11 de mar. de 2004

Ditadura

Pra Não Dizer Que Não Lembrei...

Golpe, ação de caráter contundente. Golpe de Estado, segundo o Aurélio, é a subversão da ordem constitucional e tomada de poder por indivíduo ou grupo de certo modo ligado à máquina do Estado. Golpistas, conspiradores fazem parte natural da existência humana. Caim conspirou contra Abel, ou será que foi o contrário?

Heródoto, pai da História, já escreveu sobre estes movimentos, que se formam através de cochicho palacianos, conturba a vida social do Estado, provocando um estado de estresse coletivo que leva ao fatídico ato de substituição forçada do regime por aceitação popular.

Mas porquê falar de golpe? Porque falar de dor e não falar de flores? A História passa sempre por momentos de angústia quanto por momentos de paz. E, definitivamente, a história do Brasil correspondente ao período de 64 a 84 é feita de dor, sofrimento, tensão. São páginas manchadas de sangue, sangue dos que buscavam uma alternativa à ditadura que surgia.

Teatros foram fechados arbitrariamente, atores foram detidos, com alguns chegando ao enfrentamento como foi o caso no espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, onde um grupo invadiu o teatro onde se realizava a peça, espancou os atores e espectadores e fugiu. Censores nos jornais, a desconfiança crescia entre os setores da sociedade, não se podia mais confiar em ninguém. As listas negras compunham o ambiente de trabalho. As prisões se sucediam, mas não havia notícia. Os jornais publicavam, então, receitas de bolo ou disseminavam a informação de outro jeito como foi a publicação do JB após o AI-5 onde na seção do tempo previa tempo nebuloso pela frente. Mas houve flores também.

Se fossemos listar todos aqueles que contribuíram para o fim do regime militar, não restaria um espaço em branco em dezenas de resmas de papel e, mesmo assim, faltariam nomes. Mas há os marcos, como o show no Teatro Opinião onde Nara Leão, Zé Ketti e João do Vale mostraram que a cultura sabia pelejar.

A censura não chegara ainda (AI-5 só viria em 68), o movimento pela democracia começava a se articular. Expoentes como Augusto Boal, do Teatro de Arena, Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, dirigiam seus espetáculos com o intuito de fornecer informação política para o público. Esta cultura era oriunda dos extintos CPC’s (extintos pela ditadura), os famosos Centro Popular de Cultura. Foi a forma que encontraram para juntar dois expoentes da cultura popular brasileira: a do morro, com Zé Ketti, Cartola, entre outros; e a do asfalto, com Carlos Lyra, Nara Leão, entre outros.

A prática da tortura vira instrumento militar, a belicosidade do aparato federal aumenta, grêmios estudantis são obrigados a fechar, patrulhamento nas universidades e colégios federais. Era preciso agir e rápido. A morte de um estudante num dos muitos enfrentamentos que aconteceram explode o barril de pólvora no movimento social. As autoridades não evitaram a passeata que reivindicava direitos, a famosa passeata dos Cem Mil, que subiu a Rio Branco e congelou o país. Aí, veio o AI-5.

Do AI-5 até a anistia em 79 é a época do Brasil, ame-o ou deixe-o. Muitos se exilaram, outros se calaram, o período não permitia aventuras. Nem precisava, afinal a vida se tornara uma. Casas eram invadidas, pessoas retiradas, professores sumariamente despedidos e todos eram interrogados. Tentou-se informar ao mundo os problemas que aconteciam por aqui, cantava-se muito para driblar a censura, para fazer chegar aos que lá fora estavam, da situação que estava aqui e parafraseando Chico, estava negra.

Dom Hélder Câmara, numa atitude digna apóia abertamente a campanha da Anistia, ampla, geral e irrestrita, produzindo poemas sobre a pomba branca que representa a paz e a liberdade. O regime até tentou sabotar esta campanha, mas a tentativa atingiu o próprio aparelho, sem trocadilhos, a bomba que ia estourar no Rio Centro, estourou nos algozes, fazendo ruir aquilo que não devia ter começado.

A liberdade agonizou neste período, mas não morreu. Sobreviveu em cada canto, em cada letra desenhada contra a ditadura, repercutia nos panelaços espectadores daquela fria noite. Se uma voz se calava, outras dez surgiam. Se uma flor brochasse, de seu pólen havia material para crescer um jardim, um jardim chamado Brasil.

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