isso também gera uma grande responsabilidade para o governo. Aliás, o governo e o PT deveriam ter declarado seu repúdio às condenações que Cuba inflingiu agora à sua oposição democrática. Fidel é um ditador tapado que quer morrer no poder, sem preparar a transição de seu regime, deixando seu povo exposto ao revanchismo dos anticastristas de Miami.
Valor: Como a imagem do governo reflete nas pesquisas?
Alencastro : A ação do presidente nos lugares críticos, nos assuntos postos em pauta nas viagens dentro e fora do país, tem tido grande importância. No presidencialismo, o presidente é chefe de Estado e chefe de governo, exercendo política de intervenção e de exemplaridade que Lula está praticando plenamente, como mostram as sondagens que dão uma apreciação positiva do governo. Isso posto, Lula desencadeou expectativas difíceis de administrar. Elas procedem de horizontes amplos, vão desde o MST até os professores e empresários médios, e concernem ainda gerações anteriores, dos que militaram por um socialismo democrático no Brasil e viam essas perspectivas frustradas desde a redemocratização de 1945. Antônio Cândido que, junto com Celso Furtado e outros intelectuais, manteve vivas essas esperanças, escreveu um artigo muito significativo sobre esse tema no dia seguinte à eleição de Lula.
Valor: FHC tinha uma moeda por trás da sua popularidade e Lula? Basta a personalização da figura do Lula para sustentá-la?
Fidel é um ditador tapado que quer morrer no poder, sem preparar a transição de seu regime
Alencastro : O real foi poderoso na conquista dos dois mandatos de FHC. Mas ele também foi um presidente popular e democrata. Contudo, Lula não reúne somente o carisma de um presidente com forte identificação popular. Lula é também o fundador do PT. Um partido democrático organizado nacionalmente, de baixo para cima - pela primeira vez na América Latina - com condições de responder a boa parte das expectativas criadas pela eleição, servindo como termômetro da sociedade. A presença do PT evitará o descolamento, que sempre houve, entre o presidente e as forças políticas que o elegeram. FHC disse em Paris que o PSDB nunca funcionou como um partido social democrata. Acho que o PT é um partido com esse potencial, inclusive com um nível de crítica ao próprio governo. O Brasil nunca teve uma experiência como essa.
Valor: A crítica diz respeito aos radicais do PT?
Alencastro : Os partidos se formavam por filiações pessoais. Não havia tendências organizadas. Quem estava descontente saía e fundava outro. O PT administra discussões internas há 20 anos. Isso existe desde sempre nos partidos das democracias ocidentais. O partido conservador britânico viu a oposição interna de John Major tomar o lugar de Margaret Thatcher. Agora o trabalhista Robin Cox criticou Blair e demitiu-se do ministério, armando o embrião de uma nova política para o Labour. Os congressos do Partido Socialista francês são sempre o teatro de debates antagônicos. Há um pouco de desconhecimento no Brasil desse tipo de debate intrapartidário, fundamental na democracia.
Valor: Como Lula deveria formar uma maioria sólida no Congresso?
Alencastro : Como estamos num presidencialismo de coalizão, conforme a definição de Sérgio Abranches, no qual o presidente não tem forçosamente a maioria no Congresso, há um complicador no poder e até um problema de recrutamento de quadros. Há cargos de segundo escalão que ainda não estão preenchidos. O que torna mais complexa a tarefa de administrar o país. Ainda assim penso que a situação mudou. O governo FHC queria votar a emenda da reeleição desde o dia que assumiu. Foi uma das razões que o travaram. O senador Montoro tinha proposto tirar a emenda da reeleição do Congresso e organizar um referendo sobre a matéria. Acho que teria sido uma solução mais democrática e muito melhor, inclusive para o governo FHC. Esse foi o erro político mais grave do governo anterior. Lula não tem nenhum problema desse tamanho rolando no Congresso.
Valor: Vai ser diferente a relação com o Congresso no governo Lula?
