Cai, cai Sharon...
Em recente pesquisa do jornal Maariv, de Israel, o público diverge pela metade se Sharon deve renunciar se for indiciado pelo Ministério Público. Em 15100 votos até agora, está tudo empatado. Que pena, torço para ele ir embora o mais rapidamente possível.
30 de mar. de 2004
Armas terroristas
Às armas! Cadê?
Como conseguem os terroristas ou traficantes as armas de destruição pessoal ou de massa?
Tenho uma tese, de botequim, que é sempre culpa dos militares. São eles que precisam de armas e são eles que repassam ao mercado negro. É sintomático o envolvimento dos militares brasileiros com essse mercado. E agora na Ucrânia também.
Ao que consta, centenas de mísseis desapareceram do arsenal militar ucraniano e o que faz o Ministério da Defesa deste país? Diz ser nonsense do comandante que relatou o caso para a imprensa e que não comentaria lavagem de roupa em público. Lavagem de roupa ou de dinheiro?
O desmonte do império soviético levou a essa situação, venda de aparelhos e know-how de técnica e táticas militares. Agora não pense que isso é coisa de pobre, os EUA fazem isso também, como exemplo cito o Irã-Contras, a Guerra do Golfo entre outras coisitas.
Como conseguem os terroristas ou traficantes as armas de destruição pessoal ou de massa?
Tenho uma tese, de botequim, que é sempre culpa dos militares. São eles que precisam de armas e são eles que repassam ao mercado negro. É sintomático o envolvimento dos militares brasileiros com essse mercado. E agora na Ucrânia também.
Ao que consta, centenas de mísseis desapareceram do arsenal militar ucraniano e o que faz o Ministério da Defesa deste país? Diz ser nonsense do comandante que relatou o caso para a imprensa e que não comentaria lavagem de roupa em público. Lavagem de roupa ou de dinheiro?
O desmonte do império soviético levou a essa situação, venda de aparelhos e know-how de técnica e táticas militares. Agora não pense que isso é coisa de pobre, os EUA fazem isso também, como exemplo cito o Irã-Contras, a Guerra do Golfo entre outras coisitas.
Dirceu e seu filho
Favorecimento?
Ainda na conversa de ontem, 12% do fundo de ação social foi destinada para a área a noroeste do Paraná, local onde exerce o mandato o filho do Zé Dirceu. É, a coisa esquenta...
Ainda na conversa de ontem, 12% do fundo de ação social foi destinada para a área a noroeste do Paraná, local onde exerce o mandato o filho do Zé Dirceu. É, a coisa esquenta...
BNDES
Desafios do Lessa
Em conversas com amigos ontem surgiu um papo interessante. Eles, os amigos, são empresários e estavam a dizer os agruros que vivem. Querem expandir seus negócios, mas não possuem caixa. Créditos em bancos particulares nem pensar, então, disse eu, procurem o BNDES.
Eis que falaram que o BNDES está um ninho de corrupção, pior até do que antes. O presidente é bom e sensato, o problema, disseram eles, é o segundo e terceiro escalão, onde substituíram os técnicos por apadrinhados políticos e qualquer liberação não leva menos que 5% do montante pedido.
Um deles, Joca, alardeou para o fato de que é bem provável que o BNDES não conceda empréstimos para os pequenos e simples empresários em detrimento ao empréstimo cedido à Globo (+ ou - 3 bilhões de reais).
Em conversas com amigos ontem surgiu um papo interessante. Eles, os amigos, são empresários e estavam a dizer os agruros que vivem. Querem expandir seus negócios, mas não possuem caixa. Créditos em bancos particulares nem pensar, então, disse eu, procurem o BNDES.
Eis que falaram que o BNDES está um ninho de corrupção, pior até do que antes. O presidente é bom e sensato, o problema, disseram eles, é o segundo e terceiro escalão, onde substituíram os técnicos por apadrinhados políticos e qualquer liberação não leva menos que 5% do montante pedido.
Um deles, Joca, alardeou para o fato de que é bem provável que o BNDES não conceda empréstimos para os pequenos e simples empresários em detrimento ao empréstimo cedido à Globo (+ ou - 3 bilhões de reais).
29 de mar. de 2004
Marcuse, o sionismo e os judeus
Marcuse, o sionismo e os judeus
Para Marcuse, a defesa do Estado de Israel era condição para qualquer solução pacífica do conflito israelo-palestino, mas ele observava que "só um mundo árabe livre pode coexistir com um Israel livre"
por Raffaele Laudani e Peter-Erwin Jansen*
A relação de Marcuse com Israel sempre foi condicionada por um forte componente “emocional” e “pessoal”. Marxista alemão de origem judaica, obrigado pelo regime nazista a deixar a Alemanha e a se exilar nos Estados Unidos, sempre considerou a defesa do Estado de Israel como a condição para qualquer solução pacífica do conflito israelo-palestino, a única verdadeira garantia contra a repetição do genocídio e das diferentes formas de perseguição sofridas pelos judeus durante séculos.
“A fundação de Israel como Estado autônomo” – explicava ele, por exemplo, ao movimento estudantil alemão, logo depois da Guerra dos Seis Dias – “pode ser considerada ilegítima à medida que ocorreu graças a um acordo internacional, em território estrangeiro e sem levar em conta a população local e seu destino. Mas essa injustiça não pode ser reparada por outra injustiça. O Estado de Israel existe e é preciso achar um ponto de encontro e de compreensão com o mundo hostil que o cerca1.”
Judaísmo político
Contrário às posições sionistas ortodoxas, cujos riscos de “racismo” implícitos ele aponta desde que se reivindica Deus a seu lado, o judaísmo de Marcuse, no entanto, é livre de qualquer pressuposto doutrinário e religioso: ao invés disso, baseia-se numa “sensibilidade” absolutamente política em relação à opressão que ele sofreu sob o regime nazista, quando “ser judeu” significava objetivamente “ser de esquerda” - ser uma metáfora viva de todas as formas históricas de opressão sofridas pela humanidade2 .
Por essa razão, ele não pode senão experimentar um certo mal-estar diante das formas concretas sob as quais o Estado de Israel se constituiu e continua a defender sua própria existência: “A difusão da liberdade é o oposto do imperialismo. Não é a expansão de uma nação e de um interesse nacional, mas a libertação graças a todos os esforços de todas as pessoas dominadas por um regime opressivo [...]. Só um mundo árabe livre pode coexistir com um Israel livre3.”
Federação socialista
Numa situação de “luta pela sobrevivência” e sob a ameaça permanente de “conflito armado”, esse “sonho” de paz deve também se concretizar em um programa político: “A criação de um Estado nacional palestino ao lado de Israel”, primeiro passo para a “coexistência de israelenses e palestinos, de judeus e árabes, como membros iguais de uma federação socialista dos Estados do Oriente Médio”. De fato, a coexistência das duas populações não poderá acontecer se uma dessas duas “nações” for suprimida pela outra. À medida que a “força” política e militar de Israel é nitidamente superior, cabe a ele facilitar esse processo.
Evidentemente, é triste constatar que, trinta anos depois, a solução do problema que Marcuse apresentava como temporário ainda não foi implantada: ela continua como uma esperança longínqua frente a uma nova escalada de violência e de repressão. As reflexões do filósofo continuam sendo, por conseqüência, um apelo muito atual a todos os que querem ver tornar-se realidade o sonho de paz na Palestina, a fim de que eles “injetem na luta pela segurança da nação a luta pela liberdade de todos4 ”.
(Trad.: Iraci D. Poleti)
* Responsáveis, respectivamente, pelas edições italiana e alemã das obras inéditas de Herbert Marcuse.
1 - Herbert Marcuse, Das Ende der Utopie (1967), Frankfurt a. M., Neue Kritik, 1980
2 - An Interview with Herbert Marcuse, in L’Chayim, vol. IV, n° 2, 1977, p. 11-12.
3 - Herbert Marcuse, “Only a Free Arab World Can Co-exist with a Free Israel”, introdução à edição hebraica de “L’Homme Unidimensionnelle” e de “Vers la libération”; depois, in Israel Horizon, junho-julho de 1970, p. 17.
4 - Ibid.
Fonte LMD
Para Marcuse, a defesa do Estado de Israel era condição para qualquer solução pacífica do conflito israelo-palestino, mas ele observava que "só um mundo árabe livre pode coexistir com um Israel livre"
por Raffaele Laudani e Peter-Erwin Jansen*
A relação de Marcuse com Israel sempre foi condicionada por um forte componente “emocional” e “pessoal”. Marxista alemão de origem judaica, obrigado pelo regime nazista a deixar a Alemanha e a se exilar nos Estados Unidos, sempre considerou a defesa do Estado de Israel como a condição para qualquer solução pacífica do conflito israelo-palestino, a única verdadeira garantia contra a repetição do genocídio e das diferentes formas de perseguição sofridas pelos judeus durante séculos.
