9 de jan. de 2003

Simbologia
Luis Fernando Veríssimo

Um acontecimento tão cheio de significados como a posse do Lula vai fatalmente virar mito. E gerações ainda por nascer ouvirão os relatos daquele dia mágico, quando tudo foi presságio e tudo foi simbólico, inclusive a bursite. Ouvirão que choveu e fez sol ao mesmo tempo, simbolizando a indecisão de Deus, que, como o PMDB, ainda não sabia que atitude tomar diante do novo governo. Ou a última chance que a Natureza dava a Lula para mudar de idéia e desistir de morar em Brasília, onde, como se não bastasse o PFL, o clima é muito estranho.


Ouvirão que um cavalo derrapou na pista e atirou um Dragão da Independência na frente do carro presidencial, simbolizando um futuro possivelmente desastroso das relações do governo do PT com as forças armadas. Ouvirão que, entrevistado depois, o cavalo teria negado qualquer conotação política no seu gesto, atribuindo-o à pista molhada, e declarado que a instituição está pronta a ajudar o governo desde que este assegure verba para, pelo menos, a ração. E ouvirão que alguns caças da Esquadrilha da Fumaça, sobrevoando a cerimônia, simularam ataques de tosse, para chamar a atenção para sua velhice e a necessidade de serem substituídos.

Ouvirão que o vice-presidente e o presidente subiram a rampa do Palácio do Planalto sem dificuldade, apesar da idade de um e da barriga do outro, ambas avançadas, mas que o mesmo não pode ser dito do Rolls-Royce, que falhou abjetamente e teve de ser empurrado rampa acima. Simbolizando o vigor e a disposição do novo governo e a falência das elites miméticas, do neocolonialismo cultural e, acima de tudo, dos modelos importados.

Ouvirão que a transferência da faixa presidencial também teve momentos de grande conteúdo simbólico. Ao tirar a faixa do próprio peito, Fernando Henrique derrubou os óculos, simbolizando sua relutância em ver no peito de outro o objeto do seu amor. Lula abaixou-se para pegar os óculos, simbolizando uma regressão inconsciente ao servilismo proletário diante da classe acadêmica. Felizmente, não se levantou quando Fernando Henrique se inclinava para passar a faixa, acertando uma cabeçada no seu queixo e pondo-o nocaute por cima da dona Ruth, numa cena que, transmitida a todo o mundo, certamente espantaria os investidores. Enquanto Fernando Henrique tentava colocar a faixa em Lula, este tentava recolocar os óculos em Fernando Henrique, que acabou colocando os óculos no bolso depois de colocar a faixa em Lula, embora fosse claro que preferia colocar os óculos no Lula (transmitindo a este, simbolicamente, sua visão neoliberal) e a faixa no bolso.

Quanto ao simbolismo da bursite, a inflamação na bolsa que envolve a articulação do ombro direito, este não é muito claro. Talvez signifique favorecimento da esquerda com panos quentes na direita. Ou tenha alguma coisa a ver com a Bovespa.
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Falar o quê? Veríssimo é Rei e acabou. Como escreve...

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