28 de abr. de 2003

Cuba dói
(aquilo que dói, ensina)
por Homero Muñoz

DÓI a Galeano e Saramago que Cuba fuzilasse três seqüestradores e apreendesse um grupo de dissidentes.

Vou obviar as questões jurídicas porque não é o caso.

Vou também obviar o pragmatismo, o muito perigoso e complexo balanço das conveniências e inconveniências, do ponto de vista do futuro da Revolução cubana, pois, sem dúvida, não possuo (e acho que Galeano e Saramago tampouco), todos os argumentos para tamanha avaliação.

Gostaria de apontar para outro lado.

Poderia se afirmar que a Revolução cubana é de todos, na medida em que afeta todos. Nomeadamente aos latino-americanos que, desde a entrada dos barbudos em Havana, vimos transtrocadas todas as perspectivas de ação no subcontinente. Deste ponto de vista é que todos opinamos a respeito dos fatos e avatares desta Ilha, que quer queira quer não, tem virado ponto de referência mundial.

Porém, a Revolução cubana é isso, cubana. E são os cubanos quem fazem e desfazem. E defendem-na e aferram-se nela aqueles que têm vindo a construí-la com muito trabalho e esforço.

Sei que ninguém duvida isso. Mas o próprio tempo, sem pôr em dúvida isso, foi absolutamente obviado. E não achem que, tal qual Neruda, «peço silêncio». E tampouco claque acrítica.

Contudo, parece-me que as «boas notícias» que Galeano anuncia para os ianques, são fundamentalmente o coro de homens públicos, que, como se tivessem sido obrigados a fazê-lo, para que ninguém fosse confundi-los, de que algum leitor ignoto fosse pôr em dúvida suas trajetórias políticas ou literárias, esclareceu à imprensa sua posição contra a pena de morte e contra o fato de a Revolução ter prendido esses cidadãos cubanos.

As boas notícias para os ianques são que, depois de todo o que os cubanos disseram justificando sua eleição pelo sistema unipartidarista, venham estrondosamente discordar pessoas de inquestionável peso político, neste momento tão transcendental, com a «democracia cubana».

Aliás, se este fato de servir o prato ao império é feito alternando uma frase antiEUA com um porrete para Cuba, a equanimidade do escrevente salva-se e o imaculado vestido branco do equilíbrio tremula livre na haste libertária.

Como é lógico, depois vem a liberdade, a imundícia e a baixeza do império menoscabando, comprando, apodrecendo; colocando jornalistas onde apenas há mercenários, pagando salários para fabricar dissidências, escondendo todas as conspirações sob uma fachada de democracia segundo eles e contando com os intelectuais da esquerda que, das dunas de Lanzarote ou das praias uruguaias fazem, do culto aos pêlos de seu umbigo, um capítulo irresponsável na roda da história. O sino de vidro que impede este insignes paladinos da pureza se poluírem e, que de sua atalaia, possam nos mostrar o caminho, não protege a nós todos.

Se adicionarmos os Saramago, os Galeano e a CNN e colocássemos na tela, na mesa da gente do mundo, sem argumentos suficientes, sem a história, sem a visão do contexto que está indubitavelmente à disposição desta soma, o resultado que obtemos são só boas notícias para o império.

Acontece que, em minha opinião, eles escolhem pessimamente o momento e o contexto para emitirem suas opiniões.

Eu poderia mesmo estar conforme com alguns dos acertos, a preto e branco, repetidos até o cansaço pela mídia.

Porém, em meio à guerra, a uma guerra que é, aliás, contra nós todos, não podemos, de jeito nenhum, fornecer mais armas ao inimigo das que já tem.

Parece-me escutá-los dizer: «Os cubanos foram os que lhes forneceram as armas com sua atuação».

Ora, como isso nos pareceu mal, então vamos correr à imprensa internacional para esclarecermos que nós, os demais latino-americanos, não apoiamos tamanha atuação?

Para quem essas declarações?

Para seus leitores? Para o inimigo? Para eles próprios, isto é, para o espelho?

Ao pensarmos em que os cubanos forneceram tais armas aos ianques, então nós contribuímos e fornecemos-lhes mais? Dizemo-lhes: «Olhem, a América Latina toda está pendente de Cuba. Eh? Olhem, há intelectuais macanudos, que não concordamos nem com a democracia cubana, nem com a legalidade cubana, nem com Fidel, nem com o Partido Comunista Cubano, nem com a burocracia, nem com o G-2, nem com que sejam encarceradas pessoas por pensarem diferente, nem com a falta de liberdade da imprensa e de opinião em Cuba, entre outros.

Julgo que falta-lhes pouco para repetirem os textos ditados por Mas Canosa.

Imagino que já pensaram em que a chefia de Cuba colocou na balança os custos políticos por ter feito o que fez e ainda assim, o fez também (quando há alguns anos, estava dando passos para se aproximar dos «requerimentos», a fim de conseguir que se suspendesse o bloqueio).

Se Cuba soube fazer alguma coisa, essa tem sido se defender. Caso contrário, teria sucumbido.

E agora os ianques apertaram o acelerador (espero de que também reparassem nisso). O mundo está em guerra. declararam-nos guerra. E uma das etapas dessa guerra de consolidação imperial, vocês sabem muito, é Cuba.

Cá há duas trincheiras, a nossa e a do império (decerto, as guerras são o mais maniqueístas). O sr. Bush assim no-lo impôs.

Eu também gosto da cor cinza, mas, nalguns momentos da história, o cinzento só faz crescer a escuridão.

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