De tudo que ando lendo sobre a reforma previdênciária, é neste texto do Wanderlei que encontrei a melhor explicação sobre os problemas da proposta governista, porque poucos falam sobre o baixo teto para aposentadoria para servidores públicos. Agora, pergunto eu, quem vai querer ser servidor público com este teto de R$ 2.400,00 para a aposentadoria? O nível do funcionalismo vai baixar e muito.
Muita providência, pouca Previdência
Contando por baixo, temos aí cerca de dez regimes salariais para servidores públicos com repercussões nos esquemas previdenciários a eles associados. Quando se fala em servidor público se está a mencionar, de fato, uma abreviatura de heterogêneo conjunto de funcionários. Existem os ocupados na administração direta da União, cobrindo dos ascensoristas do Palácio do Planalto aos professores universitários, passando pelos contínuos da Casa Civil da Presidência da República. Com regime salarial e previdenciário diferentes encontram-se os empregados na administração indireta, compreendendo, por exemplo, o pessoal de Furnas, da Petrobras ou do Ipea. Nada a ver com o subconjunto anterior em matéria de salário e esquemas de aposentadorias. A mesma repartição entre administração direta e indireta repete-se nos Estados e municípios, vindo tudo a somar um subtotal de seis escalas salariais/previdenciárias e variando independentemente umas das outras. Acrescentando-lhes os regimes salariais e de aposentadorias/pensões do Legislativo e do Judiciário a nível federal, diferentes dos anteriores e entre si, chega-se a oito constelações de salários, benefícios especiais e aposentadorias. Com a seguridade especial dos militares contamos nove regimes, atingindo o décimo com uma rubrica de entendimento controverso - a de aposentadorias especiais - incluindo desde as viúvas de antiqüíssimos trabalhadores das docas durante a II Guerra Mundial até anistiados da última ditadura.
Essa conta é por baixo porque ela se multiplica por elevado fator com a diversidade de regimes dos legislativos e judiciários estaduais e municipais, além de outros formatos salariais/previdenciários proporcionados a bombeiros, polícias militares e profissões perigosas. Procede, portanto, o argumento de que o sistema previdenciário público é caótico e farto em iniqüidades internas, antes mesmo de ser injusto em relação aos trabalhadores da iniciativa privada. Por isso, seria conveniente que o governo informasse à opinião pública qual é a distribuição dos gastos, por nível governamental, em cada uma dessas rubricas, discriminando o número de pessoas beneficiadas. É possível que, assim, o enraivecido preconceito contra um abstrato servidor público venha a ser substituído por justificado inconformismo diante de absurdos privilégios salariais e de benefícios claramente identificados.
Mas é a todas as categorias de servidores que devem ser aplicadas algumas das medidas sugeridas e dotadas de persuasivo bom senso. Ponderar o valor das aposentadorias pelo tempo de serviço na iniciativa privada e no serviço público é uma delas. Não faz sentido alguém passar a vida toda em um tipo de atividade e se aposentar em regime previdenciário alheio. Aumentar a idade para efeito de aposentadoria é outra. Não há nenhuma razão para que, por princípio, o serviço público seja considerado tão mais desgastante do que outros a ponto de justificar o tratamento especial. O reajuste dos inativos por certo não pode ser equivalente ao dos ativos, justamente pela razão de que, inativos, não fizeram por merecê-lo. Historicamente, o mecanismo buscava proteger o valor da aposentadoria em contexto de elevada inflação, quando só os salários da iniciativa privada estavam, por baixo, indexados ao salário mínimo. Associar a aposentadoria dos servidores públicos aos índices inflacionários corrige a maluquice de premiar ativamente os inativos, sem condenar os aposentados, por razões de geriatria, a gradual e seguro empobrecimento: quanto mais velho, mais pobre. Incentivo ao suicídio. Finalmente, estabelecer tetos para aposentadorias é uma idéia cuja eficácia depende da execução, mas tetos para salários no serviço público (no fundo, a origem de grande parte da confusão) é algo destinado mais uma vez, suspeito, a se converter em convite à infração, disfarçada em abonos e adicionais por isto ou por aquilo. Já foi tentado antes e já deu errado antes.
Enfim, haverá debates em torno de índices, cálculos, abrangência e em torno de quando se revogarão as disposições em contrário. Não creio, contudo, que se gerem ressentimentos politicamente significativos. Quanto às demais propostas, todo cuidado é pouco. O que aparece como questão fiscal ou de ideal de justiça é capaz de se converter, no médio prazo, em explosivo precedente de subversão de princípios constitucionais. Não seria interessante para ninguém.
Wanderley Guilherme dos Santos é cientista político e professor do Iuperj. Escreve às quintas-feiras
E-mail: leex@iis.com.br
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