“A fundação de Israel como Estado autônomo” – explicava ele, por exemplo, ao movimento estudantil alemão, logo depois da Guerra dos Seis Dias – “pode ser considerada ilegítima à medida que ocorreu graças a um acordo internacional, em território estrangeiro e sem levar em conta a população local e seu destino. Mas essa injustiça não pode ser reparada por outra injustiça. O Estado de Israel existe e é preciso achar um ponto de encontro e de compreensão com o mundo hostil que o cerca1.”
Judaísmo político
Contrário às posições sionistas ortodoxas, cujos riscos de “racismo” implícitos ele aponta desde que se reivindica Deus a seu lado, o judaísmo de Marcuse, no entanto, é livre de qualquer pressuposto doutrinário e religioso: ao invés disso, baseia-se numa “sensibilidade” absolutamente política em relação à opressão que ele sofreu sob o regime nazista, quando “ser judeu” significava objetivamente “ser de esquerda” - ser uma metáfora viva de todas as formas históricas de opressão sofridas pela humanidade2 .
Por essa razão, ele não pode senão experimentar um certo mal-estar diante das formas concretas sob as quais o Estado de Israel se constituiu e continua a defender sua própria existência: “A difusão da liberdade é o oposto do imperialismo. Não é a expansão de uma nação e de um interesse nacional, mas a libertação graças a todos os esforços de todas as pessoas dominadas por um regime opressivo [...]. Só um mundo árabe livre pode coexistir com um Israel livre3.”
Federação socialista
Numa situação de “luta pela sobrevivência” e sob a ameaça permanente de “conflito armado”, esse “sonho” de paz deve também se concretizar em um programa político: “A criação de um Estado nacional palestino ao lado de Israel”, primeiro passo para a “coexistência de israelenses e palestinos, de judeus e árabes, como membros iguais de uma federação socialista dos Estados do Oriente Médio”. De fato, a coexistência das duas populações não poderá acontecer se uma dessas duas “nações” for suprimida pela outra. À medida que a “força” política e militar de Israel é nitidamente superior, cabe a ele facilitar esse processo.
Evidentemente, é triste constatar que, trinta anos depois, a solução do problema que Marcuse apresentava como temporário ainda não foi implantada: ela continua como uma esperança longínqua frente a uma nova escalada de violência e de repressão. As reflexões do filósofo continuam sendo, por conseqüência, um apelo muito atual a todos os que querem ver tornar-se realidade o sonho de paz na Palestina, a fim de que eles “injetem na luta pela segurança da nação a luta pela liberdade de todos4 ”.
(Trad.: Iraci D. Poleti)
* Responsáveis, respectivamente, pelas edições italiana e alemã das obras inéditas de Herbert Marcuse.
1 - Herbert Marcuse, Das Ende der Utopie (1967), Frankfurt a. M., Neue Kritik, 1980
2 - An Interview with Herbert Marcuse, in L’Chayim, vol. IV, n° 2, 1977, p. 11-12.
3 - Herbert Marcuse, “Only a Free Arab World Can Co-exist with a Free Israel”, introdução à edição hebraica de “L’Homme Unidimensionnelle” e de “Vers la libération”; depois, in Israel Horizon, junho-julho de 1970, p. 17.
4 - Ibid.
Fonte LMD
A premonição de Marcuse
A premonição de Marcuse
No Natal de 1970, convidado para fazer conferências na Universidade Hebraica de Jerusalém, Herbert Marcuse foi a Israel pela primeira vez. Essa foi também, para ele, a oportunidade de visitar o país e de se defrontar com a população local, árabe e israelense, sobre a questão palestina. Eis a entrevista, publicada no The Jerusalem Post de 2 de janeiro de 1972, conservada no Marcuse Archiv de Frankfurt e aqui reproduzida com a permissão de Peter Marcuse. Traduzida igualmente para o árabe, ela suscitou um intenso debate. A título de exemplo, Hamdi T. Kanaan, prefeito de Nablus de 1963 a 1969, escreveu-lhe nestes termos: "No que me diz respeito, vejo no senhor a primeira personalidade judaica que admite praticamente a grande injustiça cometida contra árabes palestinos com a criação de Israel e que, ao mesmo tempo, compreende total e logicamente as circunstâncias presentes e futuras nas quais Israel existe e existirá nesta região."
Michel Verrier,* enviado especial do LeMonde Diplomatique
Injustiça contra a população autóctone
Dados esses fatos, nossa discussão deve basear-se no reconhecimento de Israel como Estado soberano e na consideração das condições em que foi fundado, isto é, a injustiça que foi cometida contra a população árabe autóctone.
A criação do Estado de Israel foi um ato político, viabilizado pelas grandes potências porque se inseria na busca de seus próprios interesses. No período de implantação que precedeu a criação do Estado, e durante a própria criação, os direitos e os interesses da população autóctone não foram respeitados como deveriam ter sido.
A fundação do Estado judaico implicou, desde o início, a transferência do povo palestino, em parte à força, em parte sob pressão (econômica ou outra), em parte “voluntariamente”. A população árabe que ficou em Israel viu-se reduzida ao status econômico e social de cidadãos de segunda classe e isso apesar dos direitos que lhe foram reconhecidos. As diferenças nacionais, raciais e religiosas tornaram-se diferenças de classe: a velha contradição reapareceu na nova sociedade, agravada pela fusão entre os conflitos interno e externo.
Caráter precário da solução militar
Em todos esses pontos, as origens do Estado de Israel não são fundamentalmente diferentes daquelas de praticamente todos os Estados na história: criação através da conquista, ocupação e discriminação. (A aprovação da ONU não muda em nada a situação: esse aval ratificou de facto a conquista).
A partir do momento em que se aceita esse fato consumado e o objetivo histórico fundamental que o Estado de Israel fixou para si, coloca-se a questão de saber se esse Estado, tal como está constituído hoje e com a política que pratica atualmente, está em condições de atingir seu objetivo, existindo como uma sociedade de progresso que mantém relações em princípio pacíficas com seus vizinhos.
Responderei a essa questão referindo-me às fronteiras de Israel em 1948. Toda anexação, qualquer que seja sua forma, já deixaria supor, a meu ver, uma resposta negativa. Ela significaria que Israel não poderia assegurar sua sobrevivência senão enquanto uma fortaleza militar num vasto ambiente hostil, e que sua cultura material e intelectual se submeteria a exigências militares crescentes. O caráter perigosamente precário e efêmero de semelhante solução é demasiado evidente. Se uma superpotência (ou seus satélites) pode existir nessas condições durante um período prolongado, essa possibilidade está excluída para Israel em razão de sua dimensão geográfica e da política das superpotências em matéria de armamentos.
O status de Jerusalém
Na hipótese de se partir da situação atual, a primeira condição preliminar para uma solução é um tratado de paz com a República Árabe Unida; um tratado que compreenderia o reconhecimento do Estado de Israel e o livre acesso ao canal de Suez e ao golfo de Akaba e uma solução para a questão dos refugiados. Penso que é possível negociar tal tratado agora, e que a resposta do Egito à missão Jarring (15 de fevereiro de 1971) propõe uma base aceitável para negociações imediatas.
O Egito pede, antes de tudo, que Israel se comprometa a retirar suas forças armadas do Sinai e da faixa de Gaza. A criação de uma zona desmilitarizada, colocada sob a proteção da ONU, poderia proteger contra a eventualidade de um ataque árabe devastador, ao qual, segundo alguns observadores, essa retirada exporia Israel. O risco envolvido não me parece maior que o risco permanente de guerra que existe nas condições atuais. A potência mais forte pode se permitir as concessões mais importantes – e, de fato, Israel é essa potência.
O status de Jerusalém poderia aparecer como o obstáculo mais sério a um tratado de paz. Um sentimento religioso profundamente arraigado, com o qual os dirigentes jogam constantemente, faz com que seja inaceitável aos olhos dos árabes (e dos cristãos?) que Jerusalém seja a capital de um Estado judaico. Uma solução alternativa poderia consistir em colocar a cidade, uma vez reunificada (Leste e Oeste) sob administração e proteção internacional.
Política destinada ao fracasso
Em sua resposta, o Egito pede, por outro lado, uma “solução justa para o problema dos refugiados, em conformidade com as resoluções da ONU”. A formulação dessas resoluções (dentre as quais, a resolução 242 do Conselho de Segurança) é sujeita a interpretações e, nesse sentido, deve ser, ela própria, objeto de negociações. Eu evocaria apenas duas possibilidades (ou sua combinação), que foram sugeridas nas discussões que tive com personalidades judaicas e árabes.
1. Retorno a Israel dos palestinos que foram transferidos e desejam voltar. Essa possibilidade é limitada por antecipação, à medida que as terras árabes tornaram-se terras judaicas e os bens árabes, bens judaicos. Eis um outro fato histórico sobre o qual não se pode voltar atrás sem cometer um novo erro. Ele poderia ser atenuado, se esses palestinos se instalassem em terras ainda disponíveis e/ou desde que se lhes oferecessem equipamentos adequados e indenizações.
