Análise: O elo perdido da crise no Iraque
Paulo S. Wrobel*
Muito se tem escrito e debatido a respeito dos reais motivos que levam o governo Bush a uma empreitada imprevisível e arriscada no Iraque.
Acima de tudo, dois fatores se destacam: o petróleo e o trauma do 11 de setembro.
Há os que argumentam que o petróleo não é o principal fator na obsessão de Bush em se livrar de Saddam Hussein. Outros estão convencidos de que a iminente Segunda Guerra do Golfo é mais um exemplo de agressão imperial.
Parece óbvio que a trajetória pessoal do presidente Bush e de seus aliados mais próximos – a poderosíssima indústria do petróleo do Estado do Texas – reforça o argumento dos que enfatizam a importância do petróleo no cálculo estratégico americano. Este pode ser um fator muito relevante, mas certamente não é o principal.
Trauma
O segundo argumento diz respeito ao trauma do 11 de setembro. Esta hipótese parte do princípio de que o ataque a Nova York e Washington transformou radicalmente o cenário da política externa americana.
Assim, sob a influência de um time de assessores linha dura, os Estados Unidos procuram no Iraque o sucesso que não alcançaram no Afeganistão - a captura e destruição de um dos 'líderes do mal'.
Embora este argumento também seja relevante, sugiro que há um elo perdido não desvendado por estas duas linhas de raciocínio.
Tanto o petróleo como o trauma do 11 de setembro são, sem dúvida, parte integrante da obsessão de Washington.
Vingança
No entanto, acrescentaria ainda outros fatores plausíveis, como a necessidade de controlar o acesso às armas de destruição em massa, a vingança pessoal - Bush filho completaria o trabalho iniciado por Bush pai -, a frustração do sistema de inteligência e informação com o sucesso dos ataques fundamentalistas ao coração do poder, a aliança incondicional com Israel e o enfraquecimento do mundo árabe.
Todos estes são, sem dúvida, elementos que contribuem ao cálculo americano. Mas insisto que falta um elo perdido.
A este elo perdido denomino a mentalidade da grande corporação americana no poder. O que distingue os homens de Bush não é necessariamente o interesse da indústria petrolífera, mas a mentalidade da grande corporação.
Se lembramos da política econômica do governo republicano (do corte de impostos para os muito ricos ao objetivo último de desmantelamento da herança "rooseveltiana"), fica claro que estamos diante do governo mais pró-negócios da história americana recente.
O nó da questão
Também acredito que, em qualquer decisão importante de política externa, é preciso reconhecer a importância da formação dos assim chamados mapas mentais dos principais formuladores de políticas públicas - o que e como pensam, como articulam a sua visão de mundo, e de que maneira distinguem amigos e inimigos.
Aqui, a meu ver, reside o nó górdio da questão. A mentalidade da grande corporação penetrou, como nunca, os espaços mais decisivos de formulação da política pública americana.
Logo, o que predomina é a competição, o salve-se quem puder, o jogo de soma zero, a falta de moderação e compromisso. Enfim, o sucesso a qualquer preço.
Mais do que qualquer outra característica, é esta que modula a estratégia externa do atual governo republicano dos Estados Unidos.
Mercado
Por definição, o mundo da grande corporação é dominado pelas regras do mercado em estado puro, em que o cálculo estratégico é baseado apenas na otimização dos resultados e na destruição da concorrência.
Ademais, a grande corporação sabe identificar e respeitar o sucesso alheio, pois esta é a moeda de troca do mundo dos negócios.
Do ponto de vista dessa mentalidade, o 11 de setembro foi, indiscutivelmente, um grande sucesso, ao empregar a boa e velha tática militar da surpresa, causando o maior dano possível a um inimigo infinitamente mais poderoso.
Dentro do mesmo raciocínio, Saddam também é um sucesso, pois sobreviveu a uma derrota humilhante, 12 anos de estrangulamento econômico, 17 resoluções do Conselho de Segurança e oito anos de inspeções intrusivas.
Aqui, chegamos ao ponto crucial da hipótese. Ao identificar e reconhecer o sucesso do inimigo, o mapa mental da grande corporação exige a sua destruição, visto que não aceita a mediação nem o compromisso.
O único recurso que resta, então, é o das armas, o uso da força substituindo a aniquilação da concorrência.
O consolo, e a última chance de paz, é que, com exceções, parece que o resto do mundo ainda não se convenceu de que o recurso às armas é a única via possível.
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(*) Paulo S. Wrobel é analista de relações internacionais e ex-diretor do Programa Brasil no Diálogo Interamericano em Washington D.C.
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