Alencastro : Sim. Há um certo consenso na classe política, mesmo dos políticos mais conservadores, de que José Dirceu é um grande quadro político. Nunca houve na Casa Civil alguém com essa experiência de negociação e de firmeza política como Dirceu. A comparação com o general Golbery, mentor da ditadura, é absurda e insultante para o eleitorado brasileiro. Esse artigo 192 da Constituição, que era motivo de piada, estava aí desde 1988. Os governos anteriores fingiam que ele não existia, agora está sendo solucionado. No presidencialismo não só as eleições que possibilitam as alianças. As eleições para senadores e governadores abrem a via para acordos e criam uma margem de manobra para a política presidencial. O fato do sistema ser pluripartidário tem inconvenientes, mas tem vantagens também. Os congressistas querem se reeleger e podem oferecer um apoio à política presidencial à medida que seus mandatos forem se aproximando do fim. Agora houve a mudança do vice-governador de Minas, saindo do PFL para o PL. É preciso gerir isso com bom senso. Collor criou aquele partido de aventureiros do qual hoje ninguém se lembra, e de repente estava todo mundo entrando no PRN. O poder presidencial atrai adesões que devem ser administradas para cumprir a vontade dos eleitores e reforçar a democracia.
Valor: As reformas que o governo está encaminhando no Congresso não são populares. Quais são os reflexos na popularidade de Lula?
Alencastro : Esse foi um dos mal entendidos da eleição. Há gente que pensa que dá para recorrer sempre ao Tesouro Nacional, independentemente das crises ocorrendo dentro e fora do país. Isso vem da herança paternalista, do trabalhismo varguista e brizolista. Enquanto a maioria dos aposentados sofre, uma minoria de privilegiados se beneficia de polpudas aposentadorias públicas que não tem paralelo nem nos países desenvolvidos. Vai ser preciso uma política de diálogo e informação da opinião pública. Nesse caso é possível ter uma aliança mais vasta que a própria esquerda. A reforma da Previdência já está desenhada há 30 anos nas curvas demográficas brasileiras, e resulta da queda de natalidade e da redução do trabalho formal. É uma tendência bem estabelecida nos países desenvolvidos. O gargalo da Previdência está sendo debatido pelos governos europeus, não importando a sua coloração política.
Valor: As expectativas já estão sendo frustradas?
Alencastro : Certamente. À medida que o governo se afastou do porto festivo que marcou a eleição de Lula, o tempo mudou e surgem as turbulências. Os pequenos e médios empresários, que votaram no Lula, reclamam dos patamares elevados em que os juros estão sendo mantidos. Há um expectativa frustrada no andamento da reforma agrária, da retomada do crescimento econômico e da implementação das políticas sociais.
Valor: O governo diz ao seu partido que esse é um momento de transição econômica para a mudança. Dá para acreditar nesse discurso?
Alencastro : As sondagens mostram que a opinião pública aceita essas explicações. Afinal, a guerra do Iraque complicou o quadro internacional. Falou-se que o preço do petróleo ia estourar. Agora, baixou de novo. Mas há outras surpresas externas. Começa a se ver que o Iraque está demolido e com uma dívida externa elevada. Pode ser que o alívio do preço do petróleo seja passageiro. Nos EUA, setores democratas estão achando que a guerra abortou a retomada econômica e contam vencer Bush na próxima eleição. Na Europa a situação é grave e há a ameaça da deflação. Penso que nos seis primeiros meses o governo pode argumentar a partir dos problemas internos que herdou e os problemas externos que apareceram. Mas depois vai começar a cobrança. Guardadas as devidas proporções foi assim que aconteceu com a prefeita Marta Suplicy.
Valor: E as críticas à execução dos programas sociais?