Essa solução é rejeitada oficialmente pelo motivo (correto em si) de que semelhante retorno transformaria rapidamente a maioria judaica numa minoria e, desse modo, aniquilaria o próprio objetivo da criação do Estado judaico. Ora, acredito que é precisamente a política visando a assegurar uma maioria permanente que é, intrinsecamente, destinada ao fracasso. A população judaica está condenada a permanecer uma minoria no seio do vasto conjunto formado pelas nações árabes, do qual ela não pode se separar indefinidamente sem cair em condições de gueto em maior escala. É evidente que Israel poderia manter uma maioria judaica por meio de uma política de imigração agressiva que, em contrapartida, fortaleceria constantemente o nacionalismo árabe. Mas Israel não poderá existir enquanto Estado de progresso se continuar a ver em seus vizinhos o Inimigo, o Erbfeind. Não é na existência de uma maioria fechada sobre si mesma, isolada e dominada pelo medo, que o povo judeu encontrará uma proteção duradoura, mas, sim, apenas na coexistência entre judeus e árabes enquanto cidadãos que se beneficiam dos mesmos direitos e liberdades. Essa coexistência só pode resultar de um longo processo englobando ensaios e erros, mas as condições preliminares para a realização dos primeiros passos existem agora.
A solução ótima
O fato é que o povo palestino vive há séculos no território em parte ocupado e governado por Israel hoje. Essas condições fazem de Israel uma potência invasora (mesmo em Israel), e o Movimento de Libertação da Palestina, um movimento de libertação nacional – por mais liberal que possa ser a potência invasora.
2) As aspirações nacionais do povo palestino poderiam ser satisfeitas pela criação de um Estado palestino nacional ao lado do Estado de Israel. Caberá ao povo palestino decidir, via plebiscito supervisionado pela ONU, se esse Estado deve ser uma entidade independente ou federada a Israel ou à Jordânia.
A solução ótima seria a coexistência entre israelenses e palestinos, judeus e árabes, em pé de igualdade dentro de uma federação socialista dos Estados do Oriente Médio. Essa perspectiva continua sendo uma utopia. As possibilidades evocadas acima continuam sendo soluções provisórias que se apresentam aqui e agora – rejeitá-las completamente poderia acarretar danos irreparáveis.
30 de dezembro de 1971
(Trad.: Iraci D. Poleti)
*Jornalista.
No Natal de 1970, convidado para fazer conferências na Universidade Hebraica de Jerusalém, Herbert Marcuse foi a Israel pela primeira vez. Essa foi também, para ele, a oportunidade de visitar o país e de se defrontar com a população local, árabe e israelense, sobre a questão palestina. Eis a entrevista, publicada no The Jerusalem Post de 2 de janeiro de 1972, conservada no Marcuse Archiv de Frankfurt e aqui reproduzida com a permissão de Peter Marcuse. Traduzida igualmente para o árabe, ela suscitou um intenso debate. A título de exemplo, Hamdi T. Kanaan, prefeito de Nablus de 1963 a 1969, escreveu-lhe nestes termos: "No que me diz respeito, vejo no senhor a primeira personalidade judaica que admite praticamente a grande injustiça cometida contra árabes palestinos com a criação de Israel e que, ao mesmo tempo, compreende total e logicamente as circunstâncias presentes e futuras nas quais Israel existe e existirá nesta região."
Michel Verrier,* enviado especial do LeMonde Diplomatique
Injustiça contra a população autóctone
Dados esses fatos, nossa discussão deve basear-se no reconhecimento de Israel como Estado soberano e na consideração das condições em que foi fundado, isto é, a injustiça que foi cometida contra a população árabe autóctone.
A criação do Estado de Israel foi um ato político, viabilizado pelas grandes potências porque se inseria na busca de seus próprios interesses. No período de implantação que precedeu a criação do Estado, e durante a própria criação, os direitos e os interesses da população autóctone não foram respeitados como deveriam ter sido.
A fundação do Estado judaico implicou, desde o início, a transferência do povo palestino, em parte à força, em parte sob pressão (econômica ou outra), em parte “voluntariamente”. A população árabe que ficou em Israel viu-se reduzida ao status econômico e social de cidadãos de segunda classe e isso apesar dos direitos que lhe foram reconhecidos. As diferenças nacionais, raciais e religiosas tornaram-se diferenças de classe: a velha contradição reapareceu na nova sociedade, agravada pela fusão entre os conflitos interno e externo.
Caráter precário da solução militar
Em todos esses pontos, as origens do Estado de Israel não são fundamentalmente diferentes daquelas de praticamente todos os Estados na história: criação através da conquista, ocupação e discriminação. (A aprovação da ONU não muda em nada a situação: esse aval ratificou de facto a conquista).
A partir do momento em que se aceita esse fato consumado e o objetivo histórico fundamental que o Estado de Israel fixou para si, coloca-se a questão de saber se esse Estado, tal como está constituído hoje e com a política que pratica atualmente, está em condições de atingir seu objetivo, existindo como uma sociedade de progresso que mantém relações em princípio pacíficas com seus vizinhos.
Responderei a essa questão referindo-me às fronteiras de Israel em 1948. Toda anexação, qualquer que seja sua forma, já deixaria supor, a meu ver, uma resposta negativa. Ela significaria que Israel não poderia assegurar sua sobrevivência senão enquanto uma fortaleza militar num vasto ambiente hostil, e que sua cultura material e intelectual se submeteria a exigências militares crescentes. O caráter perigosamente precário e efêmero de semelhante solução é demasiado evidente. Se uma superpotência (ou seus satélites) pode existir nessas condições durante um período prolongado, essa possibilidade está excluída para Israel em razão de sua dimensão geográfica e da política das superpotências em matéria de armamentos.
O status de Jerusalém
Na hipótese de se partir da situação atual, a primeira condição preliminar para uma solução é um tratado de paz com a República Árabe Unida; um tratado que compreenderia o reconhecimento do Estado de Israel e o livre acesso ao canal de Suez e ao golfo de Akaba e uma solução para a questão dos refugiados. Penso que é possível negociar tal tratado agora, e que a resposta do Egito à missão Jarring (15 de fevereiro de 1971) propõe uma base aceitável para negociações imediatas.
O Egito pede, antes de tudo, que Israel se comprometa a retirar suas forças armadas do Sinai e da faixa de Gaza. A criação de uma zona desmilitarizada, colocada sob a proteção da ONU, poderia proteger contra a eventualidade de um ataque árabe devastador, ao qual, segundo alguns observadores, essa retirada exporia Israel. O risco envolvido não me parece maior que o risco permanente de guerra que existe nas condições atuais. A potência mais forte pode se permitir as concessões mais importantes – e, de fato, Israel é essa potência.
O status de Jerusalém poderia aparecer como o obstáculo mais sério a um tratado de paz. Um sentimento religioso profundamente arraigado, com o qual os dirigentes jogam constantemente, faz com que seja inaceitável aos olhos dos árabes (e dos cristãos?) que Jerusalém seja a capital de um Estado judaico. Uma solução alternativa poderia consistir em colocar a cidade, uma vez reunificada (Leste e Oeste) sob administração e proteção internacional.
Política destinada ao fracasso
Em sua resposta, o Egito pede, por outro lado, uma “solução justa para o problema dos refugiados, em conformidade com as resoluções da ONU”. A formulação dessas resoluções (dentre as quais, a resolução 242 do Conselho de Segurança) é sujeita a interpretações e, nesse sentido, deve ser, ela própria, objeto de negociações. Eu evocaria apenas duas possibilidades (ou sua combinação), que foram sugeridas nas discussões que tive com personalidades judaicas e árabes.
1. Retorno a Israel dos palestinos que foram transferidos e desejam voltar. Essa possibilidade é limitada por antecipação, à medida que as terras árabes tornaram-se terras judaicas e os bens árabes, bens judaicos. Eis um outro fato histórico sobre o qual não se pode voltar atrás sem cometer um novo erro. Ele poderia ser atenuado, se esses palestinos se instalassem em terras ainda disponíveis e/ou desde que se lhes oferecessem equipamentos adequados e indenizações.
Essa solução é rejeitada oficialmente pelo motivo (correto em si) de que semelhante retorno transformaria rapidamente a maioria judaica numa minoria e, desse modo, aniquilaria o próprio objetivo da criação do Estado judaico. Ora, acredito que é precisamente a política visando a assegurar uma maioria permanente que é, intrinsecamente, destinada ao fracasso. A população judaica está condenada a permanecer uma minoria no seio do vasto conjunto formado pelas nações árabes, do qual ela não pode se separar indefinidamente sem cair em condições de gueto em maior escala. É evidente que Israel poderia manter uma maioria judaica por meio de uma política de imigração agressiva que, em contrapartida, fortaleceria constantemente o nacionalismo árabe. Mas Israel não poderá existir enquanto Estado de progresso se continuar a ver em seus vizinhos o Inimigo, o Erbfeind. Não é na existência de uma maioria fechada sobre si mesma, isolada e dominada pelo medo, que o povo judeu encontrará uma proteção duradoura, mas, sim, apenas na coexistência entre judeus e árabes enquanto cidadãos que se beneficiam dos mesmos direitos e liberdades. Essa coexistência só pode resultar de um longo processo englobando ensaios e erros, mas as condições preliminares para a realização dos primeiros passos existem agora.
