17 de abr. de 2003

A guerra deles e as nossas “guerras”
Maria da Conceição Tavares

Folha SP, 13/04/2003

Os falcões do Departamento de Defesa já estão para além de Bagdá em todos os sentidos, inclusive os pejorativos, o que leva a superpotência a uma retórica de escalada no terreno minado do Oriente Médio. A disputa pelo espólio da guerra (petróleo e reconstrução) é escandalosa e coloca as demais potências aliadas e rivais numa contestação surda ou aberta contra as pretensões geoeconômicas e geopolíticas da superpotência.

Esta guerra não teve os efeitos estimulantes sobre a economia norte-americana do tipo dos que ocorreram no período Roosevelt na 2ª guerra mundial ou mesmo de Reagan na escalada final da guerra fria. O complexo militar-industrial dentro dos EUA já tem uma dimensão gigantesca e ultramoderna que não envolve a “construção” de uma “Nova Economia”. Esta já ocorreu e está em recessão desde 2001. As despesas das tropas de ocupação e da reconstrução do Iraque são fora do país e podem beneficiar apenas os lucros de algumas grandes empresas, mas não têm efeito multiplicador de renda e nem de retomada do investimento na economia interna. O último relatório do FMI sobre “Perspectivas da Economia Mundial” avisa: “Dados os riscos e limitações que envolvem a economia norte-americana é urgente a redução da dependência da economia global em relação aos EUA”.

Enquanto isso as nossas “batalhas” imediatas pela estabilização da economia e pelo avanço da cultura político-democrática brasileira incluindo o debate com representantes da sociedade civil em todos os planos e no Conselho Econômico-Social, deram a pauta do 1º trimestre.

As previsões mais pessimistas sobre conjuntura de dois meses atrás (inclusive as minhas e do editorial desta Folha, ambas publicadas no dia 16/02/2003) não se verificaram porque o preço do petróleo e o câmbio caíram e a taxa de inflação cedeu. Fazer previsões sobre uma conjuntura tão incerta, concorde-se ou não com a política macroeconômica, só dá certo por acaso. Mesmo as velhas identidades (supostamente de equilíbrio ou de paridade) como o juro interno = juro externo + risco Brasil + taxa de inflação, não tem o menor sentido (o Dr. Delfin que me perdoe). Em mercados especulativos em que existe arbitragem presente e futura entre juro e câmbio, nenhuma “identidade simples” resiste e tão pouco a capacidade de predição de modelos mais sofisticados.

A política macro-econômica virou uma arte de contornar conjunturas adversas e de fazer apostas conservadoras, que só podem dar certo a curto prazo com a atração de capitais compensatórios ou especulativos. No 1º trimestre de 2003 entraram cerca de US$ 5 bilhões de curto prazo, o que explica a queda drástica do cupom cambial em dólar. As políticas de investimento, desenvolvimento e emprego, porém, são de outra natureza e tem de ser iniciadas olhando o estado das cadeias produtivas, da capacidade de expansão de crédito interno e externo de longo prazo a juros mais baixos e da disposição do setor privado de investir antes que chegue rapidamente à plena ocupação de capacidade. O crescimento das exportações e da substituição de importações, que permitem enfrentar a restrição externa a médio prazo, serão dificultadas se o câmbio se apreciar ou flutuar demais. O crédito externo de longo prazo com menor taxa de juros em dólar já está sendo oferecido às grandes empresas exportadoras e às agências públicas de fomento. A dificuldade é encontrar tomadores (muitos deles ainda endividados) por causa do risco cambial.

Do ponto de vista do emprego as oportunidades e os recursos para setores tradicionalmente empregadores de mão de obra - construção civil e saneamento – existem. O problema está nas atuais condições de financiamento para a população de nível de renda mais baixo. Programas como o de primeiro emprego e cooperativas de trabalhadores podem ajudar se forem bem concebidos e executados. As políticas sociais de caráter universal, como saúde e educação, além de serem altamente empregadoras, têm as maiores redes territoriais do país que podem ser coordenadas para dar uma cobertura mais abrangente ao combate à fome e à subnutrição. O mesmo vale para o resgate de uma política mais ampla de seguridade social. As redes de crédito às pequenas empresas podem ser ampliadas pelo BB e pela CEF, que tem o maior número de agências no país inteiro, desde que sejam autorizadas a praticar crédito supervisionado com menores taxas de juros.

Estes foram alguns dos temas que foram discutidos na reunião da bancada do PT, na 3ª feira passada na Câmara dos Deputados, da qual participamos como expositores eu e o Senador Aloizio Mercadante. Tentamos explicar claramente a evolução da conjuntura de setembro de 2002 para cá, e discutir as notícias positivas e as dificuldades que temos pela frente. Relembramos também qual é o nosso projeto de desenvolvimento para o país, as linhas gerais de nossa inserção internacional e a necessidade de redução de nossa dependência financeira da economia global. Não ocultamos os obstáculos que temos de vencer para retomar o crescimento sustentado, a começar pelo da restrição externa e o da reconstrução da infraestrutura. Já a inclusão social é uma política de grande complexidade e envergadura que exigirá desde movimentos localizados mais rápidos até estratégias coordenadas de médio e longo prazo.

A segurança da população em novos moldes também faz parte das “nossas guerras” particulares que é preciso combater com urgência e com o apoio recíproco dos governos estaduais e da União e que supõe maior vigilância das fronteiras. Em resumo: as guerras da superpotência se resolvem pela força, as nossas têm de ser travadas com paciência, diálogo e consensos majoritários ou acordos parciais para mudar a nossa cultura política e reorganizar o Estado em todos os níveis.

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