Alencastro : Fui colega do José Graziano, responsável pelo Fome Zero, na Unicamp. Ele foi um dos organizadores da Caravana da Cidadania, e merece todo o respeito. Mas acho que houve uma má-avaliação da implementação desse programa no topo da administração federal. É um dos setores em que a expectativa foi mais frustrada. Isso foi dito dentro do próprio governo. Essa é a cara do governo Lula dentro e fora do país. É o tipo de iniciativa que devia estar mais avançada, os impasses que atravessa comprometem o governo.
Valor: Como o governo tem se saído na política externa?
Alencastro : O engajamento simultâneo de Lula em Porto Alegre e em Davos foi muito bom. Ele posicionou-se como um mediador categorizado entre as duas metades do planeta. O fato de que seu nome tenha sido lembrado para o Prêmio Nobel da Paz confirma esse sucesso. Sua atividade na área internacional surpreendeu, já que era a praia do Fernando Henrique - o presidente poliglota, universitário de grande reputação que conhecia pessoalmente algumas lideranças internacionais. Parecia que Lula ia ter uma política externa muito mais discreta. E ao contrário, ele avançou bastante.
Valor: E interferência na Venezuela?
Alencastro : No começo do governo houve um entusiasmo que levou a um erro de cálculo na Venezuela. É certo que o Brasil ajudou a acalmar essa crise, mas a política externa está cheia de arapucas. Trata-se de um domínio que não responde às regras de democracia. A diplomacia é regida por relações de forças onde um país como o nosso pesa pouco. A guerra do Iraque deixou evidente a hiperpotência americana que atropela as organizações internacionais, a ONU e desarticula União Européia. É preciso reavaliar a estratégia da política externa brasileira, montada na altura em que a União Européia parecia fornecer um contrapeso consistente aos EUA. A guerra retardou essas perspectivas.
Valor: O não-apoio à invasão do Iraque pode estremecer as relações bilaterais entre Brasil e os EUA?
Alencastro : O fato de o Itamaraty ter sido a favor da ONU e de uma solução pacífica no Iraque foi positivo e corresponde à tradição de nossa política externa. Ir além disso teria sido temerário. O país ainda está muito vulnerável a uma sacudida dos EUA. Não tenhamos ilusões. Chirac só não sofreu uma retaliação imediata porque tem o escudo do euro. Se a França ainda tivesse o franco a história seria diferente. A moeda francesa teria sofrido uma desvalorização cambial e Paris se alinharia com Washington. Foi o que aconteceu na crise de Suez, em 1956, quando Eisenhower deixou a libra inglesa cair para forçar o primeiro ministro Anthony Eden retirar as tropas britânicas do Egito.
Valor: E a posição de fortalecer o Mercosul antes da Alca?
Alencastro : A médio prazo essa política parece comprometida. A crise de Argentina é tão grave que seu empenho na construção do Mercosul se tornou problemático. É difícil dizer isso, mas talvez a hora do Mercosul já tenha passado.
14 de abr. de 2003
Cavaleiros do Apocalipse
São quatros os cavaleiros e dentro da nossa história política recente posso citar: Lula, Gushiken, Palloci e Dirceu.
Por mais que compreenda o delicado momento que vivemos (as reservas são de 5 bi, com dívidas de 7 sendo qualquer rompimento com FMI impensável). Mas, fazer o que fazem...
O Mercadante estava mais que certo com seu discurso de que deve ser revisto o acordo com o Fundo. Mas, os signores não aceitam qualquer argumentação que não a deles.
E fazer aquele discurso no lançamento do Salão Roberto Campos, tenha paciência. Poderiam se omitir da sessão, não seria problema algum.
Oxalá eu esteja vendo cabelo em ovo...
São quatros os cavaleiros e dentro da nossa história política recente posso citar: Lula, Gushiken, Palloci e Dirceu.
Por mais que compreenda o delicado momento que vivemos (as reservas são de 5 bi, com dívidas de 7 sendo qualquer rompimento com FMI impensável). Mas, fazer o que fazem...