A solução ótima
O fato é que o povo palestino vive há séculos no território em parte ocupado e governado por Israel hoje. Essas condições fazem de Israel uma potência invasora (mesmo em Israel), e o Movimento de Libertação da Palestina, um movimento de libertação nacional – por mais liberal que possa ser a potência invasora.
2) As aspirações nacionais do povo palestino poderiam ser satisfeitas pela criação de um Estado palestino nacional ao lado do Estado de Israel. Caberá ao povo palestino decidir, via plebiscito supervisionado pela ONU, se esse Estado deve ser uma entidade independente ou federada a Israel ou à Jordânia.
A solução ótima seria a coexistência entre israelenses e palestinos, judeus e árabes, em pé de igualdade dentro de uma federação socialista dos Estados do Oriente Médio. Essa perspectiva continua sendo uma utopia. As possibilidades evocadas acima continuam sendo soluções provisórias que se apresentam aqui e agora – rejeitá-las completamente poderia acarretar danos irreparáveis.
30 de dezembro de 1971
(Trad.: Iraci D. Poleti)
*Jornalista.
Assim disse San Tiago...
"Ao contrario da inteligência, que não é contagiosa, burrice pega. E esses militares são burríssimos. Vão ficar enquanto puderem. Prepare-se"
Santiago Dantas ao jornalista Márcio Moreira Alves nos idos de 64
Santiago Dantas ao jornalista Márcio Moreira Alves nos idos de 64
Aos Jornalistas
Aos Jornalistas....
Somente a verdade
por Carlos Alberto di Franco
Arrogância, frivolidade e precipitação têm sido, na opinião de James Fallows, autor do afiado “Detonando a notícia” (Civilização Brasileira), o tempero de certas matérias da imprensa americana. A radiografia, direta e contundente, despertou reações iradas e aplausos entusiasmados. O fogo foi atiçado e promete não apagar. E é bom que seja assim. Afinal, a crítica, desde que honesta e desengajada, é a melhor forja da qualidade.
A síndrome, caro leitor, não é uma exclusividade do jornalismo daquele país. Trata-se de um problema universal. Também nosso. Reconhecê-lo é importante. Superá-lo, um dever. Fallows questiona, por exemplo, a aspiração de exercer um contrapoder que está na base de inúmeras pautas. A investigação jornalística não brota sempre da dúvida sensata, da interrogação inteligente. Nasce, freqüentemente, de uma enxurrada de preconceitos.
O jornalista suspicaz é sempre um mau repórter. Não sabe, como sublinha Carl Bernstein, que “o importante é saber escutar”. Esquece, ofuscado pela arrogância, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. De fato, “a grande surpresa no jornalismo de qualidade é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos”, conclui Bernstein.
O bom repórter ilumina a cena, o jornalista preconceituoso constrói a história. A distorção, no entanto, escapa à perspicácia do leitor médio. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos transformam um princípio irretocável numa grande deformação.
A apuração de faz-de-conta representa uma das maiores agressões à imprensa de qualidade. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não se apóia na busca da verdade. É um artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Personalidades entrevistadas avalizam a “seriedade” da matéria. Mata-se a reportagem. Cria-se a versão.
Um bom jornal, por óbvio, não pode ficar refém do mercado. Precisa, freqüentemente, tornar interessante o que é realmente importante. Mas um jornal de qualidade não pode viver de costas para o leitor. Os jornalistas precisam escrever para os leitores e não para os colegas. O jornal precisa ter a sábia humildade de moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às autênticas necessidades do público a que se dirige. Quando jornalistas e editores, isolados do mundo real, não vão à luta, as redações se convertem em centros de simples processamento de informação pasteurizada. Falta vida. E o leitor percebe.
A precipitação é outro vírus que ameaça a qualidade informativa. A manchete de impacto, oposta ao fato ou fora do contexto da matéria, transmite ao leitor o desconforto de um logro, uma indisfarçável sensação de engajamento. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada acabam implodindo a notícia. Sobra declaração leviana, mas falta apuração rigorosa. A incompetência impune foge dos bancos de dados. Confunde milhão com bilhão. E la nave và .
A superficialidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto e sucumbimos à tirania do inconsistente. Para fazer bom jornalismo, basta buscar a verdade. Sinceramente. E nada mais.
CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo para Editores.
Somente a verdade
por Carlos Alberto di Franco
Arrogância, frivolidade e precipitação têm sido, na opinião de James Fallows, autor do afiado “Detonando a notícia” (Civilização Brasileira), o tempero de certas matérias da imprensa americana. A radiografia, direta e contundente, despertou reações iradas e aplausos entusiasmados. O fogo foi atiçado e promete não apagar. E é bom que seja assim. Afinal, a crítica, desde que honesta e desengajada, é a melhor forja da qualidade.
A síndrome, caro leitor, não é uma exclusividade do jornalismo daquele país. Trata-se de um problema universal. Também nosso. Reconhecê-lo é importante. Superá-lo, um dever. Fallows questiona, por exemplo, a aspiração de exercer um contrapoder que está na base de inúmeras pautas. A investigação jornalística não brota sempre da dúvida sensata, da interrogação inteligente. Nasce, freqüentemente, de uma enxurrada de preconceitos.
O jornalista suspicaz é sempre um mau repórter. Não sabe, como sublinha Carl Bernstein, que “o importante é saber escutar”. Esquece, ofuscado pela arrogância, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. De fato, “a grande surpresa no jornalismo de qualidade é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos”, conclui Bernstein.
O bom repórter ilumina a cena, o jornalista preconceituoso constrói a história. A distorção, no entanto, escapa à perspicácia do leitor médio. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos transformam um princípio irretocável numa grande deformação.
A apuração de faz-de-conta representa uma das maiores agressões à imprensa de qualidade. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não se apóia na busca da verdade. É um artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Personalidades entrevistadas avalizam a “seriedade” da matéria. Mata-se a reportagem. Cria-se a versão.
Um bom jornal, por óbvio, não pode ficar refém do mercado. Precisa, freqüentemente, tornar interessante o que é realmente importante. Mas um jornal de qualidade não pode viver de costas para o leitor. Os jornalistas precisam escrever para os leitores e não para os colegas. O jornal precisa ter a sábia humildade de moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às autênticas necessidades do público a que se dirige. Quando jornalistas e editores, isolados do mundo real, não vão à luta, as redações se convertem em centros de simples processamento de informação pasteurizada. Falta vida. E o leitor percebe.
A precipitação é outro vírus que ameaça a qualidade informativa. A manchete de impacto, oposta ao fato ou fora do contexto da matéria, transmite ao leitor o desconforto de um logro, uma indisfarçável sensação de engajamento. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada acabam implodindo a notícia. Sobra declaração leviana, mas falta apuração rigorosa. A incompetência impune foge dos bancos de dados. Confunde milhão com bilhão. E la nave và .
A superficialidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto e sucumbimos à tirania do inconsistente. Para fazer bom jornalismo, basta buscar a verdade. Sinceramente. E nada mais.
CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo para Editores.
O descaso dos governantes
Belíssimo artigo do Ignacio hoje no O Globo, vale ressaltar o ponto-chave do texto que é o de até que ponto as graves denúncias efetuadas contra a conduta policial têm fundamento, e não de quem se beneficia com elas. Outro é que as políticas de segurança pública desenvolvidas historicamente no Brasil tiveram SEMPRE como objetivo não a diminuição da violência, mas a sua contenção e isolamento geográfico nas áreas em que é considerada socialmente tolerável.
Divirtam-se!!
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O descaso dos governantes
por Ignacio Cano
Em maio de 2000 uma operação policial no Morro do Pavão-Pavãozinho provocou 5 mortos. Moradores revoltados denunciaram execuções sumárias e depredaram lojas e veículos. A comoção gerada pelo fato de que a violência tinha descido até o asfalto de Copacabana moveu o poder público a lançar uma experiência piloto denominada Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (Gepae).
As políticas de segurança pública desenvolvidas historicamente no Brasil tiveram como objetivo não a diminuição da violência, mas a sua contenção e isolamento geográfico nas áreas em que é considerada socialmente tolerável — morros, invasões, etc. Assim, ficou consagrado o modelo da incursão policial relâmpago em favela, que pretendia acabar com o “inimigo” a ferro e fogo na vã esperança de que isto melhoraria a segurança dos moradores do asfalto. O perigo em que os tiroteios colocavam os moradores das favelas e a dramática ocorrência de vítimas por bala perdida eram considerados problemas secundários.
Nesse cenário, o Gepae era uma novidade que poderia contribuir à necessária mudança de paradigma da segurança pública no país. Já não se tratava mais de subir o morro atirando, mas de fornecer um policiamento permanente aos moradores dessas comunidades, cuja segurança era percebida como precursora da segurança dos residentes do asfalto em baixo. Os pilares do projeto eram a luta contra o porte e o uso de armas de fogo, a tentativa de afastar crianças do crime, e o rigor contra os desvios cometidos por policiais. Não se tratava de acabar de vez com a criminalidade, algo que está além do poder da polícia, mas de diminuir drasticamente o número de mortes, os tiroteios e a insegurança.
