29 de mar. de 2004

Marcuse, o sionismo e os judeus

Marcuse, o sionismo e os judeus

Para Marcuse, a defesa do Estado de Israel era condição para qualquer solução pacífica do conflito israelo-palestino, mas ele observava que "só um mundo árabe livre pode coexistir com um Israel livre"
por Raffaele Laudani e Peter-Erwin Jansen*

A relação de Marcuse com Israel sempre foi condicionada por um forte componente “emocional” e “pessoal”. Marxista alemão de origem judaica, obrigado pelo regime nazista a deixar a Alemanha e a se exilar nos Estados Unidos, sempre considerou a defesa do Estado de Israel como a condição para qualquer solução pacífica do conflito israelo-palestino, a única verdadeira garantia contra a repetição do genocídio e das diferentes formas de perseguição sofridas pelos judeus durante séculos.

“A fundação de Israel como Estado autônomo” – explicava ele, por exemplo, ao movimento estudantil alemão, logo depois da Guerra dos Seis Dias – “pode ser considerada ilegítima à medida que ocorreu graças a um acordo internacional, em território estrangeiro e sem levar em conta a população local e seu destino. Mas essa injustiça não pode ser reparada por outra injustiça. O Estado de Israel existe e é preciso achar um ponto de encontro e de compreensão com o mundo hostil que o cerca1.”

Judaísmo político

Contrário às posições sionistas ortodoxas, cujos riscos de “racismo” implícitos ele aponta desde que se reivindica Deus a seu lado, o judaísmo de Marcuse, no entanto, é livre de qualquer pressuposto doutrinário e religioso: ao invés disso, baseia-se numa “sensibilidade” absolutamente política em relação à opressão que ele sofreu sob o regime nazista, quando “ser judeu” significava objetivamente “ser de esquerda” - ser uma metáfora viva de todas as formas históricas de opressão sofridas pela humanidade2 .

Por essa razão, ele não pode senão experimentar um certo mal-estar diante das formas concretas sob as quais o Estado de Israel se constituiu e continua a defender sua própria existência: “A difusão da liberdade é o oposto do imperialismo. Não é a expansão de uma nação e de um interesse nacional, mas a libertação graças a todos os esforços de todas as pessoas dominadas por um regime opressivo [...]. Só um mundo árabe livre pode coexistir com um Israel livre3.”

Federação socialista

Numa situação de “luta pela sobrevivência” e sob a ameaça permanente de “conflito armado”, esse “sonho” de paz deve também se concretizar em um programa político: “A criação de um Estado nacional palestino ao lado de Israel”, primeiro passo para a “coexistência de israelenses e palestinos, de judeus e árabes, como membros iguais de uma federação socialista dos Estados do Oriente Médio”. De fato, a coexistência das duas populações não poderá acontecer se uma dessas duas “nações” for suprimida pela outra. À medida que a “força” política e militar de Israel é nitidamente superior, cabe a ele facilitar esse processo.

Evidentemente, é triste constatar que, trinta anos depois, a solução do problema que Marcuse apresentava como temporário ainda não foi implantada: ela continua como uma esperança longínqua frente a uma nova escalada de violência e de repressão. As reflexões do filósofo continuam sendo, por conseqüência, um apelo muito atual a todos os que querem ver tornar-se realidade o sonho de paz na Palestina, a fim de que eles “injetem na luta pela segurança da nação a luta pela liberdade de todos4 ”.

(Trad.: Iraci D. Poleti)

* Responsáveis, respectivamente, pelas edições italiana e alemã das obras inéditas de Herbert Marcuse.

1 - Herbert Marcuse, Das Ende der Utopie (1967), Frankfurt a. M., Neue Kritik, 1980
2 - An Interview with Herbert Marcuse, in L’Chayim, vol. IV, n° 2, 1977, p. 11-12.
3 - Herbert Marcuse, “Only a Free Arab World Can Co-exist with a Free Israel”, introdução à edição hebraica de “L’Homme Unidimensionnelle” e de “Vers la libération”; depois, in Israel Horizon, junho-julho de 1970, p. 17.
4 - Ibid.

Fonte LMD

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