Aos Jornalistas....
Somente a verdade
por Carlos Alberto di Franco
Arrogância, frivolidade e precipitação têm sido, na opinião de James Fallows, autor do afiado “Detonando a notícia” (Civilização Brasileira), o tempero de certas matérias da imprensa americana. A radiografia, direta e contundente, despertou reações iradas e aplausos entusiasmados. O fogo foi atiçado e promete não apagar. E é bom que seja assim. Afinal, a crítica, desde que honesta e desengajada, é a melhor forja da qualidade.
A síndrome, caro leitor, não é uma exclusividade do jornalismo daquele país. Trata-se de um problema universal. Também nosso. Reconhecê-lo é importante. Superá-lo, um dever. Fallows questiona, por exemplo, a aspiração de exercer um contrapoder que está na base de inúmeras pautas. A investigação jornalística não brota sempre da dúvida sensata, da interrogação inteligente. Nasce, freqüentemente, de uma enxurrada de preconceitos.
O jornalista suspicaz é sempre um mau repórter. Não sabe, como sublinha Carl Bernstein, que “o importante é saber escutar”. Esquece, ofuscado pela arrogância, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. De fato, “a grande surpresa no jornalismo de qualidade é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos”, conclui Bernstein.
O bom repórter ilumina a cena, o jornalista preconceituoso constrói a história. A distorção, no entanto, escapa à perspicácia do leitor médio. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos transformam um princípio irretocável numa grande deformação.
A apuração de faz-de-conta representa uma das maiores agressões à imprensa de qualidade. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não se apóia na busca da verdade. É um artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Personalidades entrevistadas avalizam a “seriedade” da matéria. Mata-se a reportagem. Cria-se a versão.
Um bom jornal, por óbvio, não pode ficar refém do mercado. Precisa, freqüentemente, tornar interessante o que é realmente importante. Mas um jornal de qualidade não pode viver de costas para o leitor. Os jornalistas precisam escrever para os leitores e não para os colegas. O jornal precisa ter a sábia humildade de moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às autênticas necessidades do público a que se dirige. Quando jornalistas e editores, isolados do mundo real, não vão à luta, as redações se convertem em centros de simples processamento de informação pasteurizada. Falta vida. E o leitor percebe.
A precipitação é outro vírus que ameaça a qualidade informativa. A manchete de impacto, oposta ao fato ou fora do contexto da matéria, transmite ao leitor o desconforto de um logro, uma indisfarçável sensação de engajamento. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada acabam implodindo a notícia. Sobra declaração leviana, mas falta apuração rigorosa. A incompetência impune foge dos bancos de dados. Confunde milhão com bilhão. E la nave và .
A superficialidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto e sucumbimos à tirania do inconsistente. Para fazer bom jornalismo, basta buscar a verdade. Sinceramente. E nada mais.
CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo para Editores.
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