Embora o próprio poder público, aparentemente ignorante da transcendência de sua própria iniciativa, não investisse na seleção e formação dos policiais, o comprometimento dos primeiros comandantes do grupamento atingiu resultados significativos. Durante meses, os tiroteios e as vítimas fatais praticamente acabaram, melhorando a percepção de segurança na comunidade e no seu entorno. Um ponto central foi a relação de confiança entre o comandante e a comunidade, construída a partir do afastamento dos policiais que cometeram irregularidades. O tráfico e a criminalidade não acabaram, mas o saldo foi positivo.
O experimento foi bombardeado por políticos que disseram que ele representava uma atitude de tolerância com o crime organizado. Pessoas que moram em áreas da cidade em que a polícia certamente não está autorizada a entrar em confronto armado regular, durante o horário escolar, pediram a volta das velhas táticas de confronto armado.
Aos poucos, o descaso do poder público fez a iniciativa murchar. Os tiroteios voltaram e moradores acusaram os policiais de abusos. Por fim, o pesadelo voltou com o roteiro já conhecido. Operação policial, dias atrás: três mortos acusados pela polícia de serem traficantes, moradores denunciando execuções, vandalismo, o horror da cidade. O círculo teve um fechamento cruel. Os policiais que realizaram a operação eram membros do Gepae. O secretário já admitiu que um dos mortos era inocente. A melhor imagem do sarcasmo é uma polícia de tipo comunitário que usa toucas ninjas, encontradas nas dependências do Gepae.
Quanto aos protestos dos moradores, a resposta da Secretaria parece ser indiciá-los por associação ao tráfico. Essa atitude envolve um preconceito que reforça a estigmatização contra os favelados. Assim, baderneiro do asfalto é um simples baderneiro, mas baderneiro de favela é membro do crime organizado. O ônus da prova fica praticamente invertido: supõe-se que o favelado que protesta é membro do tráfico e caberá a ele provar o contrário.
Ninguém é ingênuo para não saber que o tráfico tem interesse nesses protestos, mas não é a questão central. O ponto-chave é até que ponto as graves denúncias efetuadas têm fundamento, não quem se beneficia com elas. E isso não pode ser desviado atribuindo os protestos ao tráfico. Manter essa posição é aprofundar o abismo entre as duas metades da cidade partida.
É óbvio que a polícia deve conter as manifestações violentas e também que os moradores de comunidades devem encontrar uma forma mais justa e eficiente de se defender do que destruir carros ou lojas. Mas a melhor maneira de evitar o vandalismo no futuro é investigar até o fundo o que aconteceu e investir em estratégias para mudar. Na verdade, muitos moradores de favela aprenderam até agora que o Estado só reage às reclamações na esteira de ônibus queimados. Cabe ao poder público mostrar que estão errados.
IGNACIO CANO é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Divirtam-se!!
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O descaso dos governantes
por Ignacio Cano
Em maio de 2000 uma operação policial no Morro do Pavão-Pavãozinho provocou 5 mortos. Moradores revoltados denunciaram execuções sumárias e depredaram lojas e veículos. A comoção gerada pelo fato de que a violência tinha descido até o asfalto de Copacabana moveu o poder público a lançar uma experiência piloto denominada Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (Gepae).
As políticas de segurança pública desenvolvidas historicamente no Brasil tiveram como objetivo não a diminuição da violência, mas a sua contenção e isolamento geográfico nas áreas em que é considerada socialmente tolerável — morros, invasões, etc. Assim, ficou consagrado o modelo da incursão policial relâmpago em favela, que pretendia acabar com o “inimigo” a ferro e fogo na vã esperança de que isto melhoraria a segurança dos moradores do asfalto. O perigo em que os tiroteios colocavam os moradores das favelas e a dramática ocorrência de vítimas por bala perdida eram considerados problemas secundários.
Nesse cenário, o Gepae era uma novidade que poderia contribuir à necessária mudança de paradigma da segurança pública no país. Já não se tratava mais de subir o morro atirando, mas de fornecer um policiamento permanente aos moradores dessas comunidades, cuja segurança era percebida como precursora da segurança dos residentes do asfalto em baixo. Os pilares do projeto eram a luta contra o porte e o uso de armas de fogo, a tentativa de afastar crianças do crime, e o rigor contra os desvios cometidos por policiais. Não se tratava de acabar de vez com a criminalidade, algo que está além do poder da polícia, mas de diminuir drasticamente o número de mortes, os tiroteios e a insegurança.
Embora o próprio poder público, aparentemente ignorante da transcendência de sua própria iniciativa, não investisse na seleção e formação dos policiais, o comprometimento dos primeiros comandantes do grupamento atingiu resultados significativos. Durante meses, os tiroteios e as vítimas fatais praticamente acabaram, melhorando a percepção de segurança na comunidade e no seu entorno. Um ponto central foi a relação de confiança entre o comandante e a comunidade, construída a partir do afastamento dos policiais que cometeram irregularidades. O tráfico e a criminalidade não acabaram, mas o saldo foi positivo.
O experimento foi bombardeado por políticos que disseram que ele representava uma atitude de tolerância com o crime organizado. Pessoas que moram em áreas da cidade em que a polícia certamente não está autorizada a entrar em confronto armado regular, durante o horário escolar, pediram a volta das velhas táticas de confronto armado.
Aos poucos, o descaso do poder público fez a iniciativa murchar. Os tiroteios voltaram e moradores acusaram os policiais de abusos. Por fim, o pesadelo voltou com o roteiro já conhecido. Operação policial, dias atrás: três mortos acusados pela polícia de serem traficantes, moradores denunciando execuções, vandalismo, o horror da cidade. O círculo teve um fechamento cruel. Os policiais que realizaram a operação eram membros do Gepae. O secretário já admitiu que um dos mortos era inocente. A melhor imagem do sarcasmo é uma polícia de tipo comunitário que usa toucas ninjas, encontradas nas dependências do Gepae.
Quanto aos protestos dos moradores, a resposta da Secretaria parece ser indiciá-los por associação ao tráfico. Essa atitude envolve um preconceito que reforça a estigmatização contra os favelados. Assim, baderneiro do asfalto é um simples baderneiro, mas baderneiro de favela é membro do crime organizado. O ônus da prova fica praticamente invertido: supõe-se que o favelado que protesta é membro do tráfico e caberá a ele provar o contrário.
Ninguém é ingênuo para não saber que o tráfico tem interesse nesses protestos, mas não é a questão central. O ponto-chave é até que ponto as graves denúncias efetuadas têm fundamento, não quem se beneficia com elas. E isso não pode ser desviado atribuindo os protestos ao tráfico. Manter essa posição é aprofundar o abismo entre as duas metades da cidade partida.
É óbvio que a polícia deve conter as manifestações violentas e também que os moradores de comunidades devem encontrar uma forma mais justa e eficiente de se defender do que destruir carros ou lojas. Mas a melhor maneira de evitar o vandalismo no futuro é investigar até o fundo o que aconteceu e investir em estratégias para mudar. Na verdade, muitos moradores de favela aprenderam até agora que o Estado só reage às reclamações na esteira de ônibus queimados. Cabe ao poder público mostrar que estão errados.
IGNACIO CANO é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
26 de mar. de 2004
Viva Zapatero!
Viva Zapatero!
por BERILO VARGAS
Ninguém na imprensa americana discorre melhor do que Thomas Friedman sobre política internacional. É o meu guru, provavelmente o seu também, e como viaja. Sua rotina é a falta de rotina, vive correndo mundo para entender e explicar o mundo. Hoje Israel, amanhã a Síria, segunda-feira o Paquistão. O “New York Times” financia e, por onde anda, seu colunista itinerante é recebido por presidentes, magnatas, potentados. Só viaja de primeira classe, estranho seria se não o fizesse, mas foi visto em sua larga poltrona palitando os dentes com as unhas. Nada demais: para ser traído por cacoetes é só andar distraído.
E distraído tem andado Friedman quando usa o nobilíssimo espaço de sua coluna para defender o indefensável: o imbróglio do Iraque como frente vital na guerra de todos contra o terror. E dá-se o inesperado: o supra-sumo do jornalismo mundano, versado e conversado na linguagem rarefeita da política internacional e da alta diplomacia, está pensando com Bush e como Bush, e cometendo solecismo atrás de solecismo. Embaralha argumentos, mistura Saddam Hussein com Osama bin Laden, Eixo da Incompetência com Eixo do Apaziguamento, Segunda Guerra Mundial com segunda guerra do Iraque, derrota de José María Aznar com vitória da al-Qaeda.
Friedman vai além no seu virulento neobushismo e acusa os espanhóis — os eleitores e o chefe de governo que eles elegeram, José Luis Rodríguez Zapatero — de apaziguamento, de complacência com o terror. Para o fulgurante colunista, a Espanha cometeu o pecado mortal de reprovar Aznar e, indiretamente, a política externa de Bush. Que precipitado, e que injusto!