O Mercadante estava mais que certo com seu discurso de que deve ser revisto o acordo com o Fundo. Mas, os signores não aceitam qualquer argumentação que não a deles.
E fazer aquele discurso no lançamento do Salão Roberto Campos, tenha paciência. Poderiam se omitir da sessão, não seria problema algum.
Oxalá eu esteja vendo cabelo em ovo...
Vitória fácil?
Ao que parece, pelo menos no Oriente Médio, é que Saddam ofereceu Bagdá para os EUA em troca de seu pescoço. pois muitos se pergutam como podem os EUA terem invadido tão facilmente a capital, sem que nenhuma ponte tivesse sido destruída, sem que nenhum míssel houvesse sido disparado e, principalmente, sem que a tão alardeada guarda republicana oferecesse resistência?
Simples, Saddam, assim como Salomé, ofereceu Bagdá numa bandeja de prata.
Ao que parece, pelo menos no Oriente Médio, é que Saddam ofereceu Bagdá para os EUA em troca de seu pescoço. pois muitos se pergutam como podem os EUA terem invadido tão facilmente a capital, sem que nenhuma ponte tivesse sido destruída, sem que nenhum míssel houvesse sido disparado e, principalmente, sem que a tão alardeada guarda republicana oferecesse resistência?
Simples, Saddam, assim como Salomé, ofereceu Bagdá numa bandeja de prata.
O butim de guerra
Em todos os exércitos do mundo existem os vivandeiros, são aqueles não-militares (alguns ex) que vão acompanhando o pelotão de frente e participarão dos saques nas cidades ocupadas.
Agora aparece o saque no Museu de Bagdá, tendo sumido harpa de ouro maciço sumeriano, uma cabeça da antiga cidade de Uruk (conhecida como a mais antiga cidade daquela região) entre outras coisas.
Agora sinceramente alguém acredita que o saque neste museu foi feito SÓ PELOS IRAQUIANOS?
Os EUA, como disse um estudante de Bagdá, pôs guardas nas refinarias, nas empresas de petróleo e no Ministério de Petróleo do Iraque. E porquê não protegeram os 'outro tesouros' ?
Simples, é o butim de guerra dos seus soldados.
Em todos os exércitos do mundo existem os vivandeiros, são aqueles não-militares (alguns ex) que vão acompanhando o pelotão de frente e participarão dos saques nas cidades ocupadas.
Agora aparece o saque no Museu de Bagdá, tendo sumido harpa de ouro maciço sumeriano, uma cabeça da antiga cidade de Uruk (conhecida como a mais antiga cidade daquela região) entre outras coisas.
Agora sinceramente alguém acredita que o saque neste museu foi feito SÓ PELOS IRAQUIANOS?
Os EUA, como disse um estudante de Bagdá, pôs guardas nas refinarias, nas empresas de petróleo e no Ministério de Petróleo do Iraque. E porquê não protegeram os 'outro tesouros' ?
Simples, é o butim de guerra dos seus soldados.
8 de abr. de 2003
7 de abr. de 2003
O novo colunista do O Grobo
FH estreou como colunista dominical do O Globo, mas, incrível, ele assina como ex-presidente da República.
Faz lógica, afinal ele disse para esquecermos TUDO o que havia escrito como sociólogo.
Agora, uma pergunta: é esse o título pelo qual a universidade, Yale creio eu, pelo qual foi convidado?
Se for denotará a fraqueza e o vendilhão que é esse rapaz, terá sido convidado como presente pelo excelente governo que fez para os EUA.
FH estreou como colunista dominical do O Globo, mas, incrível, ele assina como ex-presidente da República.
Faz lógica, afinal ele disse para esquecermos TUDO o que havia escrito como sociólogo.
Agora, uma pergunta: é esse o título pelo qual a universidade, Yale creio eu, pelo qual foi convidado?
Se for denotará a fraqueza e o vendilhão que é esse rapaz, terá sido convidado como presente pelo excelente governo que fez para os EUA.
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