A invasão do Iraque veio depois de um ataque terrorista inédito na História, os atentados em Nova York e Washington. Mas a relação de causa e efeito entre o 11 de Setembro e o regime de Saddam é nenhuma; ou, por outra, é a mesma que existe entre o sujeito e o predicado numa frase de Bush. Bin Laden atacou os Estados Unidos; logo, os EUA precisam derrubar Saddam. Que disléxico! É a política do erro de concordância, do anacoluto, do non sequitur.
Na Espanha, as eleições foram precedidas de uma carnificina, transcorreram em clima de medo e aflição, e resultaram num castigo exemplar, numa advertência aos políticos que exploram cinicamente o pânico para conquistar votos. Por quê? Porque Aznar prevaricou. Nem mesmo a calamidade das bombas fez os eleitores espanhóis perderem o fio da meada, a clareza de raciocínio. A lógica das urnas foi a um tempo impecável e implacável. O que se rejeitou no pleito do dia 14 foi, sem dúvida, a política externa de Aznar. Mas, acima de tudo, condenou-se a mentira, a tapeação. Antes da matança de 11 de março, mesmo mantendo 1.300 soldados no Iraque contra a vontade da maioria, o partido do governo era o favorito — entre outras razões, pelo desassombro, pelo pulso firme com que Aznar peitara os separatistas bascos. Quem mandou mentir na reta de chegada?
É leviano e injusto acusar os espanhóis de aquiescência com o terror, ou de falta de hombredad . Os cidadãos comuns não se cansam de demonstrar maciçamente o seu asco por separatistas que estraçalham criancinhas. Dizem não de todas as formas. A uma onda de ataques do ETA, costumam responder com uma onda de manifestações. A cada novo atentado dos etarras a vida congela, o coração da Espanha pula uma batida: todo mundo interrompe o que está fazendo — seja uma reunião de cúpula, um passeio pela calçada, um papo de botequim — e observa um minuto de silêncio. Ninguém grita, ninguém xinga, ninguém faz discursos. É um jeito de dizer, coletivamente e sem desperdiçar palavras diante do inominável, que o país não quer, não aceita, não se acostuma.
Agora, quase 200 cadáveres depois, está claro que Espanha e EUA têm um inimigo comum. É o mesmo do resto do mundo civilizado: o terror apocalíptico que não tem fronteiras, que não reivindica, que está sorrateira e perfidamente empenhado apenas em destruir, aniquilar — numa palavra, aterrorizar — a qualquer hora, em toda parte. Hoje atende pelo nome de al-Qaeda, embora seja mais um método do que um grupo, um movimento.
Nas eleições, aturdidos pela tragédia, irritados, desconfiados, os espanhóis se pronunciaram especificamente sobre a guerra de Bush, Tony Blair e Aznar. Não lhes foi perguntado nas urnas se são a favor do uso da força para conter a al-Qaeda e ameaças do gênero, ou se acham suficiente fazer passeatas pela paz, vestidos de branco, carregando uma flor. Nem a eles, nem a Zapatero.
Por ora prevalece entre os espanhóis o entendimento de que a retirada do Iraque é um ato de bom senso. No más . Porque a frente mundial antiterror não passa por Basra e Bagdá; diferentemente do que alardeia Friedman, ali não se decide o futuro do Ocidente democrático. Ali se decide o futuro dos iraquianos, de Bush e de Blair. A Espanha que votou em clima de luto, mas lúcida, não merece o rótulo de pusilânime. Só o mereceria se houvesse um esforço global para arrostar Bin Laden — coordenado pela ONU, por amor à legitimidade — e povo e governo refugassem, como gazela assustada. Ainda não houve esse esforço, nem essa deserção.
Melhor que ninguém, Friedman, o analista cirúrgico, o comentarista sagaz, o andarilho bem informado, sabe que é assim. Mas acha que nós estamos distraídos, e acaba palitando os dentes em público. Como todo sofisticado, tem seus dias de novo-rico.
BERILO VARGAS é jornalista.
por BERILO VARGAS
Ninguém na imprensa americana discorre melhor do que Thomas Friedman sobre política internacional. É o meu guru, provavelmente o seu também, e como viaja. Sua rotina é a falta de rotina, vive correndo mundo para entender e explicar o mundo. Hoje Israel, amanhã a Síria, segunda-feira o Paquistão. O “New York Times” financia e, por onde anda, seu colunista itinerante é recebido por presidentes, magnatas, potentados. Só viaja de primeira classe, estranho seria se não o fizesse, mas foi visto em sua larga poltrona palitando os dentes com as unhas. Nada demais: para ser traído por cacoetes é só andar distraído.
E distraído tem andado Friedman quando usa o nobilíssimo espaço de sua coluna para defender o indefensável: o imbróglio do Iraque como frente vital na guerra de todos contra o terror. E dá-se o inesperado: o supra-sumo do jornalismo mundano, versado e conversado na linguagem rarefeita da política internacional e da alta diplomacia, está pensando com Bush e como Bush, e cometendo solecismo atrás de solecismo. Embaralha argumentos, mistura Saddam Hussein com Osama bin Laden, Eixo da Incompetência com Eixo do Apaziguamento, Segunda Guerra Mundial com segunda guerra do Iraque, derrota de José María Aznar com vitória da al-Qaeda.
Friedman vai além no seu virulento neobushismo e acusa os espanhóis — os eleitores e o chefe de governo que eles elegeram, José Luis Rodríguez Zapatero — de apaziguamento, de complacência com o terror. Para o fulgurante colunista, a Espanha cometeu o pecado mortal de reprovar Aznar e, indiretamente, a política externa de Bush. Que precipitado, e que injusto!
A invasão do Iraque veio depois de um ataque terrorista inédito na História, os atentados em Nova York e Washington. Mas a relação de causa e efeito entre o 11 de Setembro e o regime de Saddam é nenhuma; ou, por outra, é a mesma que existe entre o sujeito e o predicado numa frase de Bush. Bin Laden atacou os Estados Unidos; logo, os EUA precisam derrubar Saddam. Que disléxico! É a política do erro de concordância, do anacoluto, do non sequitur.
Na Espanha, as eleições foram precedidas de uma carnificina, transcorreram em clima de medo e aflição, e resultaram num castigo exemplar, numa advertência aos políticos que exploram cinicamente o pânico para conquistar votos. Por quê? Porque Aznar prevaricou. Nem mesmo a calamidade das bombas fez os eleitores espanhóis perderem o fio da meada, a clareza de raciocínio. A lógica das urnas foi a um tempo impecável e implacável. O que se rejeitou no pleito do dia 14 foi, sem dúvida, a política externa de Aznar. Mas, acima de tudo, condenou-se a mentira, a tapeação. Antes da matança de 11 de março, mesmo mantendo 1.300 soldados no Iraque contra a vontade da maioria, o partido do governo era o favorito — entre outras razões, pelo desassombro, pelo pulso firme com que Aznar peitara os separatistas bascos. Quem mandou mentir na reta de chegada?
É leviano e injusto acusar os espanhóis de aquiescência com o terror, ou de falta de hombredad . Os cidadãos comuns não se cansam de demonstrar maciçamente o seu asco por separatistas que estraçalham criancinhas. Dizem não de todas as formas. A uma onda de ataques do ETA, costumam responder com uma onda de manifestações. A cada novo atentado dos etarras a vida congela, o coração da Espanha pula uma batida: todo mundo interrompe o que está fazendo — seja uma reunião de cúpula, um passeio pela calçada, um papo de botequim — e observa um minuto de silêncio. Ninguém grita, ninguém xinga, ninguém faz discursos. É um jeito de dizer, coletivamente e sem desperdiçar palavras diante do inominável, que o país não quer, não aceita, não se acostuma.
Agora, quase 200 cadáveres depois, está claro que Espanha e EUA têm um inimigo comum. É o mesmo do resto do mundo civilizado: o terror apocalíptico que não tem fronteiras, que não reivindica, que está sorrateira e perfidamente empenhado apenas em destruir, aniquilar — numa palavra, aterrorizar — a qualquer hora, em toda parte. Hoje atende pelo nome de al-Qaeda, embora seja mais um método do que um grupo, um movimento.
Nas eleições, aturdidos pela tragédia, irritados, desconfiados, os espanhóis se pronunciaram especificamente sobre a guerra de Bush, Tony Blair e Aznar. Não lhes foi perguntado nas urnas se são a favor do uso da força para conter a al-Qaeda e ameaças do gênero, ou se acham suficiente fazer passeatas pela paz, vestidos de branco, carregando uma flor. Nem a eles, nem a Zapatero.
Por ora prevalece entre os espanhóis o entendimento de que a retirada do Iraque é um ato de bom senso. No más . Porque a frente mundial antiterror não passa por Basra e Bagdá; diferentemente do que alardeia Friedman, ali não se decide o futuro do Ocidente democrático. Ali se decide o futuro dos iraquianos, de Bush e de Blair. A Espanha que votou em clima de luto, mas lúcida, não merece o rótulo de pusilânime. Só o mereceria se houvesse um esforço global para arrostar Bin Laden — coordenado pela ONU, por amor à legitimidade — e povo e governo refugassem, como gazela assustada. Ainda não houve esse esforço, nem essa deserção.
Melhor que ninguém, Friedman, o analista cirúrgico, o comentarista sagaz, o andarilho bem informado, sabe que é assim. Mas acha que nós estamos distraídos, e acaba palitando os dentes em público. Como todo sofisticado, tem seus dias de novo-rico.
BERILO VARGAS é jornalista.
17 de mar. de 2004
Flores
Cultura Brasillis
Cultura, ação de cultivar, um legado que o homem traz consigo desde os tempos imemoriáveis, o legado que o permitiu evoluir, o de poder enfim sentar raízes e abandonar o nomadismo. A necessidade da semeadura permitiu ao homem inventar a roda, a observar os astros e perceber que a natureza abundante à sua volta poderia ser dominada.
O domínio do homem sobre a natureza produziu desequilíbrios que afetaram toda a ordem. Foram períodos de estiagem ou inundações que obrigaram povos a se locomoverem por quilômetros, sem destino certo, à procura de um cantinho. Levaram suas histórias, suas sementes, pois aprenderam que, independente de onde estivessem, bastava semear e cuidar das sementes, de proteger e aguar os brotos, que a planta cresceria, daria sombra e frutos, fortalecendo o seu povo para a vida.
A história do Brasil é análoga à do homem. Passamos pelas fases das cavernas onde o som das flautas de pífano é resquício dos primeiros habitantes desta terra e desenhos hoje se encontram estampados nas pedras do Piauí. Brincamos de amarelinha ou jogamos peteca sem imaginar a quem realmente pertence, os índios. Mesmo assim, a semente plantada há muito, ainda brota.
Durante um tempo, uma página da nossa história foi manchada. Mas pior do que a mancha foi o estigma. Chamaram de década perdida, de vazio cultural, a década de 1970. Um tempo de estiagem, que sufocou todo um povo, levou parte a uma migração forçada e não permitiu que todas as sementes brotassem, fazendo com que algumas morressem. Mas muitas plantas sobreviveram na adversidade e conseguiram crescer.
Muitas artimanhas foram feitas. Chico Buarque para fugir da censura chegou a assinar composições com a alcunha de Julinho da Adelaide. Os jornalistas do Jornal do Brasil tentando avisar aos seus leitores sobre o que estava acontecendo no país depois do dia 13 de dezembro de 1968 (promulgação do AI-5) publicaram na parte referente à previsão do tempo que o tempo estava sufocante e o ar irrespirável. Os asfalto se juntava com o morro e todos cantavam que podiam bater, mas que não mudavam de opinião. Era o show Opinião que impulsionou as carreiras de Zé Kétti, João do Vale, Nara Leão, Maria Bethânia e Caetano Veloso.
Cultura, ação de cultivar, um legado que o homem traz consigo desde os tempos imemoriáveis, o legado que o permitiu evoluir, o de poder enfim sentar raízes e abandonar o nomadismo. A necessidade da semeadura permitiu ao homem inventar a roda, a observar os astros e perceber que a natureza abundante à sua volta poderia ser dominada.
O domínio do homem sobre a natureza produziu desequilíbrios que afetaram toda a ordem. Foram períodos de estiagem ou inundações que obrigaram povos a se locomoverem por quilômetros, sem destino certo, à procura de um cantinho. Levaram suas histórias, suas sementes, pois aprenderam que, independente de onde estivessem, bastava semear e cuidar das sementes, de proteger e aguar os brotos, que a planta cresceria, daria sombra e frutos, fortalecendo o seu povo para a vida.
A história do Brasil é análoga à do homem. Passamos pelas fases das cavernas onde o som das flautas de pífano é resquício dos primeiros habitantes desta terra e desenhos hoje se encontram estampados nas pedras do Piauí. Brincamos de amarelinha ou jogamos peteca sem imaginar a quem realmente pertence, os índios. Mesmo assim, a semente plantada há muito, ainda brota.
Durante um tempo, uma página da nossa história foi manchada. Mas pior do que a mancha foi o estigma. Chamaram de década perdida, de vazio cultural, a década de 1970. Um tempo de estiagem, que sufocou todo um povo, levou parte a uma migração forçada e não permitiu que todas as sementes brotassem, fazendo com que algumas morressem. Mas muitas plantas sobreviveram na adversidade e conseguiram crescer.
Muitas artimanhas foram feitas. Chico Buarque para fugir da censura chegou a assinar composições com a alcunha de Julinho da Adelaide. Os jornalistas do Jornal do Brasil tentando avisar aos seus leitores sobre o que estava acontecendo no país depois do dia 13 de dezembro de 1968 (promulgação do AI-5) publicaram na parte referente à previsão do tempo que o tempo estava sufocante e o ar irrespirável. Os asfalto se juntava com o morro e todos cantavam que podiam bater, mas que não mudavam de opinião. Era o show Opinião que impulsionou as carreiras de Zé Kétti, João do Vale, Nara Leão, Maria Bethânia e Caetano Veloso.
12 de mar. de 2004
Bombas
ETA ou Al-Qa'ida ?
Sinto pelas mortes, mas antes de acusarmos, devíamos (nós, jornalistas) checar as informações.
O grupo Brigada de Abu Hafs Al-Masri, ligado à Al-Qa'ida, diz ser responsável pelos atentados ocorridos em Madri,neste 11 de março. Acontece que este é o mesmo grupo que se intitula autor do blecaute ocorridonos EUA em agosto do ano passado que sabemos ter sido por falhas técnicas de larga escala. E nós, brasileiros, sabemos do que acontece quando as matizes e políticas elétricas são mal empregadas.
Ponderações:
Leia mais (em inglês)
Sinto pelas mortes, mas antes de acusarmos, devíamos (nós, jornalistas) checar as informações.
O grupo Brigada de Abu Hafs Al-Masri, ligado à Al-Qa'ida, diz ser responsável pelos atentados ocorridos em Madri,neste 11 de março. Acontece que este é o mesmo grupo que se intitula autor do blecaute ocorridonos EUA em agosto do ano passado que sabemos ter sido por falhas técnicas de larga escala. E nós, brasileiros, sabemos do que acontece quando as matizes e políticas elétricas são mal empregadas.
Ponderações:
- Será que o governo espanhol ao empurrar o ETA como autor não vislumbrava às eleições?
- O grupo que ia explodir trens em Paris não poderá estar por detrás disso?
- Mesmo o ETA negando, não poderia ser ele o autor?
Leia mais (em inglês)
11 de mar. de 2004
Ditadura
Pra Não Dizer Que Não Lembrei...
Golpe, ação de caráter contundente. Golpe de Estado, segundo o Aurélio, é a subversão da ordem constitucional e tomada de poder por indivíduo ou grupo de certo modo ligado à máquina do Estado. Golpistas, conspiradores fazem parte natural da existência humana. Caim conspirou contra Abel, ou será que foi o contrário?
Heródoto, pai da História, já escreveu sobre estes movimentos, que se formam através de cochicho palacianos, conturba a vida social do Estado, provocando um estado de estresse coletivo que leva ao fatídico ato de substituição forçada do regime por aceitação popular.
Mas porquê falar de golpe? Porque falar de dor e não falar de flores? A História passa sempre por momentos de angústia quanto por momentos de paz. E, definitivamente, a história do Brasil correspondente ao período de 64 a 84 é feita de dor, sofrimento, tensão. São páginas manchadas de sangue, sangue dos que buscavam uma alternativa à ditadura que surgia.
Teatros foram fechados arbitrariamente, atores foram detidos, com alguns chegando ao enfrentamento como foi o caso no espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, onde um grupo invadiu o teatro onde se realizava a peça, espancou os atores e espectadores e fugiu. Censores nos jornais, a desconfiança crescia entre os setores da sociedade, não se podia mais confiar em ninguém. As listas negras compunham o ambiente de trabalho. As prisões se sucediam, mas não havia notícia. Os jornais publicavam, então, receitas de bolo ou disseminavam a informação de outro jeito como foi a publicação do JB após o AI-5 onde na seção do tempo previa tempo nebuloso pela frente. Mas houve flores também.
Se fossemos listar todos aqueles que contribuíram para o fim do regime militar, não restaria um espaço em branco em dezenas de resmas de papel e, mesmo assim, faltariam nomes. Mas há os marcos, como o show no Teatro Opinião onde Nara Leão, Zé Ketti e João do Vale mostraram que a cultura sabia pelejar.
A censura não chegara ainda (AI-5 só viria em 68), o movimento pela democracia começava a se articular. Expoentes como Augusto Boal, do Teatro de Arena, Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, dirigiam seus espetáculos com o intuito de fornecer informação política para o público. Esta cultura era oriunda dos extintos CPC’s (extintos pela ditadura), os famosos Centro Popular de Cultura. Foi a forma que encontraram para juntar dois expoentes da cultura popular brasileira: a do morro, com Zé Ketti, Cartola, entre outros; e a do asfalto, com Carlos Lyra, Nara Leão, entre outros.
A prática da tortura vira instrumento militar, a belicosidade do aparato federal aumenta, grêmios estudantis são obrigados a fechar, patrulhamento nas universidades e colégios federais. Era preciso agir e rápido. A morte de um estudante num dos muitos enfrentamentos que aconteceram explode o barril de pólvora no movimento social. As autoridades não evitaram a passeata que reivindicava direitos, a famosa passeata dos Cem Mil, que subiu a Rio Branco e congelou o país. Aí, veio o AI-5.
Do AI-5 até a anistia em 79 é a época do Brasil, ame-o ou deixe-o. Muitos se exilaram, outros se calaram, o período não permitia aventuras. Nem precisava, afinal a vida se tornara uma. Casas eram invadidas, pessoas retiradas, professores sumariamente despedidos e todos eram interrogados. Tentou-se informar ao mundo os problemas que aconteciam por aqui, cantava-se muito para driblar a censura, para fazer chegar aos que lá fora estavam, da situação que estava aqui e parafraseando Chico, estava negra.
Dom Hélder Câmara, numa atitude digna apóia abertamente a campanha da Anistia, ampla, geral e irrestrita, produzindo poemas sobre a pomba branca que representa a paz e a liberdade. O regime até tentou sabotar esta campanha, mas a tentativa atingiu o próprio aparelho, sem trocadilhos, a bomba que ia estourar no Rio Centro, estourou nos algozes, fazendo ruir aquilo que não devia ter começado.
A liberdade agonizou neste período, mas não morreu. Sobreviveu em cada canto, em cada letra desenhada contra a ditadura, repercutia nos panelaços espectadores daquela fria noite. Se uma voz se calava, outras dez surgiam. Se uma flor brochasse, de seu pólen havia material para crescer um jardim, um jardim chamado Brasil.
Golpe, ação de caráter contundente. Golpe de Estado, segundo o Aurélio, é a subversão da ordem constitucional e tomada de poder por indivíduo ou grupo de certo modo ligado à máquina do Estado. Golpistas, conspiradores fazem parte natural da existência humana. Caim conspirou contra Abel, ou será que foi o contrário?
Heródoto, pai da História, já escreveu sobre estes movimentos, que se formam através de cochicho palacianos, conturba a vida social do Estado, provocando um estado de estresse coletivo que leva ao fatídico ato de substituição forçada do regime por aceitação popular.
Mas porquê falar de golpe? Porque falar de dor e não falar de flores? A História passa sempre por momentos de angústia quanto por momentos de paz. E, definitivamente, a história do Brasil correspondente ao período de 64 a 84 é feita de dor, sofrimento, tensão. São páginas manchadas de sangue, sangue dos que buscavam uma alternativa à ditadura que surgia.
Teatros foram fechados arbitrariamente, atores foram detidos, com alguns chegando ao enfrentamento como foi o caso no espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, onde um grupo invadiu o teatro onde se realizava a peça, espancou os atores e espectadores e fugiu. Censores nos jornais, a desconfiança crescia entre os setores da sociedade, não se podia mais confiar em ninguém. As listas negras compunham o ambiente de trabalho. As prisões se sucediam, mas não havia notícia. Os jornais publicavam, então, receitas de bolo ou disseminavam a informação de outro jeito como foi a publicação do JB após o AI-5 onde na seção do tempo previa tempo nebuloso pela frente. Mas houve flores também.
Se fossemos listar todos aqueles que contribuíram para o fim do regime militar, não restaria um espaço em branco em dezenas de resmas de papel e, mesmo assim, faltariam nomes. Mas há os marcos, como o show no Teatro Opinião onde Nara Leão, Zé Ketti e João do Vale mostraram que a cultura sabia pelejar.
A censura não chegara ainda (AI-5 só viria em 68), o movimento pela democracia começava a se articular. Expoentes como Augusto Boal, do Teatro de Arena, Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, dirigiam seus espetáculos com o intuito de fornecer informação política para o público. Esta cultura era oriunda dos extintos CPC’s (extintos pela ditadura), os famosos Centro Popular de Cultura. Foi a forma que encontraram para juntar dois expoentes da cultura popular brasileira: a do morro, com Zé Ketti, Cartola, entre outros; e a do asfalto, com Carlos Lyra, Nara Leão, entre outros.
A prática da tortura vira instrumento militar, a belicosidade do aparato federal aumenta, grêmios estudantis são obrigados a fechar, patrulhamento nas universidades e colégios federais. Era preciso agir e rápido. A morte de um estudante num dos muitos enfrentamentos que aconteceram explode o barril de pólvora no movimento social. As autoridades não evitaram a passeata que reivindicava direitos, a famosa passeata dos Cem Mil, que subiu a Rio Branco e congelou o país. Aí, veio o AI-5.
Do AI-5 até a anistia em 79 é a época do Brasil, ame-o ou deixe-o. Muitos se exilaram, outros se calaram, o período não permitia aventuras. Nem precisava, afinal a vida se tornara uma. Casas eram invadidas, pessoas retiradas, professores sumariamente despedidos e todos eram interrogados. Tentou-se informar ao mundo os problemas que aconteciam por aqui, cantava-se muito para driblar a censura, para fazer chegar aos que lá fora estavam, da situação que estava aqui e parafraseando Chico, estava negra.
Dom Hélder Câmara, numa atitude digna apóia abertamente a campanha da Anistia, ampla, geral e irrestrita, produzindo poemas sobre a pomba branca que representa a paz e a liberdade. O regime até tentou sabotar esta campanha, mas a tentativa atingiu o próprio aparelho, sem trocadilhos, a bomba que ia estourar no Rio Centro, estourou nos algozes, fazendo ruir aquilo que não devia ter começado.
A liberdade agonizou neste período, mas não morreu. Sobreviveu em cada canto, em cada letra desenhada contra a ditadura, repercutia nos panelaços espectadores daquela fria noite. Se uma voz se calava, outras dez surgiam. Se uma flor brochasse, de seu pólen havia material para crescer um jardim, um jardim chamado Brasil.
9 de mar. de 2004
Golpe na Venezuela
É impressionante o bombardeio que recebe a Venezuela de notícias de golpistas, e impressiona ainda mais a repercussão que a nossa mídia dá ao caso. Parecem (os mídias) não se lembrar do que aconteceu por aqui há 40 anos. Festejam as tentativas de golpe como se fosse a coisa mais normal do mundo.
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A Venezuela, 40 anos depois do golpe no Brasil
Cabe aos que seguem lutando pela democracia e pela justiça social impedir que se repita na Venezuela a violência contra a democracia de que fomos vítimas e que hoje ameaça vitimar o povo venezuelano. Por Emir Sader.
Leia aqui
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A Venezuela, 40 anos depois do golpe no Brasil
Cabe aos que seguem lutando pela democracia e pela justiça social impedir que se repita na Venezuela a violência contra a democracia de que fomos vítimas e que hoje ameaça vitimar o povo venezuelano. Por Emir Sader.
Leia aqui
Inflação cavalar
Carga tributária do brasileiro cresceu 341,4% na década
A carga tributária per capita cresceu 341,46% na última década. Descontando a inflação, o aumento foi de 56,74%. Em 1993, cada brasileiro pagava, em média, R$ 700,51 em impostos e contribuições ao governo. No ano passado, os impostos pagos pelos brasileiros alcançara, em média, R$ 3.092,47, segundo estudo divulgado hoje pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
Mais sobre a notícia
E aí, tucanos?! Não vão se pronunciar?
A carga tributária per capita cresceu 341,46% na última década. Descontando a inflação, o aumento foi de 56,74%. Em 1993, cada brasileiro pagava, em média, R$ 700,51 em impostos e contribuições ao governo. No ano passado, os impostos pagos pelos brasileiros alcançara, em média, R$ 3.092,47, segundo estudo divulgado hoje pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
Mais sobre a notícia
E aí, tucanos?! Não vão se pronunciar?
8 de mar. de 2004
Ted Rall
charges a parte...
Ted Rall é um chargista à esquerda da esquerda norte-americana representada por Michael Moore. Recentemente desempregado do New York Times onde era colunista, saiu por ser contrário a posição política do jornal em apoiar o Kerry, não que ele seja a favor do Bush, muito pelo contrário, mas pelo fato do Kerry conseguir ser mais à direita do que o Bush como podemos ver no desenho abaixo:
Para acessar o site dele clique aqui.
Ted Rall é um chargista à esquerda da esquerda norte-americana representada por Michael Moore. Recentemente desempregado do New York Times onde era colunista, saiu por ser contrário a posição política do jornal em apoiar o Kerry, não que ele seja a favor do Bush, muito pelo contrário, mas pelo fato do Kerry conseguir ser mais à direita do que o Bush como podemos ver no desenho abaixo:
Para acessar o site dele clique aqui.
5 de mar. de 2004
Bruxa de Blair
Hãããã!!
Se o terror é como globalização, como disse o Blair, então a Globalização é como terror.
Certo?!
Se o terror é como globalização, como disse o Blair, então a Globalização é como terror.
Certo?!
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